Congresso e ministérios conservadores, risco de impeachment e retrocessos aos trabalhadores. Como os movimentos se preparam para o segundo governo Dilma?
Bruno Pavan
da Reportagem
Outubro de 2014: na reta final das eleições mais concorridas dos últimos anos, milhares de militantes de movimentos sociais iam paras as ruas para defender a reeleição de Dilma Rousseff contra Aécio Neves. O que seria uma forma de evitar um retrocesso maior para os próximos quatro anos se tornou um cenário complicado para o campo progressista.
Além do avanço inédito de discursos conservadores, como os que penalizam o aborto, querem a redução da maioridade penal e são contra dos direitos dos homossexuais, a presidenta nomeou como ministros políticos com histórico contra os movimentos sociais como Kátia Abreu (PMDB-TO) e Gilberto Kassab (PSD-SP). Além disso, entregou o Ministério da Fazenda para o ex-funcionário do Bradesco Joaquim Levy.
Ao olhar para a realidade política e econômica do país a esquerda se pergunta: e agora? Os movimentos vão ficar a margem da política pública do governo federal por mais quatro anos? Onde é possível avançar com um cenário tão contrário? Como se portar diante de uma ameaça de impeachment?
Essas e outras perguntas foram debatidas, dia 11 de fevereiro, na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé com a presença de Guilherme Boulos do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), João Paulo Rodrigues do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Vic Barros da União Nacional do Estudantes (UNE).
O entendimento em comum dos três é que há um esgotamento no modo como o PT resolveu governar desde a vitória de Lula em 2002. Tanto política como economicamente, o modo de governar sem entrar em choque com nenhuma parcela da sociedade parece não ser mais possível no Brasil.
“Hoje por conta do cenário político e econômico que nós temos, não é mais possível que os trabalhadores ganhem sem que a elite perca, nem que a elite ganhe sem que isso signifique derrota para os trabalhadores”, resumiu Vic Barros.
Fim do pacto de classes
De acordo com o cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP) André Singer, a história do PT pode ser divida em antes e depois da Carta aos Brasileiros. Escrita durante as eleições de 2002 em meio a uma ameaça de fuga de empresários e de alta do dólar, a carta serviu para amansar a grande parte da população que ainda tinha “medo” das mudanças que o partido faria.
Um dos principais aspectos do petismo no poder foi o chamado pacto de classes onde nenhuma regalia era retirada da elite e, mesmo assim, se conseguia investir em políticas públicas para os mais pobres. Acontece que 12 anos depois e diante de um cenário econômico de estagnação e de um momento político em que o antipetismo cresce cada vez mais, esse pacto se encerrou.
“A frente neodesenvolvimentista que foi estabelecida no governo era uma combinação de três aspectos: a parceria com o grande capital por meio do BNDES; as políticas públicas para os 50 milhões mais pobres do país e a aliança de classes que permitia que o governo hora conversasse com a Fiesp e a CNA, hora com os trabalhadores. Essa política funcionou por 10 anos, mas agora está em crise”, explicou João Paulo.
Guilherme Boulos do MTST destaca a importância do crescimento econômico para que uma política de pactos funcionasse e pontuou que isso deveria ter vindo acompanhado com reformas estruturais profundas.
“Esse pacto se esgotou porque um dos seus pilares de sustentação era o crescimento econômico que no governo Dilma foi menos da metade do que no governo Lula. Quando o crescimento cai, cai também a margem de manobra para a conciliação. Se acreditou que o crescimento fosse uma fuga pra frente e permitiria por tempo indeterminado essa política sem fazer nenhuma reforma estrutural”, cirticou.
Um ponto decisivo na relação do governo com os setores populares da sociedade foi a escolha que ele resolveu bancar quando percebeu o fim desse ciclo. “Havia duas alternativas muito claras: ou se enfrentava o capital financeiro para manter e aprofundar as conquistas sociais, ou se cortava na carne do trabalhador. Não precisa de uma análise muito profunda para saber que o caminho trilhado foi o segundo”, explicou Boulos.
