domingo, 26 de junho de 2016

O lápis e o teclado

Por Marcelo Leite

Deveria pensar duas vezes quem estiver convencido de que a escrita à mão caminha para se tornar obsoleta –em particular se tiver filhos pequenos. Tudo indica que essa habilidade é crucial para aprender a ler e a pensar.

Repare na moça ou moço bonito a seu lado no metrô. Enquanto seus polegares deslizam fluidos pela telinha do celular, escrevendo mensagens, parece impossível reter a crença de que caligrafia ainda sirva para alguma coisa.

Quem se importa? Lápis e papel são coisas do passado, não contribuem para se conectar a nada no mundo digital, tornando-se assim inúteis.

Com os smartphones, até mesmo laptops já viram peça de museu. Se antes ensinar a escrever à mão ia perdendo prioridade nos sistemas educacionais, não tardará o momento em que alguém vai defender alfabetizar a criançada direto com letras numa tela.

Será um erro crasso.

Há pencas de estudos mostrando que escrever à mão de maneira legível e rápida tem correlação estreita com desempenho escolar. Vai bem na escola quem escreve direito (médicos sendo a exceção que confirma a regra).

Os gaiatos dirão que professores preferem os alunos com letra bonita e os premiam com notas melhores. Pode ser. Mas há algo mais em jogo a sugerir que vale a pena dedicar-se a fazer meninas e meninos trabalharem mais com lápis e papel.

E quanto mais cedo melhor. Crianças de dois e três anos já estão aptas a experimentar com riscos que as prepararão aos quatro ou cinco para produzir formas geométricas e, depois, letras de fôrma completas.

A partir daí entra em cena, ou deveria, a escrita cursiva. Teclados e telas, só mais para o fim do ensino fundamental 1.

Desenhar os caracteres de maneira contínua, conectando-os uns aos outros, prepara o cérebro para ler. Facilita fixar a correspondência entre grupos de signos e a unidade de sílabas, ou palavras inteiras.

Nossos cérebros precisam ser empurrados na direção certa. Eles não foram feitos para ler e escrever. Essa atividade só se tornou possível porque cooptou para a tarefa uma área conhecida como giro fusiforme, envolvida também no reconhecimento de rostos.

Como tudo em educação, o sucesso desse recrutamento depende de exercício. Se não fosse o receio de soar antiquado demais, diria até ser o caso de considerar seriamente a ressurreição dos cadernos de caligrafia.
Ainda me lembro de ficar com o giro fusiforme em brasa (metaforicamente falando), os dedos suados e o médio da mão direita vermelho na primeira falange, ainda desprovida de calo, diante daquelas três raias em que precisava fazer correr o grafite errático -sem calcar demais.

Maiúsculas e minúsculas como "t" tinham de tocar o limite superior; vogais minúsculas ficavam espremidas na linha do meio; a perna do "p" se esticava toda para baixo. E repetições, muitas: "A casa do João é bonita".

Hoje me espanto, nas raras ocasiões em que a pessoa à minha frente precisa escrever algo à mão, ao ver que ela não tem calo no dedo médio. A maioria nem o emprega para segurar a caneta Bic, apoia direto no anular, ou a segura com quem pega uma pitada de farinha.

Até hoje tomo notas à mão e gravo melhor os argumentos quando posso sublinhá-los no papel. Gesto e memória caminham juntos –e juntos chegam mais longe.


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