Foi lançado na Feira do Livro de Frankfurt o livro com a correspondência entre Olga Benario, prisioneira nos campos de concentração nazistas, e Luiz Carlos Prestes, preso no Brasil durante a ditadura do Estado Novo. A edição alemã é baseada no livro Anos Tormentosos - Luiz Carlos Prestes. Correspondência da Prisão, composto de 3 volumes, com apresentação, seleção e notas de Anita Prestes e Lygia Prestes.
Die Unbeugsamen. Briefwechsel aus Gefängnis und KZ von Olga Benario und Luiz Carlos Prestes
Übersetzung: Graca, Niki . Herausgegeben und Kommentar von Cohen, Robert .
Im
Zentrum der sehr persönlichen Briefe der sich liebenden
Widerstandskämpfer steht das in Haft geborene und dann weggenommene
gemeinsame Kind. Die deutsche Jüdin und Komintern-Agentin Olga
Benario wurde Ende 1936, nachdem sie in Brasilien an einem misslungenen
Aufstand beteiligt gewesen war, hochschwanger an Nazideutschland
ausgeliefert. In Gestapo-Haft in Berlin gebar sie kurz darauf ihre
Tochter Anita, die ein Jahr bei ihr in der Zelle lebte, bevor sie in die
Obhut der brasilianischen Großmutter gegeben wurde. Olga Benario
gehörte später zu den ersten weiblichen Häftlingen im KZ Lichtenburg und
in Ravensbrück. 1942 wurde sie in der NS-Tötungsanstalt Bernburg
ermordet.Ihr Lebenspartner und der Vater ihres Kindes, der
brasilianische Offizier Luiz Carlos Prestes, verbrachte die Jahre 1936
bis 1945 in Rio de Janeiro in Isolationshaft. Er war Anführer des
Aufstandes gegen die Regierung Vargas und seit Mitte der 1920er Jahre
als "Ritter der Hoffnung" bekannt. Der Briefwechsel der beiden
Gefangenen konnte unter den größten Schwierigkeiten der Distanz, der
Sprache und der Zensur selbst noch während Olga Benarios Inhaftierung im
Frauenkonzentrationslager Ravensbrück aufrechterhalten werden. Im
Zentrum der Briefe steht das Schicksal des kleinen Mädchens. Anita
Prestes lebt heute als Historikerin in Brasilien.
Anos Tormentosos
Luiz Carlos Prestes
Correspondência
da prisão
(1936-1945)
Anita Leocadia Prestes
e Lygia Prestes (org.)
3 volumes
Editora Paz e Terra
São Paulo
2002
Luiz Carlos Prestes
Correspondência
da prisão
(1936-1945)
Anita Leocadia Prestes
e Lygia Prestes (org.)
3 volumes
Editora Paz e Terra
São Paulo
2002
Para adquirir a edição brasileira acesse o site da Livraria Consequência:
www.livrariaconsequencia.com.br
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Prestes: as cartas do cárcere
Resenha de Luiz Werneck Vianna
Luiz Carlos Prestes. Anos tormentosos. Correspondência da prisão (1936-1945). Anita Leocádia Prestes e Lygia Prestes (Orgs.). 3 v. São Paulo: Paz e Terra. 2002. 685p.
O inferno existe e há
muitas descrições dele nos mitos, nas fabulações da literatura e na vida
real, que, também aí, por vezes, se esmera em copiar a arte. Ao
mergulhar nas páginas das cartas do cárcere — ativas e passivas — de
Luis Carlos Prestes com seus familiares, sua mulher Olga, seu advogado,
companheiros e amigos, o leitor pode se preparar para uma descida ao
reino das sombras e se comover com os padecimentos de uma família
brasileira — gaúchos um tanto nostálgicos de sua cultura e natureza
regionais — e com o amor de um casal que parece ter saído de romances de
cavalaria, bem no centro dos “anos tormentosos” de 1936 a 1945, os de
auge e queda do nazifascismo.
