SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Osvaldo Faustino e Moisés Patrício, em primeiro plano, durante a ação "Presença Negra" na Millan |
Num canto da galeria, alguém perguntava baixinho que turma era aquela, em referência aos 25 negros que ocupavam em massa o pequeno e branquíssimo espaço da Millan, em São Paulo.
Na semana passada, durante a abertura de uma exposição do artista Afonso Tostes, que em seu trabalho discute escravidão, entre outros assuntos, a casa da Vila Madalena virou cenário de uma performance ao mesmo tempo silenciosa e desestabilizadora.
Eles chegam um a um, até de repente se tornarem mais numerosos do que o público habitual –em grande parte branco– dos vernissages. São artistas, ativistas e escritores todos negros que formam o elenco dessas ações batizadas de "Presença Negra", lembrando a tática de guerrilha dos "rolezinhos" que tomaram a cidade no ano passado.
"Só estar lá já é muito para a gente", diz o artista Peter de Brito, um dos idealizadores da performance. "Existe uma dificuldade de olhar para a gente, rola um constrangimento", completa Moisés Patrício, também autor da ação.
Na galeria, diante de ferramentas que tiveram seus cabos torneados na forma de ossos humanos, o grupo não levantava a voz, nem fazia nada para chamar a atenção, mas era alvo de olhares insistentes e ficava isolado dos outros visitantes da mostra.
"Senti os olhares, mas talvez seja pelo meu turbante ou o cabelão crespão", diz Tula Pilar, que participava da ação. "Não me incomoda porque estou acostumada, mas, como eles não convivem com a gente, isso tem um impacto."
Talvez porque na Millan, fora os participantes da ação e de dois convidados do artista, os únicos negros eram seguranças. Na arte contemporânea do país, essa ausência negra é ainda mais explícita –quase não há negros no elenco das galerias e eles costumam passar longe de mostras como a Bienal de São Paulo.
No Brasil, segundo o último censo, 7,6% da população se declara preta e 43,1%, parda.
"Na realidade, a arte continua na mão de uma elite", diz Emanoel Araujo, diretor do Museu Afro Brasil. "O fato é que ser negro já é falar de raça e de sua participação numa sociedade que discrimina."
"GENTE ESTRANHA"
Tanto que Brito e Patrício, na escolha dos alvos da performance, preferem as galerias mais poderosas do país, tentando aumentar a visibilidade de artistas negros para os olhos dos que comandam a indústria e formam opinião.
Desde outubro do ano passado, as ações do grupo já ocorreram na sede paulistana da galeria britânica White Cube, durante a abertura da mostra do artista Damien Hirst, e em casas como Luisa Strina, Mendes Wood DM e Millan.
André Millan, dono da casa que leva seu sobrenome, estava na abertura e viu o ato. "Não percebi que era uma performance", diz. "Mas a galeria é aberta a todos, são todos bem-vindos. Achei beleza."
Mas a equipe das galerias costuma perguntar se eles são estrangeiros ou de quem são convidados. Numa ocasião, Patrício diz que viu uma funcionária orientar um fotógrafo de coluna social a não retratar "aquela gente estranha".
Mas quando são retratados, acabam aparecendo com um viés exótico. "No meio da galera toda branca, eu chamo a atenção", diz Kleber Rogério, um rapaz negro vestido com uma camisa estampada vinda do Senegal. "Quase me cegam com flashes quando chego."
Com ou sem flash, a ideia é romper o silêncio. "Essa segregação, como tudo no Brasil, é uma coisa velada", diz o artista –também negro– Sidney Amaral. "É importante dar visibilidade às pessoas que tentam se colocar no mercado."
Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga que organizou uma mostra sobre a representação das raças na arte do país ao lado de Adriano Pedrosa, no Instituto Tomie Ohtake, no ano passado, conta que um dos curiosos elogios que recebeu pela exposição é que seu público tinha muitos negros.
"É um fato que pessoas negras convivendo num mesmo lugar chama a atenção", diz Moritz Schwarcz. "Isso ilustra a modalidade de racismo silencioso e perverso que nós praticamos no país."
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