quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A hora dos calhordas





Por Kenneth Maxwell


Discorrendo sobre suas experiências durante a histeria anticomunista do começo dos anos 50 nos EUA, a escritora Lillian Hellman descreveu o período como "a hora dos calhordas". A definição se aplica com igual precisão à atmosfera do Reino Unido no período, quando Alan Turing, um dos mais brilhantes cientistas do século 20, matou-se em 1954, aos 41 anos.



Turing era homossexual. Foi condenado sob a Criminal Amendment Act, uma lei de 1885 que permitia processos contra homens envolvidos em atos homossexuais realizados em espaços públicos ou privados. Foi essa a lei sob a qual Oscar Wilde foi condenado em 1895. Em 1952, 1,6 mil homens foram acusados de crimes sob essa legislação homófoba.



Alan Turing, professor na Universidade de Manchester, foi prestar queixa à polícia sobre o roubo do relógio. Admitiu aos policiais que tinha relacionamentos homossexuais. Foi-lhe oferecida uma escolha entre prisão ou castração química. Escolheu a segunda.



Em 2009, o então primeiro-ministro Gordon Brown apresentou desculpas públicas pelo tratamento do governo britânico a Turing. "Lamentamos muito", disse Brown. "Você merecia muito mais."



De fato, merecia. Em função da lei dos segredos oficiais, Turing não teve reconhecimento público por sua contribuição fundamental à vitória aliada na Segunda Guerra Mundial.



Ele liderava uma equipe em Bletchley Park, o sigiloso centro britânico de decodificação, e criou a máquina eletromecânica usada para determinar a posição dos rotores dos codificadores mecânicos alemães conhecidos como Enigma. Isso permitia que os britânicos lessem os códigos alemães.



Mas a elite britânica abandonou Turing quando ele foi acusado de "obscenidade grave". O matemático recebia injeções semanais do hormônio feminino estrógeno, para suprimir seus desejos homossexuais, e isso causou definhamento de seus testículos e o surgimento de seios. Ironicamente, essas grotescas injeções ocorreram menos de dez anos depois da queda do regime nazista, sob o qual médicos conduziam experiências de utilidade igualmente dúbia contra vítimas indefesas.



Turing foi um estudante excêntrico em Cambridge e Princeton. Em 1946, desenvolveu a ideia de um sistema automatizado de computação, o primeiro projeto de um computador moderno. Em 1952, publicou um estudo sobre a morfogênese, processo biológico que determina a distribuição espacial de células durante o desenvolvimento embriônico de um organismo, trabalho essencial para a descoberta do DNA. Ele foi um dos pensadores mais originais do século 20.



Mas sua história também revela as consequências trágicas do preconceito cego.

 
FONTE: Folha de São Paulo, 24 de novembro de 2011.
 

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