terça-feira, 30 de outubro de 2012

Fatos e mitos dos governos progressistas no Brasil

Por Plínio de Arruda Sampaio Júnior

A compreensão da realidade brasileira requer o esforço crítico de contrastar a aparência dos fenômenos e a forma como são interpretados pelo senso comum com a sua essência mais profunda, definida pelo sentido das transformações inscritas no movimento histórico. Tal contraste revelará o abismo existente entre o mito de que o Brasil vive um surto de desenvolvimento, liderado por um governo de esquerda que teria criado condições para combinar crescimento, combate às desigualdades sociais e soberania nacional, e a dramática realidade de uma sociedade impotente para enfrentar as forças externas e internas que a submetem aos terríveis efeitos do desenvolvimento desigual e combinado em tempos de crise econômica do sistema capitalista mundial.

A noção de que a economia brasileira vive um momento ímpar de sua história apoia-se em diversos elementos da realidade. Afinal, após duas décadas de estagnação, entre 2003 e 2011, a renda per capita dos brasileiros cresceu à taxa média de 2,8% ao ano. Nesse período, o país manteve a inflação sob controle e, salvo a turbulência do último trimestre de 2008, no ápice da crise internacional, não sofreu nenhuma ameaça de estrangulamento cambial. Desde a segunda metade da primeira década do milênio, o volume de divisas internacionais supera o estoque de dívida externa com os bancos internacionais, configurando uma situação na qual o Brasil aparece como credor internacional, dando a impressão de que, finalmente, os problemas crônicos com as contas externas teriam sido superados. A população sentiu os efeitos da nova conjuntura de maneira bem palpável. Após décadas de demanda reprimida, o aumento da massa salarial e o acesso ao crédito provocaram uma corrida ao consumo. O governo calcula que o número de empregos gerados no período Lula – 2003-2010 – tenha ultrapassado 14 milhões. Associando grandes negócios, crescimento econômico, aumento do emprego e modernização dos padrões de consumo à noção de desenvolvimento, a nova conjuntura é apresentada como demonstração inequívoca de que o Brasil teria, finalmente, criado condições objetivas para um desenvolvimento capitalista autossustentável.

Também a ideia de que o crescimento econômico teria melhorado a desigualdade social encontra certo respaldo nos fatos. Após décadas de absoluto imobilismo, no governo Lula, o índice de Gini, que mede o grau de concentração pessoal de renda, diminuiu um pouco; e a distância entre a renda média dos 10% mais pobres e a dos os 10% mais ricos do país foi reduzida, de 53 vezes em 2002, para 39 vezes em 2010. As autoridades vangloriam-se de que, nesse período, mais de 20 milhões de brasileiros teriam deixado a pobreza. Tais fatos levaram a presidente Dilma a pavonear que o Brasil teria se transformado num país de “classe média”. Além de consequência direta da retomada do crescimento, a melhoria nos indicadores sociais é associada: à política de recuperação em 60% no valor real do salário mínimo entre 2003 e 2010 – tendência que já havia começado no governo conservador de Fernando Henrique Cardoso; à ampliação da cobertura de previdência social para os trabalhadores rurais – conquista da Constituição de 1988; e à política social do governo federal, notadamente a Bolsa Família – programa de transferência de renda para a população carente que, em 2010 atendia cerca de 13 milhões de famílias.

Por fim, o sentimento relativamente generalizado, no Brasil e no exterior, de que o país teria adquirido maior relevância no cenário internacional também se apoia em fatos concretos, tais como: o fracasso da ALCA (em parte devido à resistência do governo brasileiro); o peso do Brasil no Mercosul; o papel moderador da diplomacia brasileira nas escaramuças da América do Sul; a participação do país no restrito grupo do G-20, que reúne as principais economias do mundo a fim de pensar políticas para administrar a crise econômica mundial; a formação do foro que reúne os chamados BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China -, que congrega as maiores economias emergentes, como suposto contraponto ao G-5 – o foro das potências imperialistas. A escolha do Brasil para sede de dois grandes megaeventos – a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 - seria a prova material do grande prestígio do Brasil.

Por mais convincentes que os fatos enunciados pareçam, o método de ressaltar os aspectos positivos e esconder os negativos oferece uma visão parcial e distorcida da realidade. Pinçando arbitrariamente os elementos postos em evidência e ocultando os que não convém colocar à luz, a apologia da ordem distorce a compreensão do verdadeiro significado do padrão de acumulação que impulsiona a economia brasileira, suprimindo as contradições que germinam nas suas entranhas. O mito de que o Brasil estaria vivendo um surto de desenvolvimento que abriria a possibilidade de superação da pobreza e da dependência externa simplesmente ignora a fragilidade das bases que sustentam o ciclo expansivo dos últimos anos e seu efeito perverso de reforçar a dupla articulação responsável pelo caráter selvagem do capitalismo brasileiro: o controle do capital internacional sobre a economia nacional e a segregação social como base da sociedade brasileira. Alguns fatos são suficientes para deixar patente a verdadeira natureza do modelo econômico brasileiro.


O crescimento da economia brasileira entre 2003 e 2011 não foi nada de excepcional – apenas 3,6% ao ano –, bem abaixo do que seria necessário para absorver o aumento vegetativo da força de trabalho – estimado em cerca de 5% ao ano –, pouco acima do crescimento médio da economia latino-americana. A expansão foi determinada pela configuração de uma conjuntura internacional sui generis, que permitiu ao Brasil “surfar” na bolha especulativa gerada pela política de administração da crise dos governos das economias centrais. De fato, o crescimento foi puxado pelo aumento das exportações, impulsionado pela elevação dos preços das commodities, e pela relativa recuperação do mercado interno, o que só foi possível porque a abundância de liquidez internacional criou a possibilidade de uma política econômica um pouco menos restritiva. No entanto, a conjuntura mais favorável não foi aproveitada para uma recuperação dos investimentos – a base do crescimento endógeno. Nesse período, a média da taxa de investimento ficou abaixo de 17% do PIB – pouco acima da verificada nos oito anos do governo anterior e bem abaixo do patamar histórico da economia brasileira entre 1970 e 1990.