Contudo, e não se espante o leitor,
nessas cartas não há lugar para lamentos e rendições. São textos de
luta, especialmente a de um homem e a de uma mulher em defesa dos seus
sentimentos e dignidade como pessoas, expostos a uma realidade sem
esperança, agravada a cada dia pela institucionalização da barbárie
nazista na Alemanha, em particular após o começo da Segunda Guerra
Mundial, em 1939, a queda de Paris e a invasão da União Soviética, em
1941, tendo, no Brasil, como pano de fundo, a imposição do Estado Novo,
que nos trouxe, em 1937, uma Constituição de inspiração fascista. No
caso de Olga, que era de origem judaica, situação ainda mais dramatizada
pela decisão de Hitler de proceder à “solução final” da chamada questão
judia.
Luta tão mais difícil porque os dois personagens
principais dessa saga se encontram em duras condições carcerárias, com
sua comunicação epistolar sujeita à censura e — suprema dificuldade para
os dois amantes — sem domínio do idioma do outro. Assim, entre todas as
barreiras que precisam vencer, a da linguagem é mais uma, impondo aos
dois a penosa tarefa, nas condições em que se acham, de estudarem um
novo idioma.
É verdade que as cartas de Olga, por ordem das
autoridades carcerárias, tinham que ser escritas em alemão, mas o
diálogo entre eles, porque também compreendia comentários recíprocos
sobre autores e temas da literatura brasileira e alemã, exigia o esforço
da aprendizagem. Linguagem contida, a demandar pleno domínio no uso das
palavras e uma espartana educação dos sentimentos a fim de impedir que a
dor pessoal de um se transferisse para o outro, é a que compõe um
diálogo marcado pela atitude de mútua proteção, em que o otimismo não
cede mesmo diante do diagnóstico mais cruel sobre as suas respectivas
situações.
A carta de Olga de 28 de setembro de 1939 é exemplar
do seu estoicismo, de sua grandeza moral e da sua sofisticada
sensibilidade:
“Meu querido Karli! Após longos meses, cheios de ansiedade, entregaram-me hoje tuas três cartas de 21/3, 20/6 e 29/6. Um peso me foi tirado do coração, quando soube que estás bem de saúde. E como estou orgulhosa com a tua primeira carta em alemão, que não contém um erro ortográfico e apenas muito poucos erros gramaticais. Karli, já soubeste que há pouco tempo passei dois meses fora do Campo, em Berlim? Tive que passar essas semanas em ‘prisão individual’ [isolamento, prisão celular] e, com maior intensidade do que nunca, meus pensamentos vagavam entre ti e a nossa querida filhinha” [Anita, a filha do casal, nascida no cárcere, depois de uma grande movimentação da opinião pública internacional, já tinha sido confiada à avó paterna, Leocádia Prestes].“A pouca esperança numa rápida libertação, que cheguei a alimentar em Berlim, voltei a sepultar depois de meu regresso ao Campo. [...] Sabes, meu querido Carlos, às vezes digo a mim mesma que devemos estar preparados para nunca mais nos voltarmos a ver, apesar de que o coração proteste contra isso. [...] Mas existe uma coisa que deves saber: não deixo que o meu ânimo caia, e o sentimento de minha total unidade contigo me dá as forças necessárias para isso.”
Fora das
cartas, também há luta, e o leitor, enquanto as lê, precisa reconstruir o
mundo dos nossos heróis, mal percebido nas entrelinhas do que escrevem —
Olga, prisioneira em um campo de concentração nazista, sujeita a
trabalhos forçados, Prestes, inimigo público número 1 do Estado Novo.
É
Olga quem, na mesma carta de 28/9/1939, depois de expor o diagnóstico
pessimista sobre a sua situação, fala do compromisso com suas
companheiras de campo de concentração: “Hoje não me sobra mais tempo
para referir-me às suas cartas. Mas podes estar certo de que ando com
uma fisionomia tão feliz que, ao que parece, as minhas companheiras
extraem daí novas forças e esperanças”. Daí que a leitura dessa
extraordinária documentação exija a participação do leitor, que deverá
tecer, com suas informações, o cenário de horrores da época, enquanto
acompanha, nas cartas, o cotidiano amargo dos personagens, cada um deles
aferrado aos seus valores mais profundos e aos sentimentos que nutrem
entre si.
