domingo, 19 de agosto de 2012

O compromisso social e político do Historiador/Professor de História


Por Anita Prestes


A seguir reprodução de trechos do discurso proferido pela historiadora Anita Prestes na ocasião da formatura da turma de 2001 do então Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ).

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O professor de História – mais do que qualquer outro, justamente porque conhece a História – deve mostrar aos seus alunos que os problemas hoje enfrentados pela humanidade (fome, miséria, desemprego, falta de perspectiva, etc.) não serão resolvidos através da aplicação das tão decantadas políticas neoliberais, como a própria prática o está mostrando seja no Brasil, seja na Argentina, seja em outros continentes. Ao contrário, estamos presenciando a agravação das condições de vida de contingentes cada vez mais numerosos de homens e mulheres, de crianças, jovens e idosos no mundo todo.
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Vivemos na atualidade uma situação em que, de um lado, o colapso do socialismo no Leste Europeu e, de outro, a hegemonia mundial norte-americana, com a pretensão de impor a todos os povos as políticas neoliberais, parecem indicar não existir para a humanidade a possibilidade de um futuro melhor, livre de guerras, de terrorismo, de miséria, de fome e de desemprego. Estaríamos, segundo algumas previsões conhecidas, vivenciando o “fim da história”.

Entretanto, há, nos dias atuais, quem pense de outra maneira, quem considere que é possível mobilizar-se para agir, influindo nos acontecimentos seja em nosso país seja na arena mundial. [...]

Como historiadores que somos, não devemos estar ausentes desse movimento de reação, de caráter internacional, que se opõe às políticas impositivas dos grandes grupos econômicos e financeiros que hoje dominam o mundo, levando milhões e milhões de pessoas a sobreviverem em condições cada vez mais precárias, enfrentando todo tipo de carências e dificuldades, que os aproximam crescentemente de um estágio próximo à barbárie, em contraste gritante com o progresso científico e tecnológico do mundo atual.

Como professores de História, temos o dever de contribuir para a formação de homens e mulheres participantes e conscientes, capazes de saberem reagir criticamente às pressões das ideologias consumistas que lhes são impostas pelos meios de comunicação a serviço dos grupos dominantes. O professor de História deverá incutir nos jovens a compreensão de que a mentalidade consumista constitui uma fuga dos problemas reais enfrentados pelo povo do seu país e pela humanidade, ou seja, pela maioria das pessoas que nos cercam.

O professor de História não pode limitar-se a “ensinar” História, pois a História é uma disciplina de caráter social. Não existe uma História neutra, mesmo quando alguns pensam que conseguem manter uma aparente neutralidade e imparcialidade. Aqueles professores que se omitem diante da História, na prática estão assumindo uma postura de aceitação acrítica da História Oficial, sempre fabricada, com maior ou menor sofisticação, pelos donos do poder.

Como professores de História, não podemos deixar de contribuir para que os jovens venham a compreender as grandes linhas do desenvolvimento das sociedades humanas e, para tal, considero indispensável a adoção de uma concepção teórica de caráter global que nos permita alcançar o entendimento do funcionamento dessas sociedades. Como ressalta E. Hobsbawm, se o historiador “tenta responder de algum modo a qualquer das questões realmente significativas sobre as transformações históricas da sociedade, ele também deve ter subjacente um modelo teórico de sociedades e de transformações” (Mundos do Trabalho, p. 35).

Mas o esforço para que os jovens adquiram uma melhor compreensão do mundo em que vivemos não será efetivo se não estiver presente, conjugada com uma visão teórica da dinâmica das sociedades humanas, a preocupação com o papel transformador do homem. Quando estudamos ou pesquisamos os acontecimentos históricos, não o fazemos por diletantismo. Buscamos o conhecimento e a compreensão do passado e do presente para poder, de alguma maneira, agir sobre esse presente, transformando-o ou, parafraseando a conhecida escritora chilena Marta Harnecker, procurando “tornar possível o impossível” (Tornar possível o impossível).

Em outras palavras, como professores de História, devemos incutir em nossos alunos a rejeição de qualquer postura contemplativa diante da História, incentivando-os a encontrar os caminhos que lhes permitam contribuir para o aperfeiçoamento das sociedades em que vivem, na busca da construção de um mundo melhor, em que estejam presentes os grandes valores humanísticos de justiça social, democracia, igualdade e liberdade.

Como historiadores, não podemos ficar indiferentes às versões da História que, como é destacado pelo historiador espanhol Josep Fontana, são sempre produzidas com “uma função social – geralmente a de legitimar a ordem estabelecida –”, ainda que tenham tendido a mascarar a História, “apresentando-se com a aparência de uma narração objetiva de acontecimentos concretos” (História: análise do passado e projeto social, p. 15). Ou, como escreve E. Hobsbawm, ao abordar a questão do nacionalismo: “O passado legitima. O passado fornece um pano de fundo glorioso de um presente que não tem muito o que comemorar” (Sobre a História, p. 17).


FONTE: Historiando. Informativo mensal do Centro Acadêmico Manoel Maurício de Albuquerque (CAMMA) – História, UFRJ, fevereiro-março/2002. Suplemento Especial.


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