A nova rodada de modernização dos padrões de consumo somente alcançou uma restrita parcela da população e, mesmo assim, na sua maioria, com produtos supérfluos de baixíssima qualidade. Não poderia ser diferente, pois, assim como uma pessoa pobre não dispõe de condições materiais para reproduzir o gasto de uma pessoa rica, a diferença de pelo menos cinco vezes na renda per capita brasileira em relação à renda per capita das economias centrais não permite que o estilo de vida das sociedades afluentes seja generalizado para o conjunto da população. Para as camadas populares incorporadas ao mercado consumidor o custo foi altíssimo e será pago com grandes sacrifícios em algum momento no futuro. Não é necessário ser um gênio em matemática financeira para perceber que a corrida das famílias pobres às compras não é sustentável. A cobrança de taxas de juros reais verdadeiramente estratosféricas, em total assimetria com a evolução dos salários reais, implica em verdadeira servidão por dívida, caracterizada pelo crescente peso dos juros e amortizações na renda familiar. O aumento artificial da propensão a consumir das famílias é um problema macroeconômico grave. Quando a “bolha especulativa” estourar, não apenas as pressões recessivas tendem a ser potencializadas, como o crescente endividamento das famílias pobres converter-se-á numa grave crise bancária.


A subordinação do padrão de acumulação à lógica dos negócios do capital internacional tem provocado um processo de especialização regressiva da economia brasileira na divisão internacional do trabalho. A revitalização do agronegócio como força motriz do padrão de acumulação reforça o papel estratégico do latifúndio. A importância crescente do extrativismo mineral, potencializada pela descoberta de petróleo na camada do pré-sal, intensifica a exploração predatória das vantagens competitivas naturais do território brasileiro. Por fim, a falta de competitividade dinâmica (baseada em inovações) para enfrentar as economias desenvolvidas assim como a insuficiente competitividade espúria (baseada em salário baixo) para fazer face às economias asiáticas levam a um processo irreversível de desindustrialização.

A regressão nas forças produtivas vem acompanhada de progressiva perda de autonomia dos centros internos de decisão sobre o processo de acumulação. A exposição do Brasil às operações especulativas do capital internacional tem intensificado a desnacionalização da economia brasileira e aumentado de maneira assustadora a sua vulnerabilidade externa. A trajetória explosiva do passivo externo, composto pela dívida externa com bancos internacionais e pelo estoque de investimentos estrangeiros no Brasil, evidencia a absoluta falta de sustentabilidade de um padrão de financiamento do balanço de pagamentos que, para não entrar em colapso, depende da crescente entrada de capital internacional. A magnitude do problema pode ser aquilatada pela dimensão do passivo externo financeiro líquido – que contempla apenas recursos de estrangeiros de altíssima liquidez prontos para deixar o país, já descontadas as reservas cambiais –, de US$ 542 bilhões no final de 2011. Diante disso, há sempre a ameaça inescapável de que, quando o sentido do fluxo de capitais externos for invertido, tudo o que, hoje, parece sólido, amanhã, se desmanche no ar, fazendo com que, de uma hora para outra, os empregos gerados desapareçam, o número de pobres volte a crescer e o país volte a amargar draconianos programas de ajuste estrutural impostos pelos organismos financeiros internacionais.

O substrato do modelo econômico brasileiro repousa, em última instância, na crescente exploração do trabalho – a verdadeira galinha dos ovos de ouro do capitalismo brasileiro. A gritante discrepância entre os ganhos de produtividade do trabalho e a evolução dos salários põe em evidência que, mesmo numa conjuntura relativamente favorável, o progresso não beneficiou os trabalhadores. Não à toa, a propaganda oficial omite o fato de que, no final do governo Lula, o salário médio dos ocupados permanecia praticamente estagnado no mesmo nível de 1995. A perversidade do padrão de acumulação em curso fica patente quando se leva em consideração a distância de quase quatro vezes entre o salário mínimo efetivamente pago aos trabalhadores e o salário mínimo estipulado pela Constituição brasileira e calculado pelo Dieese.

Posto em perspectiva histórica, os governos progressistas aprofundaram o processo de flexibilização e precarização das relações de trabalho. Nos anos Lula, a jornada média do trabalhador brasileiro foi de 44 horas, elevação de uma hora em relação à média dos oito anos anteriores. A situação mais favorável da economia também não impediu que a rotatividade do trabalho continuasse em elevação, nem significou uma reversão da informalidade em que se encontra praticamente metade dos ocupados. O aumento do emprego também veio acompanhado de um aprofundamento do processo de deterioração da qualidade dos vínculos contratuais dos trabalhadores com as empresas, com a disseminação de formas espúrias de subcontratação. Calcula-se que 1/3 dos empregos gerados no período foram para trabalhadores terceirizados, hoje mais de 10 milhões de postos de trabalho, isto é, quase 1/5 do total dos empregados. Por fim, cabe ressaltar a complacência em relação ao trabalho infantil. No final da primeira década do século XXI, este trabalho continuou vitimando cerca de 1,4 milhão de crianças brasileiras – contingente equivalente à população de Trinidad Tobago.

A visão apologética de que os governos de Lula e Dilma estão empenhados no combate às desigualdades sociais não leva em conta a relação de causalidade – há décadas desvendada pelo pensamento crítico latino-americano – entre: mimetismo dos padrões de consumo das economias centrais, desemprego estrutural e tendência à concentração da renda - fenômenos típicos do capitalismo dependente. Na realidade, as tendências estruturais responsáveis pela perpetuação da pobreza e da desigualdade social não foram alteradas. Mesmo com a expressiva ampliação dos empregos, aproximadamente 40% da força de trabalho brasileira ainda permanece desempregada ou subempregada, isto é, sem renda de trabalho ou com trabalho que remunera menos do que um salário mínimo. Nessas condições, não surpreende que a concentração funcional da renda, que mede a divisão da renda entre salário e lucro, tenha permanecido praticamente inalterada durante o governo Lula num dos piores patamares do mundo. A pequena melhoria na distribuição pessoal da renda (que mede a repartição da massa salarial), apontada como prova cabal do processo de “inclusão” social, na realidade apenas registra uma ligeira diminuição no grau de concentração dos salários, reduzindo a distância entre a renda da mão-de-obra qualificada e da não qualificada. A persistência de um estoque de pobres da ordem de 30 milhões de brasileiros – contingente superior à população do Peru e mais de quatro vezes os habitantes de El Salvador – revela o total disparate de imaginar o Brasil um país de “classe média”, ainda mais quando se leva em consideração que o fim do ciclo expansivo fará a nova “classe média” percorrer o caminho de volta para a pobreza.

