Por Francisco Carlos Teixeira, historiador
Chamar alguém de antissemita ,somente por ser a oposição a política do governo de Israel, é uma forma fácil de impor um monólogo peremptório.
Muitos brasileiros, intelectuais ou não, possuem laços de admiração e amizade, datados de longo tempo, com o povo judeu e o Estado de Israel. A criação do Estado de Israel, ao lado de um Estado Palestino, em 1948, foi vista como uma reparação histórica ante a monstruosidade e extensão do Holocausto. Da mesma forma, entre nós, inúmeros judeus, aqui nascidos ou não, desempenharam um papel fundamental na vanguarda de esquerda e na sua luta por um país mais justo e igual, muitos dos quais pagando com a prisão e vida, por tal dedicação, começando por Olga Benario Prestes.
Assim, Israel e o povo judeu foram, durante largo tempo, pontos fundamentais de referência e de admiração no Brasil, como ocorreu na extensa leitura de obras como “O Diário de Anne Frank” ou filmes como “Êxodos” e “A Lista de Schindler”. A imprensa nacional e internacional, aqui lida, sempre dedicou um imenso espaço aos fatos relativos ao Holocausto e produziu forte impacto sobre a opinião pública brasileira.
Desta forma, a acusação – hoje corrente nas redes sociais – de uma minoria de amigos e colegas de que os “judeus estão sendo demonizados” ou que nós, no Brasil, nada sabemos sobre o conflito e que nos deixamos levar por uma política externa “ideológica” e pela “máquina de propaganda” do Hamas e associados, não são aceitáveis.
Na verdade, dada a proeminência da comunidade judaica nos meios de comunicação – com nomes brilhantes no cinema, no jornalismo e na televisão que são patrimônio nacional brasileiro – as acusações, ao meu ver errôneas, apontam ao contrário, um “lobby” judaico na mídia, em especial no caso da mídia americana. Ocorre, que o conflito no Oriente Médio apresentou uma nova percepção das relações de Israel com seus vizinhos e em especial com o povo palestino.
Neste sentido, podemos dizer que: 1. O conflito dura, já, tempo em demasia, vítmas em demasia, atrocidades em demasia, inclusive contra israelenses; 2. Israel apostou demais no poder militar, numa solução militar, que não é real, apenas gera mais dor e mortes; 3. Os partidos políticos em Israel utilizaram, no limite, o conflito e a insegurança, com objetivos de poder e manipulação interna, levando as posturas do país ao amplo descrédito internacional; 4. Israel abusou do “capital moral” herdado do Holocausto, hoje o país é um Estado forte, militarmente capacitado e dotado de tecnologia – inclusive atômica – que não tem comparação na região. Israel é o mais forte e portanto, com as garantias internacionais, incluindo dos Estados Unidos, erra ao não negociar.
O argumento que me foi apresentado, ao fim deste exaustivo levantamento de pontos, foi: “não há com quem negociar!”. Há, e sempre houve. Com Yasser Arafat vivo não se negociava em razão deste ser terrorista (sic!). Ora, o que o ex-premiê Menachem Begin seria, então, ele que foi liderança do “Irgun”, responsável pela dinamitação do Hotel King David, em 1946? Depois da morte de Arafat, não se podia negociar com Abbas e depois a liderança política palestina estava dividida, logo não se podia negociar. Hoje, a Autoridade Palestina está, novamente unificada, mas ainda assim, não se pode negociar, agora, de volta ao começo, porque a Autoridade Palestina tem terroristas em seus quadros. Por esta lógica somente o Governo de Israel diz quando e com quem negociar e isto sem qualquer urgência.
Ao indicar estes pontos somos, com frequência demasiada, tratados ou como “ignorantes” da questão ou, pior de tudo, de “antissemitas”. A ignorância, em ciências sociais, é sempre possível e acompanha cada um de nós em nossas tarefas e missões. Porém, o que é “conhecer a realidade local” para poder expressar uma opinião? Só técnicos e “experts” poderiam ter opinião? Pode ser que tenhamos que ter credenciais, uma exigência para discutir um assunto. Mas, quem daria tais credenciais? Pelo visto teriam que ser credenciais de uma agência israelense. Isso seria, sim, uma limitação tremenda da liberdade. Eu conheço Israel, conversei longamente com pessoas, entidades e representantes do governo e da oposição. Escrevo há décadas sobre a situação local e, mais do que isso, trabalho intensamente com o fenômeno do neonazismo – estudos que acompanho com uma intensa militância antifascista, aqui e na Europa. Mas, devo, em alguma proporção, ser ignorante. Por isso, estudo mais e leio mais, incluindo a leitura diária de jornais israelenses, como o Haaretz e o Yedioth Aronoth. Mas, aceito minha ignorância e estou pronto, sem ofensas, para o debate – mas, não: sou mais um envenenado pela propaganda do Hamas.
Enquanto isso, gostaria de apresentar alguns pontos decorrentes de meus estudos, da literatura geral e fontes locais, inclusive israelense, de forma bastante objetiva:
1. A desproporção demográfica entre Israel e a Palestina (ou o povo palestino) não será resolvida e em vinte cinco anos, Israel estará mergulhado num mar de palestinos, desesperançados e com muita raiva; 2. A guerra “urbana”, casa à casa, não pode ser vencida. Desde que Michael Collins, do Sinn Fein, teorizou sobre os conflitos urbanos, a partir de sua experiência na Irlanda, os grandes exércitos do mundo foram vencidos em guerras urbanas, seja em Hué e Saigon, no Vietnã; seja em Argel, na Argélia; seja Matagalpa na Nicarágua; seja Sadr City, no Iraque ou agora em Gaza. O velho Ariel Sharon, quando retirou as tropas de Gaza, em 2005, sabia claramente que ali estava um terreno pantanoso e sem saída para o Tsahal.
