quarta-feira, 13 de março de 2013

113 anos de nascimento de Gregório Bezerra


Por Roberto Arrais

Alguns escritores e poetas definiram a questão da morte relacionada com as pessoas que lideram e lutam por causas justas e coletivas de uma forma muito especial. O poeta e escritor Guimarães Rosa disse que pessoas assim, de fibra, “não morrem, elas se encantam”; para os índios, segundo Antônio Callado disse no Quarup, as pessoas que têm essas características “nunca morrem, pois o seu pensamento entra em outras cabeças”.
Gregório Bezerra nasceu no início do século XX, em 13 de março de 1900, no Município de Panelas. Sofreu todas as dificuldades para sobreviver na infância, começando a trabalhar com 4 anos de idade, ficou órfão aos 6 anos, trabalhou como doméstico aos 10 anos em Recife, carregou frete, foi vendedor de jornais, mesmo sendo analfabeto até os 25 anos. Foi preso quando era ajudante de pedreiro porque apoiava a luta dos trabalhadores da construção civil, quando tinha apenas 16 anos, e cumpriu quase cinco anos de prisão, na Casa de Detenção do Recife.  Não desistiu diante de tudo que enfrentou e que sofreu.
Foi para o exército, viajou para o Rio de Janeiro, aprendeu a ler e a escrever, fez curso de sargento, foi um dos mais destacados do País, andou pelo Brasil e depois veio servir em Pernambuco, como sargento instrutor de educação física e de tiro ao alvo.
Nos anos 30 começou a ter contato com o Partido Comunista (PCB) através de trabalhadores que viajavam com ele de trem, pela literatura dos jornais e livros que destacavam a luta pelo socialismo no Brasil e no mundo.
Em 1935 participou do levante armado contra o fascismo que assolava o mundo e se espalhava pelo Brasil, participando da Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento liderado por Luiz Carlos Prestes, denominado de o Cavaleiro da Esperança. Ficou preso dez anos e só saiu com a Anistia em 1945. Foi eleito deputado federal constituinte, sendo o 2º mais votado de Pernambuco, se integrando a uma das mais expressivas e combativas bancadas da história do parlamento brasileiro, que foi a bancada comunista liderada pelo senador Luiz Carlos Prestes.
Teve cassado seu mandato com nova prisão em 1947. Foi solto, seguiu para a clandestinidade pelos diversos estados da federação, participando de lutas camponesas pela reforma agrária e nos comitês pela paz mundial.
Em 1957, nova prisão, solto, voltou para Pernambuco e participou das campanhas de Cid Sampaio para Governador, de Miguel Arraes para Prefeito e para Governador e de Pelópidas Silveira para Prefeito. Desenvolveu um grandioso trabalho de articulação e organização dos camponeses na fundação dos sindicatos de trabalhadores rurais da zona canavieira de Pernambuco e do Partido Comunista Brasileiro, o PCB.
Em 1964 Gregório foi arrastado com três cordas no pescoço, depois de ter sido submetido a todo tipo de violência e tortura, pelas ruas do Recife, numa das cenas mais hediondas do século XX. Mas não se deu por vencido e continuou lutando pelo soerguimento do PCB, mesmo dentro da prisão, novamente na Casa de Detenção do Recife, hoje transformada na Casa da Cultura. Foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano em 1969. Seguiu para o exílio na União Soviética e voltou em 1979, através de nova anistia.
Voltou com 79 anos, mas continuou sua luta, já trazendo na bagagem seu livro de memórias, publicado, à época, em dois volumes, e seguindo sua vida política, agora como membro do Comitê Central do PCB.
Acompanhou Prestes em sua Carta aos Comunistas, participando ativamente da luta pela “Reconstrução Revolucionária do Partido”, apoiando a convocação para “Tomar o Partido em suas mãos”, através das bases, andando pelo País, e especialmente pelo Nordeste, na organização dos “Comitês de Defesa do Partido”.
Gregório Bezerra foi sintetizado pelo poeta Ferreira Gullar, como um homem “Feito de Ferro e de Flor”, porque mesmo diante de todos os problemas, da fome, do analfabetismo na juventude, das diversas prisões, da moradia nas ruas, da clandestinidade, em nenhum momento ele se lamentava, muito pelo contrário, estava sempre de bom humor, disposto a participar dos eventos, da reconstrução revolucionária do Partido, da conquista de novos quadros, corroborando com a força da luta por um ideal revolucionário e socialista, pelo fortalecimento das lutas do povo, pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes como prioridade absoluta, tendo a coragem de enfrentar sempre os desafios impostos pelo sistema capitalista, com ética, honestidade, firmeza, e, tudo isso, com muita ternura e carinho com todas as pessoas que estavam presentes em seus caminhos.
Por tudo isso, Gregório “não morreu, se encantou”, como dizia o poeta Guimarães Rosa, se encantou nas lutas dos trabalhadores rurais, dos movimentos sociais de luta pela terra, nas crianças abandonadas pelas ruas, nas pessoas que são exploradas e esmagadas em seus direitos. Como também, Gregório não morreu, como diziam os índios no Quarup de Antonio Callado, porque figuras da dimensão heroica dele, continuam povoando “as cabeças das pessoas com seus pensamentos” de esperança  e luta de construir um outro mundo, um outro modo de vida onde as riquezas, a ciência e tudo que se produza  possa ser compartilhado com todos.
Gregório Bezerra, Presente!

