domingo, 11 de outubro de 2015

Anita, filha de Luiz Carlos Prestes, lança biografia do líder comunista

Reportagem da Folha de São Paulo, publicada no caderno Ilustrada, de 10/10/2015. A seguir a versão online (mais completa).

Filha de Luiz Carlos Prestes, Anita lança biografia admirada sobre o pai
LUCAS FERRAZ 
DE SÃO PAULO

O pai foi o maior líder comunista que o Brasil já pariu, coletando êxitos e fracassos em uma atuação pública –ainda que em alguns momentos clandestina– que se estendeu por sete décadas, consolidando-o como um dos brasileiros com maior projeção internacional no século 20. 

A filha, fruto de uma incendiária relação com a agente comunista alemã Olga Benario, nasceu em um campo de concentração nazista e só foi conhecer o pai aos nove anos. 

Mais tarde, se tornariam praticamente inseparáveis, construindo uma relação (ela seria também sua secretária por 32 anos) que só terminou com a morte dele, em 1990. 

Historiadora por formação e aspirante a revolucionária comunista no século passado, por herança familiar, Anita Leocadia Prestes, 78, apresenta na próxima semana o seu "Luiz Carlos Prestes - Um Comunista Brasileiro" (ed. Boitempo), livro em que trabalhou por mais de três décadas e que classifica como uma "biografia política". 

Campanha Prestes nos Estados Unidos em Nova York, 1937


Evitando destrinchar detalhes da vida pessoal de Prestes, alguns deles espinhosos para a própria autora, como a ruidosa relação com a segunda e última mulher do pai, Maria do Carmo Ribeiro, Anita refaz a trajetória do personagem com uma inegável admiração que enfatiza a imagem mitológica do Prestes herói, embora também não o poupe de críticas. 

"Mesmo quem não gosta dele reconhece que ele foi uma das lideranças mais importantes do século 20. Não dá para negar isso", afirma a historiadora à Folha. 

Calcada em pesquisa documental e inúmeros depoimentos gravados no fim da vida de Prestes, a biografia aborda o período que moldou o Brasil moderno, que começa nas primeiras revoltas tenentistas, no início dos anos 1920, e termina na eleição de 1989, a primeira após a redemocratização, quando o comunista, ainda que relutante com o PT, declarou apoio a Lula no segundo turno da disputa contra Collor. 

"Se há alguém que nunca se iludiu com o PT foi Prestes. Ele nunca considerou o PT um partido socialista ou revolucionário, ele achava o partido burguês. Inclusive o Lula, em quem ele reconhecia talento e inteligência, mas dizia a ele que era preciso estudar, pois só talento, sem conhecimento, não resolve nada", diz. 

Segundo a historiadora Anita Leocadia Prestes, foi intencional a sua opção por ignorar aspectos da vida pessoal do pai, biografado em "Luiz Carlos Prestes - Um Comunista Brasileiro". 

"Só entrou o necessário da vida pessoal para montar o quadro da participação dele em determinados episódios. Prestes não se distingue por ter sido, por exemplo, um excelente pai de família", diz. 

Anita e as tias nunca tiveram boa relação com a segunda mulher de Prestes, que a conheceu nos anos 1950, durante um período em que vivia na clandestinidade. Ela iria acompanhá-lo até o fim da vida. Nas 560 páginas, Maria do Carmo Ribeiro só é citada uma vez –ela ao menos aparece em uma das fotos, reproduzida nesta página. 

"No meu livro, [ela] não interessava muito. Mesmo sobre Olga, minha mãe, só falei o indispensável", conta.
Fatos polêmicos da vida política de Prestes também foram ignorados, como a participação do comunista em um ato político em São Paulo, em 1947, no mesmo palanque de Getúlio Vargas. 

Na década anterior, ao liderar o fracassado levante comunista que tentara derrubar Getúlio, Prestes foi preso e condenado, enquanto sua mulher –alemã, judia e grávida– fora enviada por determinação do então presidente a um campo de concentração na Alemanha de Hitler. Olga morreu anos depois do nascimento de Anita. 

A historiadora afirma que, ao escrever, optou pelos "momentos mais importantes". 

Família Prestes: Maria Ribeiro (no sofá, à esq.), Luiz Carlos e Anita (de óculos)


"Prestes nunca fez aliança com Getúlio, nunca apertou sua mão. O que houve foi uma contingência política. Cirilo Júnior era candidato a vice-governador em São Paulo e era apoiado por Getúlio, líder maior do PTB, e por Prestes, líder do PCB. Eles apareceram juntos. Não achei que houvesse necessidade de escrever esses detalhes", ressalta a filha, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de outros livros sobre o pai (como um que aborda a Coluna Prestes) e a história do comunismo no Brasil. 

Anita, contudo, critica a atuação de Prestes em certos episódios, como no justiçamento realizado pelos revolucionários, em 1936, contra a namorada de um dirigente do Parido Comunista. 

Prestes foi um dos defensores da punição, e a jovem falsamente acusada pelos camaradas acabou executada. 

"Meu objetivo era deixar registrada para as futuras gerações a atuação dele durante quase todo o século 20. Ser filha me ajudou a ter acesso a ele, mas fiz o livro como historiadora", defende-se. 

Anita, pelo menos, não escreve em nenhum momento na primeira pessoa –forma utilizada em algumas poucas notas biográficas, e segundo ela por solicitação da editora.
 


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