O novo governo do “Bibi” Netanyahu, e sua coalizão do Likud-Beiteinu, de direita, deveriam acolher a sabedoria do velho “Arik” Sharon, afinal ele tinha expertise em combater palestinos de várias formas possíveis... Assim, a insistência do governo de Israel em manter a situação indefinida e desta forma ter tempo para expandir as colônias e inviabilizar o Estado Palestino, pode, bastante bem, lançar Israel, num futuro bem próximo, em uma situação insustentável, obrigando-o a tornar-se um Estado policial, de tipo aparteísta e, no limite, fora da comunidade internacional.
Estes são os limites do conhecimento e as condições de ignorância.
As acusações de antissemitismo são mais cruéis, difusas e injustas – em especial para nós que caminhamos nos pátios vazios de Dachau e de Oranienburgo.
Trata-se de um procedimento clássico de deslegitimização da fala do oponente ou daquele que não aceita as razões apresentadas por um enunciador, pretensamente, dotado de uma autoridade moral insuspeita e acima de quaisquer críticas. Assim, chamar alguém de antissemita – sem qualquer outra manifestação concreta de tal “antissemitismo”, somente por ser oposição à política do governo (“note bene” do governo!) de Israel – é uma forma fácil de impor um monólogo peremptório. As falas de amigos judeus nas redes, e agora de representantes do Estado de Israel sobre o Brasil, caracterizam-se pelo extremismo da autoridade única, centrada em si mesmo. Quem critica o governo de Israel, formado por partidos políticos de direita e extrema direita, como o Likud e o Beiteinu, ou o Shas ou o “The Jewish Home”, pode estar certo ou errado, mas não pode, por isso só, ser classificado de antissemita. Assim, o “Tea Party”, que critica virulentamente o Governo Obama, seria antiamericano e os críticos do Governo Dilma, à direita e à esquerda, seriam “antibrasileiros”. Esta é uma prática desclassificatória, simplista e que visa a desviar a atenção do centro da questão: as políticas do Governo de Israel e a militarização, como resposta única, das relações entre Israel e a Palestina. Tais práticas já geraram críticas severas de judeus, incluindo judeus israelense, como na carta dirigida ao Governo de Israel por dezenas de reservistas das FFAA negando-se a servir na operação contra Gaza ou de grandes nomes da cultura, como Daniel Barenboim. São todos antissemitas?
Deste Otto von Bismarck, no Império alemão, criou-se uma prática perigosa de desclassificação da fala contrária, desviante ou de oposição. Aceitar tais regras do debate, com um lado podendo dizer quem está ou não está autorizado a falar, pode redundar numa fala única, no silêncio da crítica e na imposição de uma ordem ditatorial. A elevação de Israel como um modelo único – a única democracia do Oriente Médio – implica erguer a si mesmo em modelo obrigatório.
Trata-se, neste caso, de uma postura etnocêntrica, “egocêntrica”, incapaz de avaliar o outro por fórmulas que não sejam uma cópia de si mesmo, expurgando todo o debate de possibilidades de diferença, de originalidade e de ser algo, de ter valores, em si mesmos. A Turquia, um ex-aliado de Israel, é um governo constitucional, democrático, funcional. O mesmo ocorre com a Jordânia – malgrado não ser um Estado nos moldes democráticos ocidentais -, e assim era com o Líbano, antes da guerra com Israel. Por outro lado, este argumento é estranho para o Estado de Israel, posto que o atual governo sempre foi contra a Primavera Egípcia e comemorou o fim do Governo democraticamente eleito de Mohammed Musri, no Egito.
Enfim, as acusações de “ignorância” e “antissemitismo” não são cabíveis e visam a, claramente, desqualificar quaisquer críticas ao Governo do Likud e associados – e “note bene”, não são críticas ao povo judeu ou israelense! O Governo de Israel, que não é único herdeiro e fiel depositário, da tragédia do Holocausto, não está acima de críticas e deve perceber, de imediato, que está, no curto e no longo prazo, trabalhando contra os interesses maiores do próprio Estado de Israel.
A renúncia de colegas, e ex-alunos, judeus. em olhar criticamente a atuação do atual governo de Israel, chegando ao ponto de elogiar o deputado Bolsonaro, é uma capitulação da inteligência perante o nacionalismo tacanho e limitador. Israel, o Israel eterno, é maior e mais generoso que atual coligação de direita e extrema-direita no poder.
FONTE: Carta Maior
leia
ResponderExcluirhttp://www.alessandroberthold.blogspot.com.br/2014/07/os-judeus-do-fuhrer-os-colaboradores.html
http://www.orientemidia.org/hannah-arendt-o-sionismo-e-a-banalizacao-do-mal/
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/13716/hoje+na+historia+1946++hotel+king+david+e+alvo+de+ataque+terrorista.shtml
https://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Deir_Yassin
http://www.tsavkko.com.br/2009/08/sionismo-e-nazismo-legitimacao-do.html
http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2014/07/sionismo-e-limpeza-etnica-do-povo.html
http://gunnerblogbr.blogspot.com.br/2012/04/o-lavon-affair-terrorismo-israelense.html
http://tribunaliraque.info/pagina/artigos/depoimentos.html?artigo=717
http://actualidad.rt.com/expertos/dr_lajos_szaszdi/view/79286-obama-debe-seguir-politica-apaciguamiento-israel-septiembre-parte-i