A noção de que os governos progressistas representam uma mudança qualitativa nas políticas sociais não coaduna com as prioridades manifestadas na composição dos gastos públicos. Convertidos à filosofia da política compensatória do Banco Mundial, Lula e Dilma passaram a atuar sobre os efeitos dos problemas sociais e não sobre suas causas, contentando-se em minorar o sofrimento do povo, dentro das limitadíssimas possibilidades orçamentárias de uma política macroeconômica pautada pela obsessão em preservar o ajuste fiscal permanente. A evolução na composição do gasto social do governo federal entre 1995 e 2010 comprova que não houve mudanças relevantes na política social de Lula em relação a seu antecessor. Nos principais itens de gastos, como, por exemplo, saúde, educação, a participação relativa dos gastos sociais do governo federal no PIB permaneceu praticamente inalterada. Existem duas exceções. A primeira diz respeito aos gastos com Previdência Social, cujo aumento, como já mencionamos, deve ser atribuído basicamente aos efeitos da Constituição de 1988. A segunda se refere aos programas assistenciais, que receberam um acréscimo de recursos da ordem de 1% do PIB, mais do que o dobro da proporção destinada pelo governo anterior. Mesmo assim, um volume insignificante quando comparado com os recursos transferidos aos credores da dívida pública - menos de 1/3 do superávit primário e menos de 1/6 do total das despesas do setor público com o pagamento de juros (as quais, entre 2003 e 2010, ficaram em torno de 3,24% do PIB ao ano). Na realidade, o que marca a política social da era Lula, como a de FHC e seus antecessores, diga-se de passagem, é o absoluto imobilismo para superar a enorme distância entre os recursos necessários para suprir as carências das políticas sociais e a disponibilidade efetiva de recursos para financiá-los.

Mesmo a política externa, apresentada por alguns como a frente mais ousada da administração petista, mal dissimula a subserviência aos cânones da ordem global e às exigências do império norte-americano. Na busca desesperada por novos mercados e por capitais estrangeiros, a Presidência da República foi instrumentalizada para vender o Brasil como se fosse commoditiespelo mundo afora. Também foi fartamente utilizada, principalmente na América Latina e na África, como representante especial de grandes grupos empresariais, basicamente empreiteiras e bancos, em busca de novos mercados nas franjas periféricas do sistema capitalista mundial. O discreto e vacilante apoio a Hugo Chávez, a maior aproximação com Cuba, os flertes com o mundo árabe e a busca de uma relação econômica mais intensa com a Índia, a Rússia e a China respondem a interesses comerciais bem concretos e não devem gerar qualquer tipo de ilusão em relação à articulação de alternativas que signifiquem um desafio à ordem global. Nos fóruns internacionais, Lula e Dilma transformaram-se em verdadeiros paladinos do liberalismo. Suas intervenções se restringem a cobrar coerência neoliberal dos governos dos países ricos – felizmente, sem nenhuma consequência prática. Nos bastidores, a diplomacia brasileira transige em seus princípios em troca de um eventual assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O caso mais vergonhoso foi o envio de tropas ao Haiti para cumprir o patético papel de gendarme do intervencionismo norte-americano, protegendo um governo ilegítimo, corrupto e violento.

Até no plano ideológico os governos Lula e Dilma permaneceram perfeitamente enquadrados no ideário do neoliberalismo. A cartilha neoliberal ganhou nova credibilidade no discurso e na prática de lideranças que tinham um passado vinculado às lutas sociais, reforçando ainda mais os valores e o padrão de sociabilidade neoliberal. Ao tomar como um fato consumado as exigências da ordem, as lideranças políticas que deveriam iniciar um processo de transformação social acabaram colaborando para reforçar a alienação do povo em relação à natureza de seus problemas – a dependência externa e a desigualdade social –, bem como às reais alternativas para a sua solução – a luta pela transformação social. Não é de estranhar o refluxo do movimento de massas e o processo de desorganização e fragmentação que atingiu, sem exceção, todas as organizações populares.

Vistas em perspectiva histórica, as semelhanças entre os governos progressistas e conservadores são muito maiores do que as diferenças. Dilma, Lula, FHC, Itamar Franco e Collor de Mello fazem parte da mesma família – o neoliberalismo -, cada um responsável por um determinado momento do ajuste do Brasil aos imperativos da ordem global. Numa sociedade sujeita a um processo de reversão neocolonial, a distância entre a esquerda e a direita da ordem é pequena porque o raio de manobra da burguesia é ínfimo. O grau de liberdade se reduz, basicamente, às seguintes opções: maior ou menor crescimento, num padrão de acumulação que não dá margem para a expansão sustentável do mercado interno; maior ou menor concentração de renda, dentro dos limites de uma sociedade marcada pela segregação social; maior ou menor participação do Estado na economia, dentro de um esquema que impede qualquer possibilidade de políticas públicas universais; maior ou menor dependência externa, dentro de um tipo de inserção na economia mundial que coloca o país a reboque do capital internacional; e, como consequência, maior ou menor repressão às lutas sociais, dentro de um regime de “democracia restrita”, sob controle absoluto de uma plutocracia que não tolera a emergência do povo como sujeito histórico - seja pelo recurso ao esmagamento, que caracteriza os governos à direita da ordem; seja pelo recurso à cooptação, como fazem os governos que se posicionam à esquerda da ordem.

Em suma, a modesta prosperidade material dos últimos anos, que levou uma parcela da população brasileira a ter acesso aos bens de consumo conspícuo de última geração, é efêmera e nociva. A euforia que alimenta a ilusão de um neodesenvolvimentismo brasileiro é insustentável. Ao solapar as bases materiais, sociais, políticas e culturais do Estado nacional, “progressistas” e “conservadores” são responsáveis, cada um à sua maneira, pelo processo de reversão neocolonial que compromete irremediavelmente a capacidade de a sociedade brasileira enfrentar suas mazelas históricas e controlar seu destino, de modo a definir o sentido, o ritmo e a intensidade do desenvolvimento em função das necessidades do povo e das possibilidades de sua economia.

Plínio de Arruda Sampaio Júnior é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP e membro do conselho editorial do jornal eletrônico Correio da Cidadania – www.correiocidadania.com.br 



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Felinos do faraó deixaram descendentes



Primeira análise de DNA de múmias de gatos mostra que animais modernos têm linhagens de seus ancestrais
Diversidade genética sugere que povo do Egito antigo foi o primeiro a produzir raças domésticas de gatos
Creative Commons
Uma das representações egípcias da deusa-felina Bastet
Uma das representações egípcias da deusa-felina Bastet


