"Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão."
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Trechos do livro:
A professora pode ter sobrinhos e por isso é tia da mesma forma que qualquer tia pode ensinar, pode ser professora, por isso, trabalhar com alunos. Isto não significa, porém, que a tarefa de ensinar transforme a professora em tia de seus alunos da mesma forma como uma tia qualquer não se converte em professora de seus sobrinhos só por ser tia deles. Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos mas não se pode ser autenticamente professora, mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos alunos.
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A recusa, a meu ver, se deve sobretudo a duas razões principais. De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa profissional da professora, de outro, desocultar a sombra ideológica repousando manhosamente na intimidade da falsa identificação. Identificar professora com tia, o que foi e vem sendo ainda enfatizado, sobretudo na rede privada em todo o país, quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não devem fazer greve. Quem já viu dez mil “tias” fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado? E essa ideologia que toma o protesto necessário da professora como manifestação de seu desamor aos alunos, de sua irresponsabilidade de tias, se constitui como ponto central em que se apóia grande parte das famílias com filhos em escolas privadas. Mas também ocorre com famílias de crianças de escolas públicas.
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O ideal será quando, não importa qual seja a política da administração, progressista ou reacionária, as professoras se definam sempre como professoras. O lamentável é que oscilem entre ser bem comportadamente tias em administrações autoritárias e rebeldemente professoras em administrações democráticas. Minha esperança é que, experimentando-se livremente em administrações abertas terminem por guardar o gosto da liberdade, do risco de criar e se vão preparando para assumir--se plenamente como professoras, como profissionais entre cujos deveres se acha o de testemunhar a seus alunos e às famílias de seus alunos, o de recusar sem arrogância,mas com dignidade e energia, o arbítrio e o todo-poderosismo de certos administradores chamados modernos. Mas o dever de recusar esse todo-poderosismo e esse autoritarismo, qualquer que seja a forma que eles tornem, não isoladamente, na qualidade de Maria, de Ana, de Rosália, de Antônio ou de José.
Esta posição de luta democrática em que as, professoras testemunham a seus alunos os valores da democracia lhes coloca três exigências basilares:
1) jamais transformarem ou entenderem esta como uma 1uta singular, individual, por mais que possa haver, em muitos casos, perseguições mesquinhas contra esta ou aquela professora por motivos pessoais.
2) por isso mesmo, estar sempre ao lado de suas companheiras desafiando também os órgãos de sua categoria para que dêem o bom combate.
3) tão importante quanto as outras e que já encerra em si o exercício de um direito, exigirem, brigando por sua efetivação, sua formação permanente autêntica – a que se funda na experiência de viver a tensão dialética entre teoria e prática. Pensar a prática enquanto a melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através de que se vai reconhecendo a teoria nela embutida. A avaliação da prática como caminho de formação teórica e não como instrumento de mera recriminação da professora.
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