sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Em Rio das Ostras é assim: se não der para escamotear os problemas da escola, jogue a culpa no professor

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro

Primeiramente, quero registrar meu total apoio e solidariedade com a professora envolvida no lamentável espetáculo patrocinado pela mídia, que ganhou repercussão nacional. Tenho a oportunidade de conviver com a referida professora ao longo dos oito anos em que exerço o magistério em Rio das Ostras. Posso afirmar que ela sempre procurou exercer o seu ofício com dignidade apesar das adversidades que nós professores estamos submetidos. Como, por exemplo, a baixa remuneração, que impõe a necessidade de jornadas de trabalho exaustivas e improdutivas, no intuito de se alcançar uma renda minimamente digna e, consequentemente, conduz a uma queda significativa na qualidade do trabalho educativo destes profissionais. Sem contar a perda de prestígio social da carreira de educador - talvez, por isso, muitos professores em cargos comissionados achem humilhante retornar para a sala de aula, que consideram um castigo, estar no próprio inferno. Dessa forma, fora de sala de aula fica muitíssimo fácil julgar o trabalho de quem está vivendo no "inferno".

O que se assiste neste vídeo http://in360.globo.com/rj/noticias.php?id=28217 é a promoção do linchamento público e de um julgamento sumário de um professor. Por quê? Infelizmente as pessoas, em sua esmagadora maioria, não procuram assumir uma postura crítica, para além das aparências, frente ao que ouvem ou vêem, simplesmente reproduzem o senso comum, como papagaio de pirata. Qual seja: a culpa de todos os problemas da educação é creditada aos professores. Ora, em nenhum momento se ouviu o outro lado, no caso o da professora. Esta suposta briga ocorreu a cerca de três semanas. E somente agora o vídeo foi postado na internet, gerando grande rebuliço na cidade de Rio das Ostras. 

Hoje, 31/08/2012, estive com a referida professora para transmitir o apoio e a solidariedade de diversos colegas de trabalho da rede municipal de ensino desta cidade, em especial os professores do Colégio Municipal Professora América Abdalla e da Escola Municipal Padre José Dilson Dórea. Ouvindo a versão da professora e de outras pessoas que testemunharam os acontecimentos, segue um relato do que de fato ocorreu. Ao final da aula, enquanto a professora fazia a chamada, os dois alunos começaram a se agredir. Infelizmente o vídeo não mostra a professora pedindo o auxílio da agente escolar (inspetora do corretor), que ao separar a briga levou um soco no braço esquerdo. Os alunos foram encaminhados à direção. Aliás, os alunos sairam de sala como se nada tivesse acontecido. Porém a diretora não estava na escola (parece que foi fazer a revisão do carro), assim nenhuma providência pôde ser tomada por parte da direção da unidade escolar e o assunto morreu. Os alunos retornaram para a aula do professor seguinte. Quando a diretora retornou, foi comunicada pela agente escolar do ocorrido. A diretora perguntou se já estava tudo bem e o assunto morreu. Não se tinha conhecimento que um aluno da turma filmou a tal briga. Nesta última terça-feira (28/8), começou a repercussão do vídeo postado na internet, que ganhou visibilidade na mídia, em especial nos programas jornalísticos da Rede Globo de Televisão. 


A partir daí, surgiram as versões apresentadas na reportagem: que a briga se deu por causa de um lápis (o que não é verdade); que a professora foi negligente; os depoimentos dos alunos sobre a conduta da professora (nenhum deles pertencem a turma em que ocorreu a briga); a diretora afirma ser um caso isolado, o que não é verdade (lecionei por oito anos seguidos no Colégio Municipal Professora América Abdalla, até o último dia 26 de abril); é explícita a tentativa da dirigente da unidade escolar em transferir para a professora a responsabilidade pelo ocorrido e assim tentando escamotear a constante violência presente nas escolas, em especial neste Colégio, pela falta de se garantir um mínimo de respaldo à autoridade dos professores.


Com o espetáculo promovido pela mídia, a direção do Colégio Abdalla apresentou uma série de medidas que seriam desenvolvidas, como consta em reportagem no jornal RJNEWS (31 de agosto a 06 de setembro). É impressionante como os alunos são bem assistidos - não pude evitar o sarcasmo.


O poder público propagandeia muito suas iniciativas e investimentos em educação, mas quase nada acontece efetivamente. É incapaz de se dirigir às causas que afligem a educação mas permanece aprisionado no círculo vicioso dos efeitos condenados. Os interesses pessoais daqueles "educadores" em cargos comissionados prevalecem sobre a demanda de se construir uma escola pública, gratuita, verdadeiramente democrática, laica, universal e de qualidade. Não surpreende, portanto, a recorrente tentativa de crucificar os professores para redimir a educação de seus pecados. É mais fácil culpá-los do que colocar o dedo na ferida dos reais problemas da educação. 

Vejam a fala da secretária de Educação de Rio das Ostras, ao tentar encontrar uma explicação para a queda do Ideb do município:



 "As aulas precisam ser motivadoras, depende muito da atuação do professor. Sabemos que as escolas estão equipadas para isso" (jornal RJNEWS, 24/8 a 30/8/2012)
Mais uma vez a culpa é do professor. Não sei se é pra rir ou pra chorar. Nas duas escolas onde trabalho não tem caneta de quadro branco para o professor. Sabe de quem é a culpa??? Do professor. Por quê??? Ele não tem o compromisso suficiente para tirar do próprio bolso e adquirir uma caneta. Esta é a lógica da Secretaria de Educação: se não der para escamotear os problemas das escolas, jogue a culpa no professor.


Parabéns aos professores do Colégio Municipal Professora América Abdalla, que se posicionaram de maneira firme e enérgica em defesa da professora envolvida no lamentável espetáculo midiático. Tenho orgulho de ter pertencido a esse corpo docente. Como também estou orgulhoso de compor a equipe combativa de professores da Escola Municipal Padre José Dilson Dórea, que não vacilou em declarar imediatamente apoio à professora e aos companheiros do Abdalla nesta luta incessante em defesa da dignidade da categoria.




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