Reportagem da Folha de São Paulo, publicada no caderno Ilustrada, de 10/10/2015. A seguir a versão online (mais completa).
Filha de Luiz Carlos Prestes, Anita lança biografia admirada sobre o pai
LUCAS FERRAZ
DE SÃO PAULO
O pai foi o maior líder comunista que o Brasil já pariu, coletando
êxitos e fracassos em uma atuação pública –ainda que em alguns momentos
clandestina– que se estendeu por sete décadas, consolidando-o como um
dos brasileiros com maior projeção internacional no século 20.
A filha, fruto de uma incendiária relação com a agente comunista alemã
Olga Benario, nasceu em um campo de concentração nazista e só foi
conhecer o pai aos nove anos.
Mais tarde, se tornariam praticamente inseparáveis, construindo uma
relação (ela seria também sua secretária por 32 anos) que só terminou
com a morte dele, em 1990.
Historiadora por formação e aspirante a revolucionária comunista no
século passado, por herança familiar, Anita Leocadia Prestes, 78,
apresenta na próxima semana o seu "Luiz Carlos Prestes - Um Comunista
Brasileiro" (ed. Boitempo), livro em que trabalhou por mais de três
décadas e que classifica como uma "biografia política".
Campanha Prestes nos Estados Unidos em Nova York, 1937 |
Evitando destrinchar detalhes da vida pessoal de Prestes, alguns deles
espinhosos para a própria autora, como a ruidosa relação com a segunda e
última mulher do pai, Maria do Carmo Ribeiro, Anita refaz a trajetória
do personagem com uma inegável admiração que enfatiza a imagem
mitológica do Prestes herói, embora também não o poupe de críticas.
"Mesmo quem não gosta dele reconhece que ele foi uma das lideranças mais
importantes do século 20. Não dá para negar isso", afirma a
historiadora à Folha.
Calcada em pesquisa documental e inúmeros depoimentos gravados no fim da
vida de Prestes, a biografia aborda o período que moldou o Brasil
moderno, que começa nas primeiras revoltas tenentistas, no início dos
anos 1920, e termina na eleição de 1989, a primeira após a
redemocratização, quando o comunista, ainda que relutante com o PT,
declarou apoio a Lula no segundo turno da disputa contra Collor.
"Se há alguém que nunca se iludiu com o PT foi Prestes. Ele nunca
considerou o PT um partido socialista ou revolucionário, ele achava o
partido burguês. Inclusive o Lula, em quem ele reconhecia talento e
inteligência, mas dizia a ele que era preciso estudar, pois só talento,
sem conhecimento, não resolve nada", diz.
Segundo a historiadora Anita Leocadia Prestes, foi intencional a sua
opção por ignorar aspectos da vida pessoal do pai, biografado em "Luiz
Carlos Prestes - Um Comunista Brasileiro".
"Só entrou o necessário da vida pessoal para montar o quadro da
participação dele em determinados episódios. Prestes não se distingue
por ter sido, por exemplo, um excelente pai de família", diz.
Anita e as tias nunca tiveram boa relação com a segunda mulher de
Prestes, que a conheceu nos anos 1950, durante um período em que vivia
na clandestinidade. Ela iria acompanhá-lo até o fim da vida. Nas 560
páginas, Maria do Carmo Ribeiro só é citada uma vez –ela ao menos
aparece em uma das fotos, reproduzida nesta página.
"No meu livro, [ela] não interessava muito. Mesmo sobre Olga, minha mãe, só falei o indispensável", conta.
Fatos polêmicos da vida política de Prestes também foram ignorados, como
a participação do comunista em um ato político em São Paulo, em 1947,
no mesmo palanque de Getúlio Vargas.
Na década anterior, ao liderar o fracassado levante comunista que
tentara derrubar Getúlio, Prestes foi preso e condenado, enquanto sua
mulher –alemã, judia e grávida– fora enviada por determinação do então
presidente a um campo de concentração na Alemanha de Hitler. Olga morreu
anos depois do nascimento de Anita.
A historiadora afirma que, ao escrever, optou pelos "momentos mais importantes".
Família Prestes: Maria Ribeiro (no sofá, à esq.), Luiz Carlos e Anita (de óculos) |
"Prestes nunca fez aliança com Getúlio, nunca apertou sua mão. O que
houve foi uma contingência política. Cirilo Júnior era candidato a
vice-governador em São Paulo e era apoiado por Getúlio, líder maior do
PTB, e por Prestes, líder do PCB. Eles apareceram juntos. Não achei que
houvesse necessidade de escrever esses detalhes", ressalta a filha,
professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de outros
livros sobre o pai (como um que aborda a Coluna Prestes) e a história do
comunismo no Brasil.
Anita, contudo, critica a atuação de Prestes em certos episódios, como
no justiçamento realizado pelos revolucionários, em 1936, contra a
namorada de um dirigente do Parido Comunista.
Prestes foi um dos defensores da punição, e a jovem falsamente acusada pelos camaradas acabou executada.
"Meu objetivo era deixar registrada para as futuras gerações a atuação
dele durante quase todo o século 20. Ser filha me ajudou a ter acesso a
ele, mas fiz o livro como historiadora", defende-se.
Anita, pelo menos, não escreve em nenhum momento na primeira pessoa
–forma utilizada em algumas poucas notas biográficas, e segundo ela por
solicitação da editora.
FONTE: Folha de São Paulo
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