André Singer, Ruy Braga e Domenico Losurdo debateram a complexidade da dominação social contemporânea
Para André Singer, projeto lulista passa por momento grave, mas ele
lembra que "o jogo não terminou". Professor Ruy Braga cita desgaste em
"estratégia de pacificação"
por Vitor Nuzzi, da RBA
São Paulo – A atualidade do conceito de luta de classes e o
papel dos partidos, dos movimentos sociais e dos sindicatos foi tema de
debate realizado ontem (10) à noite, que desaguou em questionamento
sobre modelos políticos e econômicos, inclusive o chamado lulismo. Os
professores Domenico Losurdo, André Singer e Ruy Braga falaram sobre
distribuição da riqueza, luta social e novas e antigas formas de
organização. Sobre quem tentou mudar o mundo, e as dificuldades para
transformá-lo.
Losurdo, 73 anos, é professor de História da Filosofia na
Universidade de Urbino, pequena cidade na região central da Itália. Está
lançando no Brasil o livro A Luta de Classes - Uma História Política e Filosófica,
pela editora Boitempo, que ao lado do Sesc promove em São Paulo um
ciclo de debates sob o tema Cidades Rebeldes. Ele sustenta que as lutas
de classes (enfatiza o termo "lutas", no plural, usado no Manifesto Comunista)
nunca terminaram de fato e podem ser abordadas em três situações:
internacional, local e familiar. Não se trata apenas de conflito entre
capital e trabalho. Estão também presentes na exploração de uma nação
por outra, no colonialismo, e mesmo na opressão da mulher pelo homem,
afirma ao autor, citando Karl Marx e Friedrich Engels.
"Nada é simples e linear, fenômenos de sociedades cada vez mais
diversificadas ou mesmo fragmentadas se entrelaçam, como nacionalismos,
libertação nacional, anseios de conquistas tecnológicas e mesmo
messianismo em diversas formas", comenta no livro o historiador Jose
Luiz Del Roio. Em sua palestra, Losurdo falou sobre os processos de
transformação social, a importância das revoluções anticoloniais, o
movimento feminista e a defesa do Estado de bem-estar, "que se tenta
desmantelar", e a predominância de grupos econômicos.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São
Paulo (USP), André Singer destacou a importância do movimento operário
para o aparecimento de partidos de massas, em um universo antes dominado
por interesses paroquiais. "Foi a classe trabalhadora que percebeu a
brecha aberta da democracia." E o partido surgido desse meio cresceu com
a missão de organizar politicamente sua classe e para produzir mudanças
sociais, em busca da igualdade. Quase no final do debate, uma pergunta
vinda da plateia provocou o pensador político: como se expressou a luta
de classe no lulismo?
Para Singer, ex-porta-voz do governo na primeira gestão de Luiz
Inácio Lula da Silva, o "projeto lulista" se caracteriza por mudanças no
país sem confronto entre capital e trabalho, ou fazendo com que esse
conflito fosse "para o fundo da cena", o que ocorreu durante certo
tempo. "Até aproximadamente 2013, essa fórmula funcionou", disse o
professor, destacando avanços na busca de inclusão social e redução da
desigualdade. "Até que as condições materiais não permitiram que essa
fórmula vigorasse", acrescentou, citando as manifestações de junho
daquele ano e remetendo ao momento atual, em tempos de "ajuste"
promovido pelo governo. Segundo ele, neste momento "a classe
trabalhadora está tentando resistir a uma política de ajuste que a
prejudica fundamentalmente".
Espoliação
Com isso, o conflito capital-trabalho volta para "a frente da cena",
observa. "É possível que a gente esteja passando por outra forma de
regulação capitalista. É um momento grave para esse projeto lulista, mas
esse jogo não terminou. Realmente não sabemos qual vai ser o
resultado."
Professor do Departamento de Sociologia da USP, Ruy Braga avalia que o
país passo por um momento de tentativa de "pacificação social" por meio
do consumo, e hoje vive um período de transição, "apoiado sobre a
exploração do trabalho assalariado barato, que favorece diferentes
setores da economia". Aquele modelo encontrou limites, afirma, citando
(com dados do Dieese) como exemplo o aumento do número de greves, de 840
em 2012 para 1.900 no ano seguinte. "Transitamos para um modelo de
acumulação fundamentalmente vertebrado por estratégias sociais de
espoliação, que tendem a se tornar mais agudas, mais explícitas."
Seriam três, basicamente, as "estratégias de espoliação": pela
degradação, com subtração de direitos (por exemplo, o projeto de lei
sobre terceirização e as medidas provisórias com restrições ao acesso a
direitos trabalhistas e previdenciários), o maior endividamento das
famílias e por meio da privatização de áreas no campo ou de terras
urbanas. Braga identifica uma "agenda" de protestos pelo mundo, o que
inclui o Brasil. "Enfrentaremos mais greves, manifestações, protestos
protagonizados por trabalhadores precarizados", diz, citando movimentos
como os do sem-teto.
FONTE: RBA - Rede Brasil Atual
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