Por Anita Leocadia
Prestes*
Estamos diante de um
livro, escrito por um historiador[1],
que poderia ser usado em sala de aula de um curso de História como modelo para
os estudantes do que não deve ser um trabalho de historiador. Para E. Hobsbawm[2], o
historiador deve ter um compromisso com a evidência e, portanto, escrever uma
História não só apoiada em documentos como também baseada na comparação do
maior número possível de fontes documentais que lhe permitam obter os elementos
necessários para uma aproximação confiável dessa evidência. Caso contrário, o
historiador ficará sujeito a reproduzir e difundir informações falsas, assim
como interpretações errôneas e parciais da realidade que pretende retratar.
Nada
disso é considerado por D. A. Reis. No seu livro, não se apresentam as fontes
documentais das afirmações veiculadas. Em notas, presentes no final da obra,
são citados livros ou arquivos de maneira genérica (por exemplo, “Fundo PCB no
Arquivo da Internacional Comunista”, no qual existem milhares de documentos),
deixando, portanto, o leitor privado da possibilidade de consultar o documento
ao qual o autor se refere. Dessa forma, o leitor é induzido a aceitar como
verdades indiscutíveis afirmações cuja origem dificilmente poderia ser
comprovada.
Tal
metodologia adotada por D. A. Reis, marcada pela incompetência e a irresponsabilidade
do pesquisador, contribui para que nos encontremos diante de um texto repleto
de erros factuais e de informações falsas, assim como de análises supostamente
psicológicas de Prestes e dos demais personagens retratados no livro, embora
não conste que o autor possua formação de psicólogo.
Entre
inúmeros erros, constantes da obra de D. A. Reis, para citar apenas alguns - se
fossem listados todos, seria necessário escrever outro livro -, pode-se
apontar, por exemplo, o de antecipar o episódio da campanha da “Reação
Republicana” de Nilo Peçanha de 1921-1922 para o ano de 1919 (p. 26), quando
foi eleito presidente da República Epitácio Pessoa. Outro exemplo: o autor
afirma que os dirigentes comunistas Ramiro Luchesi e Fragmon Carlos Borges
foram assassinados (p. 347), no início dos anos 1970, quando na realidade
faleceram de morte natural; da mesma maneira, escreve que o general Miguel
Costa já teria falecido em março de 1958 (p.279), sem indicar quando, o que só
veio a ocorrer em dezembro de 1959; também afirma que, em março de 1990, entre
as quatro irmãs de Prestes, só Lygia restara viva (p. 480), enquanto, na
realidade, Lúcia faleceu em 1996 e Eloiza em 1998. Em diversos pontos da obra,
o autor cita documentos constantes dos anexos no livro A Coluna Prestes, de A. L. Prestes, mas a referência incluída na
bibliografia é de outro livro da mesma autora (Uma epopéia brasileira: a Coluna Prestes).
Em
diversos momentos, D. A. Reis, que se considera entendido nas obras dos clássicos
do marxismo, ao abordar a luta constante de Prestes tanto contra o oportunismo
de direita quanto contra o oportunismo de esquerda, lhe atribui posições
centristas (p. 330, 333, 358, 437), revelando desconhecimento dessa temática no
marcos da teoria marxista. Segundo tal interpretação, V. I. Lenin, que sempre
combateu os desvios de esquerda e de direita no seio dos movimentos socialistas
e comunistas, teria sido um político de centro...
No
que se refere às legendas das fotos reproduzidas no livro, verifica-se que
inúmeras estão erradas: o tenente Victório Caneppa, carcereiro de Prestes (à
época diretor da Casa de Correção), é apresentado como sendo o diplomata
Orlando Leite Ribeiro, amigo de Prestes; a foto da formatura de Prestes no
Colégio Militar (aos 18 anos) figura como se fosse da formatura da Escola
Militar (aos 22 anos); as fotos de Anita, filha de Prestes, não correspondem às
datas que lhes são atribuídas; o retrato da mãe de Prestes, tirado em Londres,
em 1936, é atribuído ao período do exílio no México; etc.
Estamos
diante de um texto eivado de fofocas, mexericos, intrigas e mentiras, em que se
reproduzem as invencionices da viúva de Prestes, assim como de antigos dirigentes do PCB e de
comandantes da Coluna Prestes, que viraram inimigos de Prestes. Este foi o caso
de João Alberto Lins de Barros, autor de memórias publicadas três décadas após
a Marcha, em que revela ressentimentos por seu antigo comandante haver se
tornado comunista. Da mesma maneira, vários ex-dirigentes do PCB, em depoimentos
prestados ao autor do livro, recorrem à falsificação dos fatos para justificar
seus ressentimentos por Prestes ter rompido, em 1980, com a direção do partido
da qual faziam parte.