O risco de impeachment
Desde que se consumou a quarta derrota tucana nas urnas no último dia 26 de outubro, muitas movimentações e declarações dão conta de que o risco de impeachment contra Dilma Rousseff existe.
Líderes tucanos como os senadores paulistas Aloysio Nunes e José Serra já disseram que a presidenta não termina o mandato. Já o ex-presidenciável e também senador Aécio Neves, apesar de mais contido nas declarações acerca do golpe, disse que o impeachment “está na boca do povo”.
Apesar disso, Boulos ainda está cético em relação a um risco real de impedimento da presidenta. Apesar de não descartar a possibilidade, ele não vê bases políticas e econômicas para isso no momento.
“Que elite vai querer impeachment agora com o Levy no comando da economia nacional? O Eduardo Cunha é um negociador, mas ele vai usar essa possibilidade de golpe para extorquir o governo a cada votação. É uma carta que ele tem na manga, mas não quer usá-la”, analisou.
João Paulo também analisa que falta unidade no campo da direita e a grande massa nas ruas para que a intenção golpista fosse para frente nesse momento. Além disso, alerta que esse discurso inflamado pelo PSDB e pela imprensa é perigos para as conquistas sociais.
“Na medida em que falam que há um golpe em curso, a ordem é deixar toda reivindicação de lado e proteger o governo. Esse é um discurso muito perigoso”, analisou.
Um dos momentos decisivos para mostrar para a sociedade se há um risco real de impeachment – para o coordenador do MTST – é quando o juiz Sergio Moro apresentar a denúncia da operação lava-jato. “Se ela for minimamente séria vai ter que envolver quadros da direita como o Anastasia, o Eduardo Cunha e o Álvaro Dias. Se isso acontecer o risco do impeachment cai muito. Agora se for uma denúncia feita no comitê do PSDB e que não envolve nenhum quadro da direita, o sinal amarelo estará aceso”, disse.
Lutar contra a direita vinda de onde vier
Defender o governo de um avanço da direita ou partir para o confronto fazendo valer as suas pautas clássicas? Esse é a penas um dos dilemas que os movimentos sociais viverão nos próximos anos.
A resposta, de acordo com Boulos, é conter a direita não importando se ela vier de Eduardo Cunha, PSDB ou de dentro do próprio governo. “Não podemos cair no maniqueísmo de nos incomodar apenas com o avanço da direita representada pelo Congresso ou no Judiciário, temos que responder também a direita que vem do Joaquim Levy, da Kátia Abreu e do Kassab que estão dentro do governo. A direita no Brasil não é unitária”, alertou.
Unidade dos movimentos
Outro fator de preocupação é a falta de união dentro dos movimentos da esquerda e da falta de um pensamento que apresenta um projeto alternativo para o país. Em 2014, diversos movimentos sociais apresentaram o projeto do Plebiscito pela Constituinte exclusiva do sistema político que conseguiu quase 8 milhões de assinatura pelo país inteiro.
Uma das maiores dificuldades de uma união maior entre setores da esquerda brasileira é a relação deles com o governo. Organizações que apostam em uma aproximação maior com o governo entram em confronto de ideias com as que fazem oposição à esquerda. Também há uma terceira via que se coloca como independente na luta política.
“Isso na vida real cria problemas e consequências do ponto de vista da tática que fica fragmentada. A direita e os setores organizados criam mecanismos para nos enfrentar e nos colocar em uma situação limite”, argumenta João Paulo.
Podemos?
A Europa tem dado respostas pela esquerda ao cenário desfavorável economicamente desde a crise de 2008. Basta observar a vitória do Syriza, na Grécia, que já promete fazer mudanças como renegociar a dívida grega na União Europeia e rechaçar as receitas neoliberais de superação da crise, e o Podemos, que mobiliza milhares de pessoas em Madri e é o favorito nas eleições parlamentares do país que acontecem no final deste ano.
Não está na hora de um Podemos no Brasil? Boulos é taxativo. “Podemos é para quem pode, não para quem quer. Precisa de centenas de milhares nas ruas para ter um Podemos. Isso depende de caldo e do bom e velho trabalho de base. Parte da esquerda, seduzida pela institucionalidade, deixou de fazer essa disputa necessária”, finalizou.