REINALDO JOSÉ LOPES

EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
As dinastias faraônicas que governaram o Egito por milhares de anos acabaram se extinguindo, mas o mesmo não se pode dizer de um personagem quase tão aristocrático do país do Nilo: o gato sagrado.
Ocorre que os felinos mumificados do Egito antigo deixaram descendentes na população moderna de bichanos do país, revela a primeira análise de DNA feita com múmias de gatos.
O estudo descrevendo a descoberta está na edição deste mês da revista especializada "Journal of Archaeological Science" e foi coordenado por Leslie Lyons, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia em Davis.
Essa não é nem de longe a única incursão de Lyons no mundo felino. Ela participou da equipe responsável por clonar um gato doméstico pela primeira vez, em 2002.
MODELOS
Em conversa telefônica com a Folha, a pesquisadora explicou que ela e seus colegas se interessam por múltiplos aspectos da genética felina, em parte porque os bichos podem funcionar como bons modelos para doenças humanas, segundo Lyons.
No entanto, para mapear com precisão a história populacional e a variação genética dos bichanos é interessante entender como essa diversidade surgiu.
"No caso do Egito e do Oriente Médio como um todo, por exemplo, será que a diversidade atual é representativa da que existia há milhares de anos? Imaginávamos que isso era possível, mas migrações humanas poderiam muito bem ter trazido populações de outros locais."
Foi para tentar testar isso que ela e seus colegas se puseram a estudar múmias de gatos, que foram produzidas literalmente aos milhões a partir do chamado Período Tardio egípcio (entre os anos 664 a.C. e 322 a.C.).
A prática atingiu seu apogeu, contudo, nos séculos seguintes, quando o Egito foi dominado pelos macedônios e pelos romanos. "A casta sacerdotal egípcia perdeu poder e riqueza. Passou a usar a 'produção' de múmias felinas como uma espécie de indústria", explica Lyons.
Os antigos egípcios, no culto à Bastet ou Bast, sua deusa com cabeça de gato, ofereciam as pequenas múmias felinas como um presente à divindade.
MITOCÔNDRIA
O processo de mumificação dos gatos, embora preservasse a estrutura do corpo, acabou dificultando a vida de Lyons e seus colegas, porque atrapalhou a preservação do DNA. Os pesquisadores só conseguiram extrair material genético de três múmias felinas, a partir de ossos das patas e da mandíbula.
Esse DNA veio das mitocôndrias, as usinas de energia das células. Além de ser mais fácil de obter por estar presente em muitas cópias na célula, ele é útil para estudos genealógicos porque ajuda a traçar a linhagem materna (é transmitido apenas de mãe para filha ou filho).
A análise dessas sequências genéticas não deixou dúvidas: os gatos do Egito moderno ainda carregam linhagens de DNA mitocondrial presentes em seus ancestrais que viveram há 2.000 anos.
Mais importante ainda, para Lyons, a diversidade genética encontrada nos gatos egípcios antigos e modernos sugere que o povo dos faraós foi o primeiro a produzir raças domésticas de gatos.
Segundo ela, no entanto, é difícil dizer se eles foram os pioneiros na domesticação da espécie. "Nesse ponto, é difícil separar a diversidade do Oriente Médio como um todo da do Egito", afirma.

FONTE: Folha de São Paulo, 29 de outubro de 2012.

domingo, 28 de outubro de 2012

Olívio Dutra: “o PT está virando um partido de barganha como todos os outros”


Se a direção nacional e gaúcha do PT tem uma avaliação de que as eleições municipais de 2012 foram apenas positivas pelo aumento do número de prefeituras em relação ao último pleito, um quadro de força política relevante do partido discorda. O ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra disse em entrevista ao Sul21 que o processo eleitoral deve servir como lição sobre os rumos da identidade do PT.
“O PT tem mais se modificado do que modificado a sociedade. Este é um grande problema nosso. Estamos ficando iguais aos partidos tradicionais. Nós não nascemos para nos confirmarmos na institucionalidade e viver da barganha política”, critica. Para Olívio, a sigla que nasceu da luta dos trabalhadores e acumula tradição em formação política e diálogo com os movimentos sociais está se afastando de sua origem. “Não podemos ser o partido da conciliação de interesses. Temos que ser o partido da transformação social. Evidente que não sozinho, mas com alguns em que possamos apresentar projetos de campos populares democráticos”, diz.
A política de colaboração de classes adotada pela direção do Partido dos Trabalhadores a partir da eleição do Lula, em 2002, conduz o PT, na visão de Olívio Dutra ao distanciamento dos ideias petistas que constituíram o partido. “A esquerda do PT, PSTU e PCO devem ao país. Temos que nos unir e não ficar disputando dentro do próprio PT. As correntes internas que antes discutiam ideias agora discutem como se fortalecer e buscar cargos e eleições de seus quadros. Isso é preocupante”, afirma.
Ainda que as considerações do ex-ministro de Lula apontem para um cenário crítico internamente, ele acredita que o PT ainda tem raízes de sustentação que o permitem fazer uma boa reflexão sobre esta transformação política. “Aprendemos mais com as vitórias do que as derrotas. Representamos uma enorme transformação para o povo brasileiro, mas há que se perguntar se conseguimos mudar substancialmente as estruturas do estado que promovem as desigualdades e injustiças no nosso país. Elas estão intactas, apesar de termos tido a oportunidade de estar no governo. O PT tem que ser parte de uma luta social e cultural agora, e não se dispor a ficar na luta por espaços e no afastamento dos movimentos sociais”, salienta.
FONTE: Sul21

Formação e consolidação do pensamento marxista no Brasil



O blog MARXISMO21 vem divulgando uma série de matérias sobre os trabalhos de relevantes autores do pensamento marxista brasileiro. 
  • Astrojildo Pereira
  • Nelson Werneck Sodré
  • Caio Prado Júnior

CLIQUE SOBRE O TÍTULO REFERENTE A CADA AUTOR PARA ACESSAR SEUS TEXTOS E OS DE PESQUISADORES QUE DISCUTEM ASPECTOS DAS OBRAS DESSES MARXISTAS.

Astrojildo Pereira: as origens do marxismo no Brasil                                       

A seção sobre os autores relevantes do pensamento marxista brasileiro é inaugurada com um texto de Astrojildo Pereira, um dos fundadores do marxismo no Brasil. É a publicação de um valioso e lúcido texto – praticamente desconhecido pelos pesquisadores – do marxista brasileiro. Trata-se de A Revolução russa, breve artigo editado no número 1 da revista O Debate (12 de julho de 1917), pouco menos de três meses da Revolução de Outubro.

Sobre este lúcido e premonitório texto, segue um breve artigo de José Luiz Del Roio. Por sua vez, o significado da obra teórica e a trajetória política de Astrojildo Pereira são examinados em textos de quatro pesquisadores brasileiros: Augusto Buonicore, Marcos Del Roio,  Martin Cezar Feijó e Santiane Arias.  



Nelson Werneck Sodré: um marxista engajado                                  


Nesta seção sobre a produção intelectual e política de NELSON WERNECK SODRÉ divulga-se Quem é povo no Brasil?, um pequeno livro que, de forma exemplar, revela bem o compromisso político-ideológico do historiador na luta por mudanças sociais e pelo aprofundamento da democracia política brasileira no pré-1964. A seguir publica-se um texto – especialmente elaborado para o blog – de um competente estudioso sobre a extensa e diversificada obra do autor, Paulo Ribeiro da Cunha. Outras matérias (artigos, trabalhos acadêmicos de pesquisadores brasileiros e vídeos) sobre os trabalhos do pensador marxista são aqui editadas.