O esforço de Olga para instalar humanidade em meio ao
horror é uma página épica da capacidade de resistência do ser humano
diante da adversidade, como na carta de 24/9/1937, em que procura
compartilhar com seu companheiro os cuidados com a criação da filha:
“Meu querido Carli! [com C no original, em outras cartas Olga usa o K]
Há alguns dias recebi tua carta de 18 de agosto e estou muito triste
porque tua carta de 31 de julho não me chegou às mãos. Quem sabe se
ainda as receberei. Um pedaço de papel pode trazer tanta felicidade!
Tuas queridas palavras me aquecem o coração. [...] Felizmente a Anita
ainda pode permanecer comigo. Ainda recentemente, o médico da prisão
desaconselhou a separação, tendo em vista que ainda estou em condições
de amamentá-la. Jamais pensei possuir tal faculdade de ‘vaca leiteira’.
Podemos nos felicitar com isso, pois até agora a pequenina não teve um
resfriado. Alegra-me saber que segues a curva do peso da pequenina.
[...] Podes, portanto, estar tranqüilo a este respeito”. Mais à frente,
Olga descreve a Prestes, como se estivesse em uma nursery de
bairro londrino, como transcorre no cárcere, hora por hora, “um dia na
prisão” nazista para ela e sua filha e os sonhos noturnos, que, afinal, a
embalam, sobre o que deveria ser uma vida a três, que, como se sabe,
não haverá.
Em sua última carta a Prestes, em 05/11/ 1941 — e se
pode imaginar o que deveriam ser as condições prisionais de uma
revolucionária comunista, ademais de judia, nos cárceres do nazismo
triunfante na Europa —, a preocupação de Olga se volta inteira para a
sorte do seu companheiro: “A idéia da solidão em que vives há quase seis
anos é [...] um constante pesadelo que me aflige”. Mas o inferno pode
não ser lugar de queda, e sim de redenção: “Muitas vezes também não
deixo de rir quando penso na surpresa que te causará a mulher que vais
recobrar. Não terá nada de parecido com a figura de ‘boa enfermeira’.
Mas uma coisa que tenho aqui especialmente aprendido é a conhecer o
verdadeiro valor de tudo o que é humano, de toda a elevação e energia de
que é capaz a alma humana, altura que é, antes de tudo, para nós mesmos
difícil de alcançar” (carta de 21/9/41).
As cartas de Prestes
obedecem ao mesmo andamento, sendo que, no seu caso, nas e pelas cartas,
tenta realizar os “sonhos noturnos” de Olga de viverem uma vida a três.
Assim, em 30/7/1937, Prestes indaga a Olga sobre a necessidade de
“começar a dar um pouco de leite de vaca à nossa pequenina”. Tendo
organizado, com a pachorra de um militar, um quadro com as informações
recolhidas das cartas de Olga, Prestes acompanha a evolução do peso de
Anita e assim constata que, no mês de junho, a média mensal caiu em mais
de 50%. Ele indaga: “O que está acontecendo? Sei muito bem que apenas
os números não dizem grande coisa, mas, como acompanho com grande amor
todas as suas informações, penso que não será inútil chamar a sua
atenção para esse fato. A nossa pequena já tem mais de oito meses!
Imagino a tua alegria com os novos progressos da nossa querida. A
fatalidade da vida roubou-me esses grandes prazeres: vê-la começar a
falar, vê-la, pela primeira vez, sentar-se e, com suas pequeninas mãos
nos joelhos, rir alegremente [...]. Ah! minha querida, como eu seria
feliz se pudesse brincar com a nossa pequena [...]. Já pensaste o que
seria a nossa vida a três?”.
Prestes e Olga, talvez mais ele do
que ela, inclusive porque estão em contextos políticos distintos —
decerto que a situação alemã era bem mais terrificante que a brasileira —
se esforçam por construir, no mundo simbólico das letras, uma rotina
conjugal. E esse esforço trágico de dois desvalidos da sorte em
defenderem os seus sentimentos privados em um momento de conflagração
mundial, mesmo quando tudo parecia irremediavelmente perdido para eles,
fica como mais um exemplo de que a esperança pode desafiar o destino.