Leia abaixo a apresentação do livro Memórias, autobiografia do revolucionário comunista Gregório Bezerra, feita pela historiadora Anita Leocadia Prestes, filha de Olga Benario e Luiz Carlos Prestes.

Gregório Bezerra personificou os explorados e oprimidos do Brasil




Por Anita Leocadia Prestes*

É com profunda emoção que escrevo esta apresentação do livro de Memórias de Gregório Bezerra. Quando penso em Gregório, vejo diante de mim o povo brasileiro, os milhões de homens, mulheres e crianças do nosso país, maltratados e sofridos durante séculos de exploração e opressão.

Gregório é a legítima expressão desse povo, no que ele tem de mais autêntico e verdadeiro. É a genuína personificação dos explorados e oprimidos da nossa terra – jamais dos poderosos, dos exploradores. Estes sempre lhe dedicaram um indisfarçável ódio de classe, ódio dos opressores, conscientes do perigo, para os interesses dominantes, das “ideias subversivas” difundidas por homens como ele.

Na grande trincheira da luta de classes, Gregório sempre esteve do lado dos trabalhadores, dos desvalidos e dos oprimidos. Justamente por isso suportou constantes perseguições policiais, atrozes torturas e um total de 23 anos de cárcere em diversos presídios do Brasil. Teve de suportar a feroz campanha que os meios de comunicação a serviço dos interesses dominantes sempre moveram contra ele e contra os comunistas.

Conheci Gregório há muitos anos. Em 1946, eu tinha apenas nove anos de idade quando ele, eleito deputado federal por Pernambuco na legenda do Partido Comunista do Brasil (PCB), foi morar conosco, na casa de meu pai, Luiz Carlos Prestes. O partido havia conquistado a legalidade e elegera para a Assembléia Nacional Constituinte uma bancada comunista composta de um senador, Luiz Carlos Prestes, e catorze deputados, entre os quais Gregório Bezerra. Em nossa casa, além da família, moravam vários camaradas do PCB.

Gregório destacava-se, dentre todos, pela dedicação ao partido e à causa revolucionária que abraçara ainda jovem, mas sobretudo pelo humanismo que irradiava de sua pessoa. Ele sabia compreender os problemas de todos que o cercavam e relacionar-se bem e de maneira afetuosa tanto com as crianças quanto com os idosos, com pessoas importantes ou humildes, com homens ou mulheres. Gregório não incomodava; ao contrário, sempre ajudou em nossa casa e era capaz de manter permanentemente um convívio agradável com todos que o rodeavam. Lembro como minhas tias observavam que, de tantos companheiros que passaram por nossa casa, nenhum deixara tão boas lembranças e tantas saudades quanto ele.

Se Gregório sabia conversar com os adultos, também o sabia com as crianças, como era meu caso. Eis a razão por que guardo gratas lembranças dessa convivência que durou apenas dois anos, pois em 1948, após o fechamento do PCB pelo governo Dutra e a cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas, ele foi sequestrado em pleno centro do Rio de Janeiro e levado clandestinamente para a Paraíba, onde, por meio de grosseira provocação policial, seria acusado de incendiar um quartel.

Mais tarde, eu já adulta, nossos caminhos, os meus e os dele, cruzaram-se algumas vezes na vida partidária. Foram, entretanto, encontros fugazes. Mas Gregório continuava sendo o mesmo companheiro atencioso, afável, amigo. Sempre acompanhei sua trajetória de dedicado militante comunista nos mais diversos pontos do país para onde o partido o enviava, seja na legalidade, seja na clandestinidade.

Foi com horror e indignação – como tantos outros brasileiros e também democratas de todo o mundo – que tomei conhecimento de sua prisão em Pernambuco, após o golpe militar de abril de 1964, e das bárbaras torturas a que fora submetido. Sua foto sendo arrastado seminu pelas ruas de Recife chocou a todos. Mas Gregório resistiu, apesar de já contar então com 64 anos de idade. Naquela ocasião, foi condenado a 19 anos de detenção. Mas então, em setembro de 1969, teve lugar no Rio de Janeiro o seqüestro do embaixador norte-americano, promovido por organizações da esquerda armada. Em troca da vida do embaixador, os dirigentes desses grupos exigiram a libertação de quinze prisioneiros políticos que deveriam ser enviados para o exterior – entre eles estava o nome de Gregório Bezerra. Embora discordando desse tipo de ação, ele aceitou a libertação, divulgando, ao mesmo tempo, uma “Declaração ao povo brasileiro”, na qual explicava suas razões. Dizia então:


- Por uma questão de princípio, devo esclarecer que, embora aceite a libertação nessas circunstâncias, discordo das ações isoladas, que nada adiantarão para o desenvolvimento do processo revolucionário e somente servirão de pretexto para agravar ainda mais a vida do povo brasileiro e de motivação para maiores crimes contra os patriotas.