Caio Prado Júnior: teoria e militância política                                  




O blog está disponibilizando o primeiro capítulo de A revolução brasileira, livro que, no final da década de 1960 e nos anos 1970, provocou intensos debates no interior das esquerdas brasileiras. Sofia Manzano, do comitê editorial, escreveu, especialmente para esta seção, um breve artigo sobre o significado teórico e político do livro; outro pesquisador, Luiz Bernardo Pericás, é autor de um texto bio-bibliográfico sobre Caio Prado Jr. A seguir, divulga-se documentos, artigos e trabalhos acadêmicos sobre aspectos da obra do historiador marxista brasileiro.



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

“Impressionismo: Paris e a modernidade. Obras Primas do Acervo do Museu d’Orsay de Paris”

Pela primeira vez, o Museu d’Orsay, um dos mais visitados do mundo e detentor da maior coleção impressionista, traz ao Rio de Janeiro obras seletas de artistas impressionistas.

A mostra traz ao Brasil 85 peças do acervo do Museu d’Orsay – um dos mais visitados do mundo e detentor da maior coleção de pinturas impressionistas. 

A exposição apresenta um panorama detalhado da pintura impressionista e pós-impressionista e reúne obras de Renoir, Monet, Gauguin e Cézanne, entre outros. 

Ocupando integralmente o primeiro andar do CCBB, a exposição é dividida em seis módulos, sendo três deles dedicados à vida na metrópole: “Paris: a cidade moderna”, “A vida urbana e seus autores” e “Paris é uma festa” apresentam o dia a dia marcado pela construção de grandes boulevards, mercados, jardins públicos, cafés, óperas e bailes. São as vistas do rio Sena e da catedral de Notre-Dame de Paris retratadas por Pisarro e Gauguin; as cenas burguesas de Renoir; o cotidiano mundano das prostitutas em quadros como Femme au boa noir, de Toulouse-Lautrec; e as bailarinas de Degas e as plateias dos cabarés e teatros representadas em La troisième galerie au théâtre du Chatelet, de Félix Vallotton.
Os outros três módulos – “Fugir da cidade”, “Convite à viagem” e “A vida silenciosa” – mostram trabalhos de artistas que escaparam do ritmo acelerado de Paris para uma vida calma e reservada. Entre os artistas que buscaram a tranquilidade do campo como forma de inspiração estão Claude Monet, que se mudou para Argenteul, no interior da França, e depois para Giverny; e Van Gogh, que decidiu seguir para Arles, a fim de formar uma colônia de artistas, entre outros.
O segundo andar do CCBB dá espaço à cronologia do impressionismo, consulta bibliográfica e às atividades do CCBB Educativo. Uma mostra de cinema impressionista também faz parte da programação.
A mostra tem curadoria de Caroline Mathieu, conservadora-chefe do Museu d’Orsay, Guy Cogeval, presidente do Mu­seu d’Orsay, e Pablo Jiménez Burillo, diretor geral do Instituto de Cultura da Fundación MAPFRE.
Veja, abaixo, algumas indicações da mostra:
  • Divulgação
    "Retrato de Fernand Halphen" ("Portrait de Fernand Halphen", 1880), de Auguste Renoir
PIERRE-AUGUSTE RENOIR
Portrait de Fernand Halphen (Retrato de Fernand Halphen), 1880
Pintor de figuras, Renoir sempre praticou o retrato por encomenda, e seu primeiro sucesso de público se deveu a um ambicioso retrato de família, Portrait de Mme Charpentier et de ses enfants [Retrato da sra. Charpentier e seus filhos] (Nova York, The Metropolitan Museum). A deliberada ousadia da paleta de cores, a simplicidade da modelagem, a insistência nos contornos indicam que Renoir estava em um momento decisivo de sua evolução, encaminhando-se para as formas tensas, desenhadas, de coloridos ácidos de seu período “ingresco”.
  • Divulgação
    "Jovens meninas ao piano" ("Jeunes filles au piano", 1892), de Pierre-Auguste Renoir
Jeunes filles au piano (Moças ao piano), 1892
Primeira tela encomendada a Renoir pelo Estado. Ilustra um mundo ideal, povoado de jovens graciosas, com a evocação de um ambiente burguês elegante e discreto. O desenho firme e leve define claramente as figuras, dando livre curso ao lirismo da paleta de cores.
BERTHE MORISOT
  • Divulgação
    "O Berço" ("Le berceau", 1872), de Berthe Morisot
Le berceau (O berço), 1872
A cena representa a irmã da pintora, velando o sono da filha. Aluna e amiga muito próxima e fiel de Manet, Berthe Morisot casou-se com o irmão caçula deste, Eugène. Manet gostava de representá-la em múltiplas situações. Enquadramento audacioso, sentimento de ternura e de proteção, habilidade técnica, linhas e cores que suavizam uma composição em elementos verticais e horizontais são sinais de um forte equilíbrio artístico e fazem deste quadro uma das obras-primas da pintura impressionista.
  • Divulgação
    "A estação Saint-Lazare" ("La gare Saint-Lazare", 1877), de Claude Monet
CLAUDE MONET
La gare Saint Lazare (A estação Saint-Lazare), 1877
A potência e a magia do mundo industrial estavam, para muitos artistas, ligadas à estação Saint-Lazare, junto à Pont de l'Europe, à qual Monet dedicou sete telas, dirigindo sua atenção ao caráter aéreo de seu vigamento e, sobretudo, à beleza ainda nova das locomotivas, afogadas, perdidas nos turbilhões de fumaça branca e azul.
  • Divulgação
    "O lago das ninfas, harmonia verde" ("Le bassin aux nymphéas, harmonie verte", 1899), de Claude Monet
 Le bassin aux nymphéas, harmonie verte (O lago das ninfeias, harmonia verde), 1899
Vivendo em Giverny em 1833, Monet desenhou seu jardim, não hesitando em desviar o braço de um riacho para fazer o famoso lago das ninfeias. Suas últimas obras foram inteiramente dedicadas às “paisagens de água e de reflexos” de suas ninfeias; nelas observa-se muito claramente a ponte japonesa, como nesta versão, e chega-se à evocação de um mundo flutuante, que invade as telas com sua presença luxuriante e colorida.

Serviço
"Impressionismo: Paris e a Modernidade, Obras Primas do Acervo do Museu d’Orsay de Paris, França"
Quando: 23 de outubro a 13 de janeiro de 2013, terça a domingo, 9h às 21h
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – (21) 3808-2020
Quanto: Entrada franca

A luta do povo Guarani Kaiowá


Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.

Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.





