Por Francisco Carlos Teixeira da Silva
Jornal do Brasil, Caderno Idéias, 27 de outubro de 2007.
A Paz e Terra acaba de publicar o clássico livro de Robert Paxton A anatomia do fascismo. Trata-se de uma obra de maturidade de um historiador de longa trajetória nos estudos dos regimes de governo e da violência política no século 20.
A publicação do texto de Paxton é extremamente oportuna. Terminada a Guerra Fria, desde 1991, e com a recuperação da capacidade de ir além dos termos do debate dos anos 50 e 60 - em especial o beco sem saída da teoria do totalitarismo - o livro se propõe a rever alguns mitos e dogmas da história dos fascismos.
O primeiro, e bastante relevante em face aos estudos acadêmicos brasileiros, é a assunção do conceito fascismos, no plural. Paxton insiste na pluralidade do fenômeno histórico - na diversidade da sua ocorrência real por exemplo na Alemanha e na Itália - mas insiste também na coesão interna e consistência teórica do fenômeno histórico geral dos fascismos. Assim, a diferenciação entre fascismo (no singular) enquanto fenômeno explicitamente italiano (tese de Enzo De Felice) e o nazismo, fenômeno exclusivamente alemão, não é aceita. Para Paxton, a coesão original nos fascismos marca uma época e um tipo de fenômeno social e político. Nesse sentido, o autor acompanha as teses clássicas do historiador alemão Ernst Nolte, que identifica a existência de uma "época dos fascismos". Para o brasileiro, o debate é particularmente instrutivo em face da insistência nacional em falar em nazi-fascismo, acompanhando uma denominação acrítica da imprensa da época. Contudo, Paxton não aceita a tese de Nolte de uma relação direta entre fascismos e bolchevismo - o que também o afasta das teses clássicas que compreendem os fascismos como contidos inteiramente na teoria do totalitarismo.
Paxton também se pergunta sobre a extensão e as origens dessa época dos fascismos. Para o autor, pode-se falar em fascismos desde às vésperas da Primeira Guerra (1914-1918), desvinculando o fascismo das analises historicistas que o explicam exclusivamente através da Paz de Versalhes ou da grande crise econômica de 1929. Assim, a primeira Ku Klux Klan, o movimento eugenista norte-americano, e várias versões biologizantes da história, seriam os sinais iniciais da aparição dos fascismos.
O autor dedica-se, de forma vigorosa, a explicitar o debate sobre os fascismos como uma "doença da sociedade liberal". Procura identificar o que é claramente europeu nos fascismos, oriundo da própria cultura européia e não exatamente um corte com esta cultura. Da mesma forma, Paxton é cuidadoso em não construir e, em verdade, negar a existência de uma linearidade entre uma forma qualquer de pensamento (Nietzche) ou uma especificidade histórica (como queria Daniel Goldhagen) e os fascismos. Paxton, com uma grande erudição, passeia por vários autores europeus e nos mostra como a apropriação de textos, temas e autores pelos ideólogos fascistas foi feita a posteriori, de forma parcial e na maioria das vezes inapropriadamente.
Para Paxton, o elemento central da analise dos fascismos seria entender como puderam chegar ao poder. Insiste, de forma correta, nas versões muito comuns na imprensa e entre publicistas desavisados sobre a chegada legal e democrática dos fascismos ao poder. Ao tratar da relação dos partidos e dos movimentos fascistas demonstra, com forte material estatístico, que os fascismos jamais conseguiram a simpatia da metade das populações da Alemanha ou Itália, além de impor guerras e ditaduras para chegar ao poder na Espanha, na Hungria ou na Eslováquia.
O segredo da vitória fascista residiria bem mais no apoio que recebeu das forças tradicionais das sociedades europeias, muito especialmente dos partidos e movimentos conservadores e, mesmo, de liberais. Para explicar tal paradoxo, Paxton busca um criativo conceito de "paixões mobilizadoras" como o clima político, social e mental que permite a ascensão dos fascismos. Para o autor, tais "paixões" implicam no sentimento geral de frustração e perda, no nacionalismo exacerbado e no sentimento de fazer parte de um grupo social vitima de uma injustiça.
Esses são pontos extremamente pertinentes para a discussão dos fascismos, mas também dos sentimentos de perda que embalam vastas camadas sociais na nova ordem mundial.
FONTE: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Resenha: A anatomia do Fascismo. Rio de janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, ano 2, n. 27, 2007.[ISSN 1981-3384]
Nenhum comentário:
Postar um comentário