O centro da conspiração
Por Lincoln Secco*
Não bastasse a fúria legiferante do Congresso que destrói cláusulas
pétreas da Constituição, procura constitucionalizar golpes de Estado,
promover cultos religiosos em plenário e defender o "direito à
homofobia", ainda temos que discutir a censura à escola.
É disso que tratam os projetos de lei nº 867/2015 e nº 1.411/2015, de
dois deputados do PSDB, ora em tramitação na Câmara Federal. Eles
propõem a "escola sem partido" e criminalizam o que chamam de "assédio
ideológico". Naturalmente, os autores dos projetos não se consideram
ideólogos.
Já existem vários projetos do mesmo tipo em Legislativos estaduais e
municipais. Fazem parte da onda obscurantista que varre uma parte da
sociedade brasileira. Para esta há o centro de uma grande conspiração
intocado pela ação saneadora dos meios de comunicação.
É a escola! Basta ler a justificativa de um dos projetos e encontraremos
a razão recôndita: prepara-se no Brasil uma doutrinação ideológica
baseada no filósofo italiano Antonio Gramsci e nas teses do 5º Congresso
do PT (sic)!
Como o processo educativo ainda é um encontro de pessoas, é claro que os
professores não podem se despir de suas crenças quando ensinam,
tampouco as crianças, que trazem para a sala de aula os preconceitos que
absorvem em suas famílias ou meios de comunicação.
Assim, não se espera que um professor religioso de biologia finja não
crer em Deus ao ensinar a evolução das espécies. Mas deve tratá-la pelo
que é: uma teoria científica. Qualquer professor sabe disso. Igualmente,
o educador deve corrigir manifestações racistas que, eventualmente, o
aluno traga de casa.
O nosso problema não é aquilo em que movimentos, como o Escola sem
Partido, acreditam. Eles criaram um novo conceito sociológico: o
"aparelho ideológico de Estado petista". Só que a escola perdeu
centralidade no processo pedagógico.
A educação nunca foi um processo apenas escolar, mas professores mal
pagos em escolas abandonadas e sob estafantes jornadas de trabalho que
continuam fora do horário escolar não podem competir com a internet nem
com a televisão.
O próprio PT jamais teve projeto pedagógico e, no poder, submeteu a
educação ao superavit primário. A revolução educacional defendida por
Florestan Fernandes e Paulo Freire nem sequer foi lembrada. Ainda assim,
o Ministério da Educação assegurou princípios éticos, como a
solidariedade e autonomia, e estéticos, como a valorização de diferentes
culturas. Obviamente, a educação segue também princípios políticos,
entre eles a defesa da cidadania e o respeito à democracia.
Contra quais desses parâmetros os projetos de lei se insurgem? Seriam
contra a história da África, só porque foi inserida no currículo pelo
governo Lula? Contra o direito a brincar que é um dos princípios
definidos pelo Ministério da Educação para a escola infantil?
Afinal, talvez haja um conteúdo chinês no jogo da amarelinha ou a preparação para a clandestinidade no esconde-esconde!
Que o leitor entenda aqui a ironia como o último recurso diante da
língua simplificada dos neofascistas. Apresentam-se como defensores da
liberdade, assim como o golpe de Estado é sempre pela democracia.
E, quando você discorda, lê nos seus esconderijos virtuais termos como
"idiotice", "masturbação sociológica" e a suprema ofensa: "petista"
(outrora seria "comunista"). Curiosamente, eles são os frutos da mesma
escola que nos doutrina como esquerdistas incorrigíveis.
* LINCOLN SECCO, 46, é professor livre-docente de história contemporânea na USP.
FONTE: Folha de São Paulo, 18 de julho de 2015.
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