E adiante acrescentava:

- Não quero que, nesta hora, minha atitude ponha em risco a vida dos demais presos políticos a serem libertados. Nem desejo, como humanista que sou, o sacrifício desnecessário de qualquer indivíduo, ainda que seja o embaixador da maior potência imperialista de toda a história. Luto, por princípio, contra sistemas de força. Não luto contra pessoas, individualmente. Só acredito na violência das massas contra a violência da reação.
É uma declaração reveladora da personalidade de Gregório Bezerra: militante comunista dedicado e consequente, de firmeza inabalável na defesa de suas convicções revolucionárias e, por isso mesmo, insigne humanista. Reencontrei Gregório em Moscou, em 1973, onde ambos estivemos exilados, juntamente com outros compatriotas. Embora fisicamente alquebrado, como consequência das torturas a que fora submetido nos cárceres da ditadura militar, ele mantinha intacta a postura de profunda dignidade humana e as convicções de revolucionário comunista que sempre marcaram sua personalidade.

 
Forçado a viver no exílio, mesmo cercado do respeito, da admiração e do carinho dos companheiros soviéticos, assim como de exilados brasileiros e de outros países que então residiam na União Soviética, Gregório tinha seu pensamento permanentemente voltado para o Brasil. Sua maior aspiração era regressar à pátria e poder continuar lutando pelos ideais revolucionários a que dedicara toda sua vida.

 
Foram dez anos de exílio, até a conquista da anistia no Brasil, em agosto de 1979. Gregório seria um dos primeiros a regressar à terra natal, onde foi recebido com entusiasmo e carinho pelos trabalhadores, companheiros e amigos.

 
Durante os anos de exílio, Gregório, assim como Prestes, não deixou de contribuir para a luta pela anistia em nosso país. Viajou por diferentes países denunciando os crimes da ditadura militar. Com seu prestígio, tratou de mobilizar os mais diversos setores da opinião pública mundial em campanhas de solidariedade aos presos e perseguidos políticos no Brasil. Participou de congressos, conferências, seminários e entrevistas, sempre empenhado na luta pela democracia, contra o fascismo e por um futuro socialista para toda a humanidade, pois ele era também um militante internacionalista, para quem a luta do nosso povo não poderia jamais estar dissociada da luta dos trabalhadores do mundo inteiro.

 
Ao mesmo tempo, dedicou-se nesses anos a escrever suas Memórias, cuja nova edição em boa hora nos é proporcionada pela editora Boitempo. Sou testemunha de que Gregório escreveu seu livro sozinho e à mão. Companheiros residentes em Moscou naquela época se revezavam na datilografia das páginas já redigidas por nosso talentoso autor.

 
Gregório soube produzir um relato de sua vida, em linguagem simples e direta, sem qualquer afetação literária. Descreveu a vida de um camponês nordestino miserável, que se transformou em operário e soldado e, nesse processo, ingressou no Partido Comunista. Um militante que dedicou sua vida aos ideais comunistas, arcando com todas as consequências de tal escolha, sem jamais perder as características de grande figura humana.

 
Sou também testemunha do espírito de solidariedade e de companheirismo de Gregório durante aqueles difíceis anos de exílio, quando muitos companheiros entravam em desespero ou perdiam a perspectiva revolucionária. Gregório animava a todos que o procuravam, encorajava a quem estava abatido ou angustiado. Mostrava-se solidário com aqueles que precisavam de uma palavra ou de um gesto de amizade e de carinho. Seu apartamento em Moscou era um recanto aconchegante, onde se podia saborear algum prato da cozinha brasileira, por ele muito bem preparado, e de onde se saía reconfortado e confiante num futuro melhor.

 
Gregório era um otimista e infundia otimismo em todos que o procuravam, incluindo os jovens brasileiros que estudavam na URSS. Aos jovens, ele se esforçava por transmitir sua experiência e seus conhecimentos do Brasil para que, quando regressassem à pátria, estivessem preparados para enfrentar o futuro. A trajetória de vida de Gregório Bezerra é exemplar e deve servir de inspiração para os jovens de hoje, para aqueles que estão empenhados na realização de transformações profundas em nosso país que abram caminho para um futuro de justiça social e liberdade para todos os brasileiros. Futuro que, como nos ensina Gregório Bezerra, da mesma maneira que José Carlos Mariátegui, Fidel Castro, Che Guevara, Luiz Carlos Prestes e tantos outros revolucionários latino-americanos, só poderá ser alcançado com a revolução socialista. Gregório foi um comunista que jamais se dobrou diante das dificuldades e soube “endurecer sem jamais perder a ternura”, na feliz expressão cunhada por Ernesto Guevara.

 
Esperamos que a publicação desta nova edição das Memórias de Gregório Bezerra pela Boitempo constitua um estímulo à formação de jovens revolucionários em nosso país e em nosso sofrido continente latino-americano.

 
* Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.


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