Ser de esquerda e políticas de alianças


Por Atilio Boron

O que significa ser de esquerda na América Latina atual? Essa pergunta na verdade está aberta a múltiplas e contraditórias respostas. Para mim, o assunto é claro: ser de esquerda significa, mais que nada, adotar uma postura teórica e prática intransigentemente crítica do capitalismo e a favor de uma sociedade pós-capitalista, denominada socialista ou de transição, que esteja direcionada para a construção de uma sociedade não capitalista. E aqui notamos um problema grave: são poucos os partidos, mesmo aqueles ditos de esquerda – para não falar daqueles inscritos na camaleônica “centro-esquerda” –, que assumem claramente essa postura. E, por outra parte, entre aqueles que reivindicam tal postura, pouquíssimos detêm certa ressonância nas massas, uma base social que os transforme numa alternativa real de poder. Este é o grande problema. Muitas vezes, aquilo que na América Latina se apresenta por “esquerda” não passa de uma variante desbotada, descafeinada da “centro-esquerda”, que sob nenhuma hipótese pode ser confundida com uma esquerda genuína. Exemplos: Lula, Lagos, Bachelet, Tabaré Vázquez, Kirchner e tantos outros que nem remotamente reúnem as condições para serem considerados como políticos ou governantes de esquerda. Podem ter uma trajetória (como Lula) desvirtuada pelo presente ou uma retórica desvirtuada pelos fatos, como Kirchner, mas nada além disso. Enfim, como considerar de esquerda os governos da Concertación chilena, impassíveis diante do escandaloso aumento da desigualdade social naquele país?


Isso nos coloca diante de um conjunto de problemas, entre eles o seguinte: os partidos da esquerda “dura”, em geral bastante dogmáticos e sectários, fazem parte de um setor minoritário das nossas sociedades. O avanço da esquerda, portanto, requer necessariamente uma política de alianças, o que gera entre as forças políticas uma série de intermináveis debates muitas vezes paralisantes.


Por que uma política de alianças? Em primeiro lugar, porque uma minoria irrelevante simplesmente não consegue mudar o mundo. É preciso conquistar uma maioria social para então poder se lançar, responsavelmente, à tomada do poder. Entretanto, o que mais se escuta dentro dos partidos de esquerda é algo como: “Não, nós não nos aliamos com ninguém, mantemos a autonomia total do nosso partido.” Temos assim uma força de esquerda muito coerente, muito consistente, o que é de fato respeitável e válido, mas deveríamos nos perguntar sobre a possibilidade concreta, e não apenas imaginária, de uma força como esta fazer com que o processo histórico avance a partir da exaltação da própria pureza doutrinária, quando na verdade tal coisa se faz à custa de uma prática eficaz. Penso que é extremamente importante articular uma adequada política de alianças que não dilua o horizonte de esquerda, mas que também permita reunir alguma capacidade para incidir na conjuntura mediante uma renovada e ampliada habilidade de mobilizar o apoio de crescentes setores das classes subalternas. Do contrário, existe o risco de se ter uma esquerda “talmúdica”, muito rigorosa e ortodoxa em sua interpretação do dogma, mas que termina se convertendo numa espécie de seita meramente testemunhal e privada de toda potencialidade transformadora. Rosa Luxemburgo percebeu muito bem a gravidade dessa atuação de uma esquerda que não quer, ou melhor, que renuncia a mudar o mundo e que se ilude ao pensar que o salvará através do seu virginal testemunho.


É evidente que uma esquerda somente testemunhal não contribui para a causa da emancipação social dos nossos povos. Por outro lado, também não é de nenhuma ajuda uma esquerda oportunista, que se alia com qualquer grupo político e que aberta ou veladamente desiste de suas bandeiras de luta e desfigura sua própria identidade. O tema das alianças, portanto, não é simples. Mas a história demonstra que as forças de esquerda que conseguiram engendrar grandes transformações em suas sociedades – penso aqui nas experiências da Revolução Russa, da Revolução Chinesa, da Revolução Vietnamita e da Revolução Cubana – sempre o fizeram a partir da construção de uma sucessão de alianças que foram ampliando progressivamente sua gravitação social, política e ideológica. Eram forças que tinham claríssima consciência sobre quais eram seus objetivos finais e seus princípios irrenunciáveis, que nunca deveriam ser sacrificados com vistas a ocasionais vantagens proporcionadas por alguma possível aliança. O caso do Movimiento 26 de Julio, tal como Fidel Castro expôs em diversas ocasiões, é ilustrativo em relação a essa capacidade de unificar diferentes forças sociais a partir de uma direção estratégica, que paulatinamente impôs sua hegemonia e levou o conjunto das forças aliadas para a esquerda e para a luta pelo socialismo. Os ensinamentos da Revolução Russa, ou da Chinesa ou mesmo da Vietnamita, confirmam nosso argumento. O partido bolchevique não chega ao poder graças a algum tipo de ilustre solidão derivada de uma pureza doutrinária, mas sim pelo ajustamento e flexibilidade da política de alianças promovida por Lenin, em muitos casos contra a direção do partido. E o mesmo poderia ser dito sobre outras experiências revolucionárias.


O problema é que, na América Latina, muitas vezes as alianças acabaram diluindo os partidos de esquerda. Como construir atualmente uma alternativa de esquerda que não fique limitada ao plano doutrinário ou retórico e demonstre eficácia na esfera das políticas concretas? O que um partido de esquerda deve propor hoje em nossos países? Obviamente, não existe uma resposta única para essas questões. A Colômbia tem suas prioridades, entre elas uma é fundamental: a pacificação. Disso emana um certo tipo de alianças. Em outros países, a crise econômica é o problema mais urgente, o que dá lugar a outras possíveis coalizões, aglutinando forças opostas às políticas neoliberais. Conforme apontamos anteriormente, o que deve caracterizar um partido de esquerda é seu propósito de abolir o capitalismo. Nesse sentido, é preciso analisar e distinguir os passos concretos e imediatos, as alianças táticas e as alianças estratégicas para alcançar esse objetivo. Tais coalizões ou alianças constituem o centro da política, ainda que comumente seja este o ponto onde naufragam as melhores intenções. A revolução não é um ato único, pelo contrário, é a consumação final de uma série de iniciativas, que devem começar no aqui e agora da conjuntura. Um partido de esquerda deve saber que o combate ao capitalismo começa muito antes da revolução, e essa convicção deve ser o guia para a elaboração de uma política de alianças com forças afins, junto às quais poderá marchar até certo ponto, quando então deverá forjar novas alianças com outros sujeitos sociais dispostos a tomar as mesmas bandeiras e seguir a marcha. Apenas excepcionalmente é possível encontrar alianças políticas que perduraram ao longo de todo o caminho que vai da ascensão da luta de massas à consumação da revolução.


