No texto abaixo, Walnice Nogueira Galvão comenta a obra do cineasta Ken Loach analisando algumas de suas obras recentes.
Ken Loach, cineasta de esquerda
Por Walnice Nogueira Galvão
Route Irish (2010)
É claro que a invasão do Iraque não escaparia a este cineasta engajado. Mas a perspectiva que adota tampouco é a mais usual: ele prefere concentrar-se nos mercenários das forças de segurança terceirizadas, estimados em número equivalente ao exército oficial, e a quem foram atribuídas muitas atrocidades. Esta guerra privada e paga pelas multinacionais saiu do controle e causou incontáveis danos. O título do filme se refere à estrada, objeto de disputa bélica e sob constantes ataques, que vai do aeroporto a Bagdá. Um mercenário, inconformado com a morte suspeita de um amigo a quem convencera a aceitar esse emprego, inicia uma investigação, trazendo à luz os interesses econômicos escusos determinantes da guerra.
Ventos da Liberdade (The Wind that Shakes the Barley)(2006)
Embora o painel épico não seja a nota dominante em sua obra, Ken Loach filmou dois, sobre duas guerras civis. Em Terra e Liberdade (Land and Freedom) (1995) foi a vez da espanholae, mais recentemente, este, que focalizou a tremenda conflagração que manteve a Irlanda em chamas durante mais de um século, quando o Norte lutava contra a dominação inglesa. O filme procura explicar o itinerário divergente de dois irmãos que, em meio à confusão da guerra, acabam por escolher lados opostos e se tornam inimigos. Ken Loach conquistou muitos prêmios, inclusive o de Cannes, com outro filme que abordava a guerra civil irlandesa, embora mais convencional como thriller: Agenda Secreta (Hidden Agenda), de 1990.
Riff-Raff(1991)
Retrata a perseguição ao proletariado encetada por Margareth Thatcher. Ao sair da prisão, o protagonista vai trabalhar em construção, no norte de Londres. Ganha pouco, não pode pagar aluguel, vai morar num squat. Mostra o cotidiano e os problemas do grupo de operários nessa obra de trabalho precário. Explorados, sem direitos mínimos, os trabalhadores submetem-se porque precisam comer. A namorada que arranja tem a ilusão de tornar-se cantora. Assinala a descoberta de um dos maiores atores britânicos, o escocês Robert Carlyle, que ganharia fama e prêmios a partir daí, mas voltaria em muitos outros filmes deste diretor. Já It`s a free world (2007) trata da exploração do trabalho ilegal dos migrantes. O filme mostra, através de uma moça que se torna empresária deles, a dureza de suas condições de vida. Uma crítica à globalização, tão elogiada pelo neoliberalismo por trazer a liberdade (donde o título irônico do filme), e que na realidade traz maior sujeição da mão-de-obra, tornando-a objeto de uma escravidão moderna.
Pão e Rosas(Bread and Roses) (2000)
Excepcionalmente, Ken Loach - que resistiu a Hollywood de todas as maneiras, não só não indo trabalhar lá como todos fazem mas nunca “hollywoodizando” seus filmes – fez um filme situado nos Estados Unidos, sobre uma greve de faxineiros em Los Angeles. Vemos vários níveis de sujeição, inclusive a sexual, que este diretor sempre analisa em seus filmes. Os imigrantes ilegais oriundos do México são obrigados a aceitar condições degradantes. Um organizador sindicalista, vivido por Adrian Brody (que despontou nesse filme, e, excelente ator, acabaria por ganhar o Oscar em O Pianista, de Roman Polanski), se encarrega de orientar os grevistas. O título é importante: nem só de pão vive o homem.
A Fond Kiss(2004)
Uma versão moderna e interétnica de Romeu e Julieta: o malsinado romance entre um rapaz de família muçulmana oriunda do Pendjab, na Índia, e uma moça loura e católica, em Glasgow, trazendo conflitos para as famílias envolvidas, com ramificações no ambiente de trabalho e na sociabilidade. O filme recebeu muitos prêmios internacionais.Em Ladybird, Ladybird (1994), uma mulher quer ser mãe a todo custo, mas o serviço assistencial retira sistematicamente seus filhos, porque ela não tem emprego fixo nem é casada. A atenção às mulheres, típica deste diretor, transparece no cuidado com que trata este delicado e enredado problema.
A Parte dos Anjos (The Angels´ Share) (2012)
Um dos maiores diretores do mundo, jamais agraciado com o Oscar, concentra sua atenção (rara) no mundo do trabalho e dos pobres em geral, com empatia mas sem sentimentalismo nem pieguice. Sua mão se nota na delicadeza com que trata “los de abajo”, sua esfera de atuação estética predileta. Numa divertidíssima comédia cheia de quiproquós e guinadas inesperadas, põe em cena um grupo de amadores, meio marginais mas muito simpáticos, que planejam um grande roubo. Mas roubo do que, se são irlandeses? De uísque, é claro. Imaginem as dificuldades de surrupiar um enorme barril de uísque - objeto difícil de manejar, de transportar e de esconder - e de disfarçar o roubo. Prêmio em Cannes.
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