Por Vladimir Safatle
No último domingo, esta Folha publicou reportagem a respeito do número
de mortos resultantes de ações da luta armada contra a ditadura militar ("Para
militares, Estado combatia o terrorismo", "Poder", 27/5).
A reportagem em questão tem sua importância por trazer mais informações que
permitem aos leitores tirar suas conclusões a respeito daquele momento sombrio
da história brasileira. No entanto ela peca por aquilo que não diz.
Baseando-se nos números de um site de militares defensores da ditadura, o
texto lembra como membros da luta armada mataram, além de militares, "bancários,
motoristas de táxis, donas de casa e empresários". Não é difícil perceber o
esforço do jornalista em induzir a indignação a respeito de tais ações contra
"vítimas particularmente vulneráveis", como sentinelas "parados à frente dos
quartéis".
Em uma reportagem como essa, seria importante lembrar que os membros da luta
armada que se envolveram em tais mortes foram julgados, condenados e punidos.
Eles nunca foram objeto de anistia.
A Lei da Anistia não cobria tais crimes. Por isso eles ficaram na cadeia
depois de 1979, sendo posteriormente agraciados com redução de pena. Sem essa
informação, dá-se a impressão de que o destino desses indivíduos foi o mesmo do
dos torturadores.
Segundo, seria bom lembrar que "terrorismo" significa "atos indiscriminados
de violência contra populações civis". Nesse sentido, as ações descritas da luta
armada não podem ser compreendidas como "terrorismo", já que a própria
reportagem reconhece que as vítimas civis não eram os alvos.
Mesmo a ação no aeroporto de Guararapes não era terrorismo, mas um
"tiranicídio", que, infelizmente, errou de alvo. Vale aqui lembrar que, no
interior da tradição liberal (sim, da tradição liberal), um "tiranicídio" é algo
completamente legítimo, a não ser que queimemos o "Segundo Tratado sobre o
Governo", do "terrorista" John Locke.
Quando a Comissão da Verdade foi instalada, era de esperar lermos reportagens
sobre as empresas que financiaram aparatos de tortura e crimes contra a
humanidade, os centros de assassinatos ligados às Forças Armadas, entrevistas
com os jovens que organizam atualmente atos de repúdio contra torturadores,
crianças que foram sequestradas de pais guerrilheiros assassinados.
No entanto há uma certa propensão para darmos voz a torturadores que se
autovangloriam como "defensores da pátria contra a ameaça comunista" e "fatos"
que comprovam a teoria dos dois demônios, onde os crimes da ditadura se anulam
quando comparados aos crimes da luta armada.
FONTE: Folha de São Paulo, 29 de maio de 2012.
Mas estamos caminhando. O processo histórico pode parecer lento, mas é sábio. Lentamente os desmandos do autoritarismo vão sendo desvelados. E todos poderão refletir e fazer autocrítica, quando apoiaram a violência contra os que resistiram à violência da ditadura.
ResponderExcluirE la nave vá...