FONTE: BORON, Atilio. Aristóteles em Macondo: reflexões sobre poder, democracia e revolução na América Latina. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2011, p. 101-105.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Site do Instituto Luiz Carlos Prestes ultrapassa a marca de 300.000 acessos

Você está convidado para conhecer o site do INSTITUTO LUIZ CARLOS PRESTES (ILCP). Trata-se de um espaço para a preservação e a difusão da memória histórica desse grande brasileiro – patriota,revolucionário e comunista, figura emblemática da história do Brasil e também da história mundial.



"O legado de Luiz Carlos Prestes, uma vez apropriado pelas novas gerações, representa uma ameaça para as classes dominantes. Eis a razão por que a História Oficial e os meios de comunicação se esforçam por manter silêncio a respeito dele, ou, quando compelidos a lembrá-lo, tratam de distorcer suas ideias e de caluniar sua atuação." 
(PRESTES, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (1958-1990). São Paulo: Expressão Popular, 2012, p. 327)


Os desafios para a esquerda na América Latina

Entrevista de Anita Prestes no jornal Brasil de Fato (edição de 18 a 24 de outubro de 2012)


Anita Prestes destacou que transformações profundas na sociedade brasileira só serão possíveis por meio da organização dos setores populares. "Dessa organização popular surgirão lideranças que deverão construir um ou mais partidos que liderem esse processo".

CLIQUE NO LINK ABAIXO PARA LER NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DA HISTORIADORA ANITA PRESTES.




Venezuela: vitória eleitoral, perspectivas revolucionárias



A Casa da América Latina

Convida

Palestra:
 Venezuela:  Vitória Eleitoral
                      Perspectivas Revolucionárias

 
Palestrante:
Edgar Alberto M.González
Consul Geral da Venezuela no  Rio de Janeiro
Dia: 24 de outubro de 2012 (quarta-feira)
Horário: 18:30
Local: Rua Pedro Lessa, 55 (auditório)- Sindicato dos Professores –SINPRO-Rio
(Estação Metrô Cinelândia)
Aguardamos sua presença.

 FONTE: http://www.casadaamericalatina.org.br/


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Mais uma vez, a mídia golpista espalha boato sobre a morte de Fidel: um dia ela acerta!


"Fidel Castro está agonizando"

Por Fidel Castro

Tradução: Blog Solidários.
Bastou apenas uma mensagem para os formandos do primeiro curso do Instituto de Ciências Médicas "Victoria de Girón", para que o galinheiro da propaganda imperialista se apavorasse e as agências de notícias se lançassem vorazes atrás de mentiras. Não só isso, em seus despachos, deram ao paciente os mais insólitos absurdos.
O Jornal espanhol ABC da Espanha, informou que um médico venezuelano que vive não se sabe onde, revelou que Castro havia sofrido um derrame na artéria cerebral direita "posso dizer que não vamos vê-lo novamente em público". O suposto médico, que se o fosse abandonaria primeiro seus próprios compatriotas, qualificou o estado de saúde de Fidel Castro como "muito perto do estado neurovegetativo".
Apesar de muitas pessoas no mundo serem enganadas pelos meios de comunicação - quase todos nas mãos dos privilegiados e ricos, que publicam esta porcaria - os povos acreditam cada vez menos neles. Ninguém gosta de ser enganado, mesmo o mais incorrigível mentiroso, todos esperam a verdade. Todos acreditaram, em abril de 1961, nas notícias publicadas pelas agências de notícias que davam conta que os invasores mercenários em Giron ou Baía dos Porcos, como quiserem chamar, estavam vindo para Havana, quando, na verdade, alguns deles tentaram, sem sucesso, chegar em barcos escoltados por navios de guerra ianques.
Os povos aprendem e a resistência cresce frente às crises do capitalismo que se repetem com freqüência crescente; nenhuma mentira, repressão ou novas armas podem evitar o colapso do sistema de produção cada vez mais desigual e injusto.
Alguns dias atrás, muito perto do 50º aniversário da "Crise de Outubro", as agências apontaram três culpados: Kennedy, um recém-chegado à chefatura do império, kruschev e Castro. Cuba não teve nada a ver com armas nucleares, nem a morte desnecessária de Hiroshima e Nagasaki, perpetrado pelo presidente dos EUA, Harry S. Truman, estabelecendo a tirania das armas nucleares. Cuba defendia seu direito à independência e justiça social.
Quando aceitamos a ajuda soviética de armas, alimentos, petróleo e outros recursos, foram para nos defender dos planos de invasão dos ianques, de uma guerra suja e sangrenta, que esse país capitalista nos impunha desde os primeiros meses e que custou a vida de milhares de vidas e mutilados cubanos.
Quando kruschev nos propôs instalar projeteis de médio alcance voltados contra os Estados Unidos, tal qual estes tinham voltados contra a URSS na Turquia - ainda mais próximos que Cuba dos EUA -  como uma necessidade de solidariedade, Cuba não hesitou em aderir a tal risco. Nossa conduta era eticamente irrepreensível. Nunca pedimos desculpas por nada que fizemos. A verdade é que meio século se passou, e ainda estamos aqui com a cabeça erguida.
Eu gosto de escrever e eu escrevo, eu gosto de estudar e estudo. Há muitas tarefas na área do conhecimento. Nunca as ciências, por exemplo, avançaram tão rapidamente.
Parei de publicar as Reflexões porque certamente não é o meu papel ocupar as páginas da nossa imprensa, dedicada a outras tarefas exigidas por nosso país.
Aves de mau agouro! Não me lembro sequer do que seja uma dor de cabeça. Como evidências de como vocês são mentirosos, apresento as fotos que acompanham este artigo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A Islândia mostrou o caminho: recusar a austeridade


– Recusou receituário do FMI, deixou bancos falirem e condenou responsáveis pela crise
– Por que pouco se fala da Islândia nos media portugueses que se auto-proclamam como "referência"?

por Salim Lamrani [*]


Quando, em Setembro de 2008, a crise econômica e financeira atingiu a Islândia – pequena ilha no Atlântico com 320 mil habitantes –, o impacto foi desastroso, tal como no resto do continente. A especulação financeira levou à falência os três principais bancos, cujo total de ativos era dez vezes superior ao PIB do país. A uma perda líquida foi de 85 bilhões de dólares. A taxa de desemprego aumentou nove vezes entre 2008 e 2010, ao passo que antes o país gozava de pleno emprego.

