Por Frei Betto
Convocar quem promoveu o resgate da democracia seria como imputar à
Resistência Francesa crimes contra a ocupação nazista de Paris
A Comissão da Verdade, nomeada pela presidente Dilma, corre o risco de se
transformar em Comissão da Vaidade, caso seus integrantes façam dela alavanca de
vaidades pessoais.
No dia seguinte às nomeações, ainda antes da posse, opiniões díspares dos
membros da comissão quanto a seu objetivo precípuo surgiram na mídia.
O ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, se enquadra nos
critérios definidos pela lei que criou a comissão?
Nos termos de seu artigo 2º, §1, inciso II, "Não poderão participar da
Comissão Nacional da Verdade aqueles que (...) não tenham condições de atuar com
imparcialidade no exercício das competências da Comissão".
Ao atuar como perito do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos
Humanos, Dipp se posicionou contra familiares dos guerrilheiros do Araguaia,
cujos corpos encontram-se desaparecidos. Agirá agora com imparcialidade?
O papel dos sete nomeados é investigar graves violações de direitos humanos
ocorridas entre 1946 e 1988. O foco principal é, em nome do Estado, abraçarem a
postura épica e ética de Antígona e dar sepultura digna aos mortos e
desaparecidos sob a ditadura militar (1964-1985).
A comissão atuará sob a obscura luz da injusta Lei da Anistia, promulgada em
1979 e referendada pelo STF em 2010. Essa lei nivela torturadores e torturados,
assassinos e assassinados. Ora, como anistiar quem jamais sofreu julgamento,
sentença e punição?
Não houve "dois lados". Houve o golpe de Estado perpetrado por militares e a
derrubada de um governo constitucional e democraticamente eleito.
A ditadura implantada cassou e caçou partidos e políticos, e criou um
aparelho repressivo ("o monstro", segundo o general Golbery) que instalou
centros de torturas mantido com recursos públicos e privados.
O aparelho repressivo, em nome da "segurança nacional", prendeu, seviciou,
assassinou, exilou, baniu e fez desaparecer os que ousaram combater a ditadura e
também inúmeras pessoas que jamais se envolveram com a resistência organizada,
como o ex-deputado Rubens Paiva, o jornalista Vladimir Herzog e o padre Antônio
Henrique Pereira Neto.
Cabe à comissão elucidar a morte das vítimas da ditadura, o que ocorreu aos
desaparecidos e quem são os responsáveis por tais atrocidades. Militares cumprem
ordens superiores. É preciso apurar quem determinou a prática de torturas, a
eliminação sumária de militantes políticos e o ocultamento de seus corpos.
A comissão deverá, enfim, abrir os arquivos das Forças Armadas, ouvir algozes
e seus superiores hierárquicos, ouvir vítimas e parentes dos desaparecidos e
esclarecer episódios emblemáticos jamais devidamente investigados, como o
atentado ao Riocentro, em 1981, preparado para ceifar a vida de milhares de
pessoas.
Defender o conceito acaciano de "crimes conexos" e convocar como suspeitos
aqueles a quem o Brasil deve, hoje, o resgate da democracia e do Estado de
Direito, equivaleria a imputar à Resistência Francesa crimes contra a ocupação
nazista de Paris ou convocar os judeus como réus no Tribunal de Nuremberg.
Os integrantes da Comissão da Verdade sabem muito bem que legalidade e
justiça não são sinônimos. E tenham presente a afirmação de Cervantes: "A
verdade alivia mais do que machuca. E estará sempre acima de qualquer falsidade,
como o óleo sobre a água".
"Quem provoveu o resgate da Democracia"(???!!!)
ResponderExcluirA quem estará se referindo, afinal, o Frei Betto? Aos ex-militantes da Ação Popular, por exemplo que defendia com todos os "pingos nos i's" a substituição da "ditadura da burguesia pela ditadura do proletariado"? Ou os do PCBR, que tinha por meta instalar um governo popular "e não a chamada redemocratização"? Ou os do pouco ativos(ainda bem)do PRT, que dentre outras pérolas de totalitarismo, defendia "o desenvolvimento, consolidação e vitória do exército popular, dirigido por seu partido,a sustentação e o exercício de sua ditadura"?
Não, na minha modesta opinião é um descalabroso exercício de condescendência comparar a Resistência Francesa com os movimentos de guerrilha brasileiros dos anos 60 e 70. Primeiramente porque o movimento europeu da época da 2ª Guerra não tinha por objetivo a instauração de nenhum sistema totaliário, fosse de qualquer natureza. Em 2º plano, a ditadura militar brasileira, por condenável e inadmissível que fosse, não tinha por objetivo o extermínio sistemático de determinados segmentos da população civil. Ainda assim, por mais abjeto que tenha sido o golpe e a permanência de um regime totalitário de direita no nosso país por 20 anos, crimes cruéis são crimes cruéis (indistintamente do lado que o cometeu...sim, porque eu acredito em dois lados - não mais em esquerda e direita hoje, mas em regime ditatorial estabelecido e guerrilheiros socialistas, entre os anos 60 e 80). Sou inclusive da opinião - divergente da do Frei Betto - que se a Resistência Francesa, por exemplo, há matado, na sua luta por liberdade, cidadãos indefesos (ainda que involuntariamente) em suas ações, ou liquidado mesmo inimigos com requintes de crueldade, estes crimes deveriam ser sim investigados, trazidos à baila, iluminados - assim como os daqui no Brasil, sejam os cometidos pelos militares, sejam os cometidos pelos guerrilheiros.