Por que vivem de letras, a literatura, e especialmente a poesia,
participa do repertório de temas evocados ao longo dos diálogos de Olga e
Prestes. Goethe é uma grande referência para ambos — um autor bem
próprio, por sinal, para os nossos heróis, que procuravam alimentar o
seu espírito de resistência com os valores da Ilustração celebrados pelo
poeta, entre os quais a crença em um caminho de aperfeiçoamento
contínuo para o homem.
Diderot, Molière, Dickens, Fielding, entre
outros, fazem parte do elenco preferido de Prestes e, entre os
nacionais, denotando um gosto pré-modernista, o culto a Gonçalves Dias,
Castro Alves e aos poetas da Inconfidência, relação a que não faltam
Coelho Neto e Olavo Bilac...
Registre-se, de passagem, que,
apesar de as cartas de Prestes não revelarem apreço especial do autor
pelos modernistas, ele soube valorizar, contra o senso comum de sua
época, a contribuição de Mário de Andrade à cultura nacional, dizendo,
por ocasião de sua morte, que “seu nome na literatura nacional equivale
ao de Siqueira Campos em nossas lutas políticas”, o que não é pouco para
quem tinha o antigo tenente da Coluna como um dos seus heróis favoritos
(carta a Lygia Prestes, de 01/3/1945). Uma outra observação sobre as
leituras de Prestes não pode faltar, pelo seu caráter intrigante, pois,
relendo O Misantropo, de Molière, reteve como frase de grande
sabedoria a que ia em rota oposta ao seu comportamento de militante
revolucionário: “Nenhuma loucura maior do que se pretender corrigir o
mundo” (carta a Lygia Prestes, de 14/9/1944).
A circulação de
sentimentos e de idéias entre os nossos heróis reclamou a existência de
um pequeno núcleo de familiares e amigos que, em vários cantos do mundo,
procuravam proteger o casal e salvar Anita Leocádia das masmorras do
nazismo. Entre eles, Leocádia, a mãe de Prestes, que não faz parte desse
epistolário, Sobral Pinto, o seu dedicado advogado, e, sobretudo,
Lygia, irmã de Prestes, que, baseada no México, não somente viria a
criar Anita como se mostrou a grande referência afetiva e política do
irmão, organizando o trabalho de solidariedade a ele. As cartas de Lygia
consistem em um testemunho, sem paralelo em nossa literatura, de
dedicação fraternal.
A coleção de cartas, em sua cronologia,
conforma uma história contada a partir da expressividade dos sentimentos
dos envolvidos, porque da história mesma não podiam falar, sofrendo
apenas os seus efeitos. Mas lê-las é refazer, desse ângulo tão
particular e verdadeiro, a história efetiva daqueles “anos tormentosos” —
uma espécie de etnografia, a partir dos casos de Prestes e de Olga, de
como o nazifascismo se contrapunha ao inventário dos valores humanos. A
história ruma para um desenlace, à medida que os acontecimentos se
aproximam do ano de 1945. De um certo ponto de vista, um desfecho feliz —
os aliados venceram o eixo totalitário do nazifascismo.
Para nós
brasileiros também, porque, com a ida da Força Expedicionária
Brasileira aos campos de guerra europeus para se juntar às tropas
aliadas, criaram-se as condições para a redemocratização do país. Mas
essas cartas focam, sobretudo, o desempenho das pessoas, e não dos fatos
— são elas e suas vidas exemplares que nos importam aqui.
O
trabalho de Anita Leocádia Prestes e Lygia Prestes, com o apoio do
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, já nasce como obra de
referência para os que desejarem entender os soturnos anos em que o
nazifascismo ameaçava dominar o mundo. O traço mais forte que fica da
leitura dessa correspondência, que tanto se aproxima, pela altitude
ético-moral do que é dito e vivido, às Cartas do cárcere, de Antonio Gramsci,
reside na profundidade dos sentimentos e dos valores humanos dos seus
personagens, inventário a que os brasileiros, desde agora, podem
recorrer para que, na construção de sua identidade coletiva, o
especificamente humano se imponha contra quaisquer forças que tenham a
pretensão de negá-lo.
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Luiz Werneck Vianna é professor de sociologia no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
Fonte: Folha de S. Paulo, 8 mar. 2003.
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