A dívida da Islândia representava 900% do PIB e a moeda nacional desvalorizou-se 80% em relação ao euro. O país caiu numa profunda recessão, com uma diminuição do PIB de 11% em dois anos. [1]

Diante da crise 

Em 2009, quando o governo pretendeu aplicar as medidas de austeridade exigidas pelo FMI em troca de uma ajuda financeira de 2,1 bilhões de euros, uma forte mobilização popular o obrigou a renunciar. Nas eleições antecipadas, a esquerda ganhou a maioria absoluta no Parlamento. [2]

No entanto, o novo poder adotou a lei Icesave – cujo nome provém do banco online que foi à bancarrota e cujos depositantes eram, na maioria, holandeses e britânicos – destinada a reembolsar os clientes estrangeiros. Essa legislação obrigava os islandeses a reembolsarem uma dívida de 3,5  bilhões de euros (40% de seu PIB) – nove mil euros por habitante – ao longo de quinze anos e com uma taxa de juros de 5%. Diante dos novos protestos populares, o presidente recusou-se a promulgar a lei aprovada pelo parlamento e submeteu-a a um referendo. Em Março de 2010, 93% dos islandeses recusaram a lei do reembolso das perdas do Icesave. Quando submetida novamente a referendo, em Abril de 2011, 63% dos cidadãos voltaram a rejeitá-la. [3]

Uma nova Constituição, redigida por uma Assembleia Constituinte de 25 cidadãos eleitos por sufrágio universal entre 522 candidatos, composta por nove capítulos e 114 artigos, foi adotada em 2011. Ela prevê o direito à informação, com acesso público aos documentos oficiais (Artigo 15), a criação de uma Comissão de Controle da Responsabilidade do Governo (Artigo 63), o direito à consulta direta (Artigo 65) – 10% dos eleitores podem pedir um referendo sobre as leis votadas pelo Parlamento –, assim como a nomeação do primeiro-ministro pelo Parlamento. [4]

Assim, ao contrário das outras nações da União Europeia na mesma situação, que aplicaram ao pé da letra as instruções do FMI exigindo medidas de austeridade severas, como na Grécia, Irlanda, Itália ou Espanha, a Islândia escolheu uma via alternativa. Quando, em 2008, os três principais bancos do país – Glitnir, Landsbankinn e Kaupthing – desmoronaram, o Estado islandês recusou-se a neles injetar fundos públicos, tal como havia feito o resto da Europa. Em vez disso, efetuou sua nacionalização.

Do mesmo modo, os bancos privados tiveram que cancelar todos os créditos hipotecários com taxas variáveis que superassem 110% do valor dos bens imobiliários, o que evitou uma crise de subprime como nos Estados Unidos. Por outro lado, a Corte Suprema declarou ilegais todos os empréstimos indexados a divisas estrangeiras que haviam sido concedidos a particulares, obrigando assim os bancos a renunciarem a seus créditos em benefício da população. [5]

Quanto aos responsáveis pelo desastre – os banqueiros especuladores que provocaram o desmoronamento do sistema financeiro islandês –, não foram beneficiados com a mansidão verificada no resto da Europa, onde foram sistematicamente absolvidos. Com efeito, Olafur Thor Hauksson, Procurador Especial nomeado pelo Parlamento, processou-os e prendeu-os, inclusive ao ex-primeiro-ministro Geir Haarde. [6]

Uma alternativa à austeridade 

Os resultados da política econômica e social islandesa têm sido espetaculares. Enquanto a União Europeia se encontra em plena recessão, a Islândia apresentou uma taxa de crescimento de 2,1% em 2011 e prevê uma taxa de 2,7% para 2012, além de uma taxa de desemprego de 6%. [7] O país até se deu ao luxo de realizar o reembolso antecipado de suas dívidas ao FMI. [8]

O presidente islandês Olafur Grímsson explicou este milagre econômico: "A diferença é que, na Islândia, deixamos os bancos quebrarem. Eram instituições privadas. Não injetamos dinheiro para salvá-las. O Estado não tem porque assumir essa responsabilidade". [9]

Agindo contra seus próprios prognósticos, o FMI saudou a política do governo islandês – o qual aplicou medidas totalmente contrárias àquelas que o Fundo preconiza –, que permitiu preservar "o precioso modelo nórdico de proteção social". De fato, a Islândia dispõe de um índice de desenvolvimento humano elevado. "O FMI declara que o plano de resgate ao modo islandês oferece lições nos tempos de crise". A instituição acrescenta que "o fato de que a Islândia tenha conseguido preservar o bem-estar social das unidades familiares e conseguir uma consolidação fiscal de grande envergadura é uma das maiores conquistas do programa e do governo islandês".

No entanto, o FMI omitiu a informação de que tais resultados só foram possíveis porque a Islândia recusou sua terapia de choque neoliberal e elaborou um programa de estímulo econômico alternativo e eficaz. [10]

O caso da Islândia demonstra que existe uma alternativa crível às políticas de austeridade que são impostas na Europa. Estas, além de serem economicamente ineficazes, são politicamente custosas e socialmente insustentáveis. Ao colocar o interesse geral acima do interesse dos mercados, a Islândia mostrou ao resto do continente o caminho para escapar do beco sem saída. 

11/Outubro/2012

Referências bibliográficas 
(1) Paul M. Poulsen, ''Como a Islândia, uma vez à beira do precipício, se restabeleceu'', Fundo Monetário Internacional, 26/Outubro/2011.http://www.imf.org/external/french/np/blog/2011/102611f.htm (site acessado em 11/Setembro/2012). 
(2) Marie-Joëlle Gros, ''Islândia: a retomada de uma dívida suja'', Libération, 15/Abril/2012. 
(3) Comissão de cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, "Quando a Islândia reinventa a democracia", 4/Dezembro/2010. 
(4) Constituição da Islândia, 29/Junho/2011. http://stjornlagarad.is/other_files/stjornlagarad/Frumvarp-enska.pdf (site acessado em 11/Setembro/2012). 
(5) Marie-Joëlle Gros, "Islândia: a retomada de uma dívida suja", op. cit. 
(6) Caroline Bruneau, "Crise islandesa: o ex-primeiro-ministro não está aprovado", 13/Maio/2012. 
(7) Ambrose Evans-Pritchard, "A Islândia ganhou no fim", The Daily Telegraph, 28/Novembro/2011. 
(8) Le Figaro, "A Islândia já reembolsou o FMI", 16/Março/2012. 
(9) Ambrose Evans-Pritchard, "Islândia oferece uma tentação arriscada à Irlanda terminada a recessão", The Daily Telegraph, 8/Dezembro/2010. 
(10) Omar R. Valdimarsson, "FMI diz que resgate ao estilo da Islândia traz lições em tempos de crise", Business Week, 13/Agosto/2012. 

[*] Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée, jornalista especializado nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Ed. Estrella, 2011.   Contacto:Salim.Lamrani@univ-mlv.fr.   Página no Facebook: 

O original encontra-se em Opera Mundi 


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