Por que viver mata
POR SUZANA HERCULANO-HOUZEL
Envelhecer ainda é inevitável -e eu, francamente, espero que continue sendo, mas isso é outra história. A de hoje é sobre a razão do envelhecimento e o porquê da sua inevitabilidade.
É simples, é bonito e é paradoxal. Para a biologia atual, o que nos leva à morte é exatamente o que nos mantém vivos: o metabolismo à base do oxigênio que nossas células respiram.
O mesmo Lavoisier que descobriu que o oxigênio é fundamental para a matéria entrar em combustão e pegar fogo também observou que a respiração deve ser o mesmo processo, só que muuuito mais lento. A combustão é a reação química na qual moléculas orgânicas à base de carbono doam muito rapidamente seus elétrons ao oxigênio, liberando grandes quantidades de energia de uma vez só -daí o calor e as chamas que acompanham o processo. Liberada tão rapidamente, essa energia não pode ser aproveitada ou transformada em nada útil.
No corpo, ao contrário, a respiração celular desdobra o processo de combustão em uma série controlada de etapas intermediárias, o que ao mesmo tempo impede que o corpo se consuma de uma vez só em labaredas e permite que a energia liberada no processo seja transferida para outras moléculas, que servem como carreadores de energia. Aos poucos, assim, a energia liberada pela oxidação da glicose e de outros nutrientes sustenta o funcionamento das células.
Você "respira" usando seus músculos para forçar oxigênio para dentro, para que suas células respirem usando esse oxigênio para queimar moléculas e colher a energia liberada. O problema é que mesmo parcial, lenta e controlada, a combustão dos nutrientes dentro das suas células sempre gera moléculas altamente reativas e, portanto, tóxicas: são os radicais livres.
Ao reagir com o que estiver perto, os radicais, produzidos o tempo todo pela respiração que nos mantém vivos, aos poucos danificam a estrutura e o DNA das células, quebram o colágeno, enrijecem as artérias.
Com o tempo, os resultados acumulados desses danos se mostram em nosso rosto -até que chegue a falência completa do corpo, danificado demais.
O que nos envelhece e inexoravelmente leva à morte é o próprio oxigênio que nos mantém respirando: ao mesmo tempo fundamental à vida, mas às custas de nos levar à morte. A vida é, portanto, necessariamente autocontrolada. Para morrer basta estar vivo, de fato.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (Sextante) e do blog http://www.suzanaherculanohouzel.com/
FONTE: Folha de São Paulo, 8 de novembro de 2011.
Bom dia
ResponderExcluirSempre admirei os artigos dessa grande neurocientista! Ainda, baseada nesse artigo, devo acrescentar que o envelhecimento acontece desde o momento em que nascemos! Portanto, a cada dia vivido, caminhamos inexoravelmente à ele, à vida e à morte.