Por Carlos Zacarias de Sena Júnior*
O mais recente escândalo envolvendo o governo da presidente Dilma Rousseff tem aspectos importantes que talvez não sejam percebidos pela maioria dos brasileiros. Em que pese o fato de que as provas contra o ministro dos Esportes Orlando Silva ainda não tenham aparecido, são poucos os que estão dispostos a por a mão no fogo pelo ministro, ainda mais depois que um vereador do PP de Taubaté (SP) veio a público agradecer a vida de príncipe que os brasileiros lhes proporcionaram. E se um vereador vive como um príncipe num país que ainda luta para erradicar a pobreza e a miséria, o que dizer de um ministro de Estado?
A questão, contudo, é muito mais séria e mexe com conteúdos simbólicos muito importantes, tanto pelo fato de que grandes eventos esportivos serão sediados no Brasil movimentando uma gigantesca soma de recursos, quanto pelo fato de que a pasta dos esportes é controlada pelo PC do B, um partido que tem na sua história a Guerrilha do Araguaia e que luta pelo legado do PCB, fundado em 1922, e que teve em suas fileiras Astrojildo Pereira, Luiz Carlos Prestes, Carlos Marighella e tantos outros heróis da esquerda do país. O problema é justamente este, pois o PC do B mudou de lado e parece não ter entendido que atravessou o Rubicão.
A história está cheia de exemplos de partidos, dirigentes e personagens que deixaram para trás a luta em função de causas que, para dizer o mínimo, são bastante menos nobres. O caso do líder fascista Mussollini, que foi diretor do Avanti, jornal do Partido Socialista Italiano é, talvez, o mais notório. O PSI foi o partido de Antonio Gramsci até que este saiu para fundar o Partido Comunista em 1921, junto com outros importantes personagens. Mas Mussollini é um caso extremo que não reflete situações mais parecidas com a do PC do B que podem ser encontradas na própria América Latina, inclusive no interior do governo Dilma.
A propósito, foi justamente Gramsci quem refletiu sobre uma situação em que há mudança de lugar na luta de classes. Ao se referir ao transformismo nas páginas magistrais do caderno carcerário 19, o marxista sardo analisa o período do Risorgimento (unificação italiana), quando o Partido da Ação de Giusepe Mazzini passou de armas e bagagens para o campo dos moderados vindo a compor com a velha aristocracia da península. Sobre o assunto, cito Gramsci: “O chamado ‘transformismo’ é tão-somente a expressão parlamentar do fato de que o Partido da Ação é incorporado molecularmente pelos moderados e as massas populares são decapitadas, não absorvidas no âmbito do novo Estado”. A lição de Gramsci serve menos ao PC do B do que para aqueles que honestamente buscam entender o que se passa, afinal de contas, as cabeças rifadas são justamente as dos trabalhadores que depositaram suas esperanças na mudança.
* Doutor em História. Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
FONTE: e-mail do autor enviado à historiadora Anita Prestes, em 22/10/2011. Nele, o autor diz o seguinte: "Cara Anita, sua carta me motivou a enviar um pequeno artigo para o jornal A Tarde, de Salvador, que aproveito para socializar com os demais membros dessa lista. Abraços, Zacarias.
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