Trata-se de um livro anticomunista, cujo
objetivo é a desqualificação de Prestes, da sua mãe, de suas irmãs e também da sua
esposa, Olga Benario Prestes; a desqualificação dos comunistas em geral. O
autor tem a canalhice de tentar desmoralizar minha mãe, ao afirmar que ela
teria abandonado um filho em Moscou (p. 171, 205, 495), como se Olga fosse
capaz de semelhante gesto. Os documentos citados – e pior ainda, o autor não
cita documento algum, mas apenas o “Fundo PCB no AIC” - não são verdadeiros,
pois conheço a documentação da Internacional Comunista, inclusive a pasta referente
a Olga. Se alguém, em algum lugar, afirmou tal coisa a respeito de Olga, é
mentira; conheci muitos amigos e amigas da minha mãe da época em que ela viveu
em Moscou e a afirmação do autor é mentirosa.
O anticomunismo, disfarçado sob a capa de uma suposta
objetividade histórica, é revelado a cada página da obra de D. A. Reis, tanto
através das numerosas informações falsas que divulga quanto da repetição de
juízos de valor questionáveis. Assim, a adoção por Prestes de posições
políticas em que, incompreendido, ficou só, e as derrotas, enfrentadas por ele e
pelos comunistas durante sua longa vida, seriam episódios desmerecedores da sua
trajetória como homem público e revolucionário, que se empenhou na conquista de
um mundo sem explorados e exploradores, sem oprimidos e opressores.
Ao rebater os juízos de valor adotados por D. A.
Reis, vale lembrar William Morris, o revolucionário inglês do final do século
XIX, cuja biografia constitui o primeiro trabalho importante de E. P. Thompson [3].
Conforme foi assinalado por Josep Fontana, W. Morris, em 1887, “ao comemorar
uma dessas grandes derrotas coletivas”, escreveu:
A
Comuna de Paris não é senão um elo na luta que teve lugar ao longo da história
dos oprimidos contra os opressores; e, sem todas as derrotas do passado, não
teríamos a esperança de uma vitória final.[4]
Também Paul Eluard, o poeta da Resistência
francesa, pronunciou-se a respeito das derrotas:
Ainda
que não tivesse tido, em toda minha vida, mais do que um único momento de
esperança, teria travado este combate. Inclusive, se hei de perdê-lo, outros o
ganharão. Todos os outros.[5]
Embora os
intelectuais a serviço dos interesses dominantes, comprometidos com a preservação
do sistema capitalista, como é o caso de D. A. Reis, empreendam todo tipo de
esforços para desmoralizar e destruir a imagem de lutadores pelas causas
populares, como Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, não o conseguirão,
desde que as forças democráticas e progressistas se mantenham alertas e
atuantes na preservação do legado revolucionário desses homens e mulheres que
deram a vida por um futuro de justiça social e democracia para toda a
humanidade.
*Anita Leocadia Prestes é doutora em História
Social pela UFF, professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada
da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes
[1]
REIS, Daniel Aarão. Luís Carlos Prestes. Um revolucionário entre dois mundos. São
Paulo: Companhia das Letras, 2014.
[2] HOBSBAWM,
Eric. Sobre a História; ensaios. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.286-287.
[3] THOMPSON, E.P. William Morris; romantic to revolutionary.
Londres: Merlin Press, 1977.
[4] MORRIS, William. Why we celebrate the Commune of Paris.
Commonweal, 3, n. 62, p. 89-90, Mars 1887, apud
FONTANA, Josep. A
história dos homens.
Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.490.
[5]
ELUARD, Paul. Une leçon de morale, prefácio,
em Ouvres complètes. Paris: Gallimard,
1984. II, p. 304, apud FONTANA, Josep.
Obra citada, p. 490.
Quando observamos que profissionais como Daniel Aarão, elabora um livro com erros grosseiros, como afirma a filha e também históriadora Anita Leocárdia prestes, ficamos tristes, pois um trabalho mal feito é um mal trabalho prestado a memória e ao processo histórico envolvendo o "Cavalheiro da Esperança".
ResponderExcluirNão dá para levar a sério nada que esse senhor escreva.
ResponderExcluirParabéns à camarada Anita Prestes pela atenção, zelo e compromisso político e históricos. Sou historiador e muito me entristece por gente como Daniel Aarão Reis Filho - que é referência nos cursos de graduação Brasil afora - serem considerados em tão alta conta. Mas o tempo mostra, sem sobra de dúvidas, quem veio a quê nesta vida. E se Prestes, Olga e tantos/as outros/as camaradas comunistas vieram para dar cabo ao capitalismo e à burguesia - como também deixar um legado para nós, uma inspiração constante - gente como D. A. Reis vieram para ser só mais um oportunista que se sente algo importante por publicar obra tão tacanha, caluniadora e limitada por um selo de grande envergadura (comercialmente falando). Mas não tenhamos dúvidas: será só mais um punhado de papel que se perderá na vala comum do nada. Saudações comunistas.
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