Para Reinaldo Iturriza, ministro de Comunas e Movimentos Sociais da Venezuela, a Revolução Bolivariana vai para o encontro permanente do povo venezuelano
Vicente Prieto
de Caracas (Venezuela)
Reinaldo Iturriza, um sociólogo de 40 anos, que frequentemente é identificado como “chavista radical”, foi empossado no cargo de ministro para Comunas e os Movimentos sociais de Venezuela faz pouco mais de um ano, quando Nicolás Maduro assumiu o mandato, após a vitória eleitoral de 14 de abril do ano passado. Nesses meses, sua gestão caracterizou-se por uma estreita articulação com as bases bolivarianas. O resultado foi uma explosão do poder popular, expressada, entre outras coisas, no registro de mais de 630 comunas.
“Esse é um programa de transição ao socialismo e de radicalização da democracia participativa e protagônica. Partimos do princípio de que acelerar a transição passa, necessariamente, por acelerar o processo de restituição do poder ao povo”, escrevia Chávez no seu testamento político, o Plano da Pátria 2013-2019.
“O vivo, efetivo e pleno exercício do poder popular protagônico é insubstituível condição de possibilidade para o socialismo bolivariando do século 21. Isso passa por pulverizar completamente a forma Estado, burguesa, que herdamos, a que ainda se reproduz através de suas velhas e nefastas práticas, e dar continuidade à invenção de novas formas de gestão política”.
A vitalidade do amplo e diverso movimento popular – que nunca abandonou a rua – é uma das chaves fundamentais para que a Revolução Bolivariana possa resistir e avançar, depois da ausência física de seu líder. A seguir, leia a entrevista com o ministro Reinaldo Iturriza.
Brasil de Fato – Poderia fazer um balanço geral desse ano, a partir de 5 de março de 2013?
Reinaldo Iturriza – Penso que o fundamental desse ano é o fato de que o chavismo tenha conseguido superar o muito decisivo obstáculo que significa a desaparição física do comandante [Hugo Chávez]. Isso determina tudo. Isso implica que se tenha resolvido o que para as forças contrárias à Revolução era um enigma que se experimentava quase com prazer perverso. Essas análises davam como favas contadas o fracasso da Revolução, isto é, que a Revolução Bolivariana após Chávez era o “pós-chavismo”, era alguma coisa depois do chavismo.
Eu tive o trabalho pouco agradável de revisar o que escreveram alguns intelectuais progressistas de América Latina, imediatamente após a desaparição física do comandante e eram verdadeiramente pessimistas sobre a possibilidade da Revolução Bolivariana continuar. Lembro de um artigo de Guillermo Almeyra, era verdadeiramente, como já disse, pessimista. A caracterização que ele fazia das forças que compunham o governo bolivariano naquele momento não apenas refletia um profundo desconhecimento das forças que compõem o chavismo senão que expressava o fim do processo bolivariano. Lembro particularmente porque antes desse artigo tinha lido algumas outras coisas desse autor e me parecia bastante agudo, sensato. E para mim, nesse momento, foi uma expressão bastante clara da deriva da intelectualidade, do pânico que se propagou na intelectualidade, e é o mesmo pânico que se propagou num setor bastante minoritário do chavismo. Como vem fazendo desde 1998, o povo chavista respondeu esse enigma e disse: “Esta Revolução continua”. Esse dado, ao qual não se dá maior atenção, ao qual não se concede tanta relevância, para mim é o dado mais decisivo de todo esse ano.
Depois, outra coisa que me parece bastante determinante é o que aconteceu no interior das forças contrárias à Revolução. Aconteceu, sobretudo, partir de 2007, uma importantíssima virada tática na oposição venezuelana, e predominaram um conjunto de forças que não apostavam em uma saída violenta, à confrontação violenta na rua, e sim penetrar nas bases sociais do chavismo por meio de uma série de estratégias, insistindo muito no tema da ineficiência.
Guerra de “baixa intensidade”
Se é verdade que a Venezuela nunca deixou de ser um país assediado, incluindo o assédio econômico – o famoso “paro sabotagem” 2002-2003 deixou perdas bilionárias –, a partir de 2007, a guerra econômica começa a se expressar de outra maneira. É uma guerra de “baixa intensidade”, em pequenas doses. A desaparição nas gôndolas dos artigos de primeira necessidade começa a se expressar com muita força a partir desses anos. Acontece um deslocamento também no protagonismo opositor. Os representantes tradicionais desaparecem de cena, esse é o momento em que “aparecem” os estudantes. Lembro que “a academia” também teve um peso muito importante, sobretudo “os expertos em pobreza”, do tipo dos da Universidad Católica Andrés Bello, isto é, os tecnocratas das ciências sociais, que alimentavam todo esse discurso da ineficiência etc.
