Do blog marxismo21
Alexander Rodchenko (1891-1956) |
LINK DO DOSSIÊ:
http://marxismo21.org/marxismo-linguagem-e-discurso/
O ensaio abaixo examina a problemática teórica e os objetivos do dossiê “marxismo, linguagem e discurso”. No decorrer do texto, o autor justifica a ordenação do extenso material que consta do dossiê.
******
Marxismo, linguagem e discurso
Rodrigo Oliveira Fonseca (UFSB)
Há tempos as classes dominantes dispõem
de uma considerável clareza acerca do papel exercido pela língua nos
processos de assujeitamento. Nesse sentido, é elucidativa uma passagem
do texto de instituição do Diretório dos Índios, de 1755, que diz o
seguinte:
Sempre foi máxima inalteradamente praticada em todas as nações que conquistaram novos Domínios introduzir logo nos Povos conquistados seu próprio idioma, […] um dos meios mais eficazes para desterrar dos Povos rústicos a barbaridade de seus antigos costumes; e ter mostrado a experiência que ao mesmo passo que se introduz neles o uso da Língua do príncipe que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a veneração, e a obediência ao mesmo Príncipe.
É justamente no século XVIII, com a reconfiguração e centralização do domínio português no continente americano (com destaque para as reformas pombalinas), que a diversidade linguística existente começa a ser estrategicamente combatida, incluindo-se aí a língua tupi (a “língua geral” paulista), gramatizada no final do século XVI pelo padre Anchieta visando a evangelização dos indígenas e a sobrevivência dos enclaves europeus, como também o quimbundo, proveniente de Angola e gramatizado na Bahia pelo padre Pedro Dias no final do XVII com vistas a facilitar o assujeitamento dos africanos escravizados[1]. Por certo e por sorte, a imposição e manutenção de uma língua do Estado não é apenas uma forma de radicar afeto, veneração e obediência às classes dominantes, permitindo também intercâmbios, aquisições e resistências simbólicas variadas dos dominados, como a possibilidade de simular, confundir, ofender e ridicularizar o dominante em sua própria língua!
O ideal do monolinguismo no Brasil
chegou pela imposição de uma língua imaginariamente fechada e unitária
que asseguraria a integridade dos vastos povos e territórios na América
enlaçados nos domínios lusitanos. Esquecidos os propósitos originais,
esse imaginário sobre a língua segue servindo na luta das classes
dominantes contra os modos de falar das maiorias, em prol de seu
silenciamento, e, mais recentemente, como elemento ideológico e político
do sub-imperialismo brasileiro, supostamente preocupado com os
estrangeirismos e uma presumida desvalorização de nossa língua[2].
Esse fenômeno não é uma peculiaridade da formação social brasileira, e não por acaso, em Sobre o Marxismo em Linguística,
Josef Stálin (1950) afirma que a língua russa (como a ucraniana, a
tártara, a bielorrussa etc.) não teria sofrido nenhuma modificação séria
com o desenrolar do processo revolucionário. Françoise Gadet e Michel
Pêcheux (em A língua inatingível, de 1981) mostram que tanto a
revolução de 1789 quanto a de 1917 implicaram em profundas
transformações nas línguas efetivamente faladas na França e na Rússia.
Quando as massas em revolução “tomam a palavra”, passando a falar em seu
próprio nome, uma profusão de neologismos e transformações sintáticas
induzem na língua uma mexida comparável àquela que os poetas realizam,
ainda que em menor proporção.
Na Rússia, os novos funcionamentos linguísticos desencadeados pela proliferação de formas metafóricas, slogans,
palavras de ordem, siglas, jogos de palavras,… tudo isso foi sendo
paulatinamente freado e domesticado em meio à burocratização e às
seguidas “depurações ideológicas” do processo revolucionário: “O pássaro
de fogo caiu no quotidiano dos utensílios de cozinha”, escreveu
Maïakovski, que, assim como os jovens poetas Blok, Khlebnikov e Essenin,
e o escritor Zamiatin, não viveria o suficiente para ver o desfecho da
revolução nos anos 1930. A partir daí advém um processo de
despolitização das artes (e da sociedade), que dará vazão a uma espécie
de neo-classicismo proletário, em que a emoção psicológica, o pitoresco
simbólico e o realismo reaparecem, agora pintados de vermelho (Gadet e
Pêcheux, op.cit., p. 88). Eliminadas, em tese, a burguesia e a
exploração, erigido um Estado de todo o povo, vivendo-se em uma ordem social sem classes hostis e sem contradições (no máximo, “dificuldades de organização”), a revolução poderia então vir de cima segundo Stálin. ler mais
*******
Nenhum comentário:
Postar um comentário