Se não se entende que nesse momento se produz essa virada, é muito difícil entender a Venezuela agora. Aí começamos a ver de maneira sistemática os efeitos da guerra econômica. Isto é, a oposição optou pela via “pacífica e democrática”, porque não havia outra opção. Porque durante todos os primeiros anos da Revolução disputou a rua com o chavismo e o chavismo sempre a derrotou.
Quando, no 5 de março, ocorre a morte do comandante, nesse momento dissemos: “A pergunta não é que vai acontecer com o chavismo, e sim que vai acontecer agora com o antichavismo. Vai continuar na sua linha democrática de participar nas eleições ou vai apelar às medidas de força?”. Bom, olha, ao longo desse ano, está comprovado que a oposição decidiu voltar a uma tática de violência na rua, com o agregado da guerra econômica. O plano era que as “guarimbas” [barricadas] se articulassem em algum momento com um golpe militar. Isso foi neutralizado. Mas, bem, aí temos esse desafio enorme que continua significando a guerra econômica.
Com relação a como atravessar o obstáculo da guerra econômica, em termos estratégicos, parece que há diferentes alternativas sobre que fazer.
O chavismo sempre teve forças mais avançadas e outras mais conservadoras. Os que esperavam ansiosos quem falavam em pós-chavismo era que essas contradições se expressassem de forma muito caótica e que culminasse num racha. Isso, claro, não aconteceu. Chávez foi muito claro com relação a que a Revolução Bolivariana devia seguir definida pelo elemento popular, não apenas no político, mas fundamentalmente no econômico. Ele [Chávez] não queria que em momento algum houvesse dúvidas sobre a orientação revolucionária, transformadora, socialista, do governo bolivariano. O Comandante insistiu muito em que o socialismo bolivariano tem que estar ancorado em nossa realidade, reconhecendo as circunstâncias do tempo e lugar em que se desenvolve. Mas esse não era um socialismo domesticado. Não era a socialdemocracia, não era um projeto político que implicasse pactuar com a burguesia e muito menos com a oligarquia.
O que o surpreendeu dentro da instituição, nesta nova posição que você assume, e da visão que emerge dessa posição?
O que mais desfrutei da instituição [Ministério das Comunas e dos Movimentos Sociais] é a possibilidade de fazer. Esse é um Estado com muita força. Independentemente dos obstáculos que se apresentam para nós, que são uma infinidade, como em toda parte, aqui há uma clara orientação geral das políticas. Se soubermos aproveitar as possibilidades que oferece a institucionalidade, se pode fazer muita coisa que tem impacto muito profundo na população.
E o que o surpreendeu mais?
Surpreende-me muitíssimo a facilidade com que pessoas, inclusive aquelas de muita confiança, quando são interpeladas sobre alguma questão que está mal ou na qual falhamos, automaticamente responde defendendo a instituição e responsabilizando o povo. É uma lógica, uma cultura. Quando você se detém, a inércia aponta para esse lugar comum, sempre: “A instituição fez o que tinha que fazer, a culpa é das pessoas”. Se a gente não se previne contra isso, se deixa levar facilmente por essa lógica.
O presidente propôs a criação de um Conselho de Governo Comuna, para avançar em direção ao autogoverno. Que pode nos adiantar sobre essa proposta?
O Conselho é uma ideia do presidente. Uma ideia inacabada, uma coisa que é preciso construir, obviamente, com o aporte decisivo do sujeito comuneiro. O presidente coloca a necessidade de estabelecer interlocução direta com ele. O apresentou assim: “Um espaço onde, sobre o tema X, vocês me dizem o que é preciso fazer, o discutimos e o decidimos”. Parece-me que é um espaço a partir do qual o sujeito comuneiro tem que falar com o resto da sociedade, um espaço não autorreferencial, mas para a construção de hegemonia: de hegemonia popular democrática, não de hegemonia no mal sentido. Um espaço a partir do qual, construindo política, o sujeito comuneiro tem a extraordinária possibilidade de transmitir ao resto da sociedade venezuelana o que é uma comuna.
Numa frase só, para onde vai a Revolução Bolivariana?
A Revolução Bolivariana vai para o encontro permanente do povo venezuelano. Aí está, no coração do povo, e aí tem que seguir estando. Enquanto for assim, haverá Revolução Boliviana por um bom tempo.
Vicente Prieto é jornalista argentino residente em Caracas (Venezuela).
Tradução: Silvia Beatriz Adoue.
QUEM É
Reinaldo Iturriza é o ministro para as Comunas e os Movimentos sociais de Venezuela. Esse ministério tem a responsabilidade principal de avançar em direção ao Estado comunal, objetivo explícito de Hugo Chávez.
FONTE: Brasil de Fato
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