segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

65 anos da cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro

Carlos Marighela, Luiz Carlos Prestes e Gregório Bezerra

Naquele ano de 1945, nada poderia ser mais emblemático do que o clima de euforia democrática que se instalou por diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Resultado direto da derrota das potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que contou com o papel decisivo da União Soviética na conquista da vitória alcançada contra o nazifascismo. 

É inegável o impacto da iminente derrota nazista sobre o conjunto dos processos em desenvolvimento, tanto na arena internacional quanto internamente nos diversos países. As mudanças na correlação de forças internacionais tiveram um papel importante na correlação de forças dentro do próprio governo brasileiro. Apesar do seu peso político significativo, o grupo germanófilo, destacando as figuras dos generais Eurico Dutra e Góis Monteiro, foi gradativamente perdendo espaço para os americanófilos do Governo Vargas, pelo menos no que diz respeito ao posicionamento do governo brasileiro frente às nações beligerantes. As novas condições internacionais permitiram pouco a pouco o surgimento de indivíduos ou grupos, de amplos e diversificados segmentos da sociedade brasileira, dispostos a levantar a bandeira democrática e participar da luta contra o nazifascismo.   Como em outras partes do mundo, no Brasil aflorou com grande força uma opinião pública antifascista, diante da ameaça de agressão nazifascista ao país e sob influência de um crescente sentimento patriótico.


Neste contexto, o Partido Comunista emergiu como importante novidade política, transformando-se no partido das ruas, das praças, das festas populares, dos bairros operários, das fábricas. O partido demonstrou considerável capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores. Grandes comícios e manifestações foram realizados por todo o Brasil, com a presença de Luiz Carlos Prestes. Entre eles, os comícios do Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, em 23/5/1945, do Estádio do Pacaembu, em São Paulo, em 15/7/1945, e do Parque 13 de Maio, em Recife, em 26/11/1945. O Partido conquistou sua legalidade de fato, nas ruas, com a participação do povo. Surgiram inúmeros jornais comunistas em vários estados: Tribuna Popular, fundado em 22 de maio, no Distrito Federal; Hoje, em São Paulo; O Momento, na Bahia; Folha do Povo, em Pernambuco; O Estado de Goiás, em Goiânia  (GO); O Democrata, no Ceará; Tribuna Gaúcha, em Porto Alegre (RS); Folha Capixaba, em Vitória (ES); Tribuna do Povo, em São Luís (MA). Como órgão oficial, reapareceu A Classe Operária, em 9/3/1946.

Além de ser um período de intenso crescimento do PCB, essa fase histórica caracterizou-se também pelo recrudescimento do movimento grevista e sindical, destacando-se a criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), embrião da organização da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), que viria a ser fechada pouco depois pelo governo Dutra. A retomada efetiva das atividades sindicais no período se evidenciou na criação de novos sindicatos e no aumento de trabalhadores sindicalizados. Foram criados 873 sindicatos até 1945, surgiram mais 66 sindicatos no ano seguinte. Os trabalhadores sindicalizados passaram de 474.943 em 1945 para 797.691 no ano posterior.

A atuação do PCB, na conjuntura do imediato pós-guerra, se deu em duas frentes. A primeira dizia respeito à inserção no sistema político brasileiro, definindo-se por uma linha pacifista e de “ordem e tranqüilidade” para solucionar os grandes problemas nacionais, dentro dos quadros da legalidade. Os programas e as formas de luta política foram marcadas pela expectativa extremamente otimista em relação ao cenário mundial: de “pacificação geral” entre as grandes potências (ou seja, entre a União Soviética e os Estados Unidos) e de expansão gradual e pacífica do socialismo e das chamadas “democracias populares”. Essas ilusões do pós-guerra atingiram o movimento comunista internacional e parcelas significativas das forças democráticas e progressistas no mundo todo. A segunda frente de atuação dos comunistas brasileiros referia-se à luta pela hegemonia no movimento operário, enfrentando as crescentes demandas da classe trabalhadora brasileira. Contudo, a direção do Partido teve dificuldade de formular uma orientação política capaz de articular adequadamente as duas frentes. 



O PCB elegeu os sindicatos e as associações legais como o centro de gravidade política da educação e da organização da classe operária, para assumirem, na perspectiva comunista, “sua posição histórica no processo de democratização do país”. Desse modo, os sindicatos unidos seriam a espinha dorsal da democracia brasileira. Porém, para trilhar o caminho de reconquista dos sindicatos, o PCB precisaria primeiramente conquistar os trabalhadores, penetrando nas fábricas, nas empresas, nos bairros, e garantir sua representatividade junto a eles, expandindo-se das fábricas e dos bairros para os sindicatos. A projeção do PCB no meio operário era condição para se tornar uma força política capaz de disputar a liderança da revolução democrática, entendida como uma etapa histórica indispensável para a realização do socialismo. Assim, os organismos do Partido, como o MUT e os Comitês Populares Democráticos, faziam parte da estratégia comunista de revolução democrática, direcionados não apenas no sentido de mobilização, organização e educação do proletariado, mas também no de fortalecimento e ampliação da ligação desse com o Partido Comunista.

Nos sindicatos, locais de trabalho ou nos bairros, através dos comitês populares democráticos, os comunistas desempenharam um papel de considerável relevância na tentativa de articulação entre a pequena política do dia a dia e a grande política da vida política nacional. O PCB procurou capitalizar a capacidade organizativa e mobilizadora dos comitês populares e convertê-la em poder político, constituindo-se como elemento de influência na arena política nacional. Precisou desenvolver o trabalho de organização popular para garantir o potencial de intervenção na grande política, mas, ao mesmo tempo, sua atuação no âmbito da pequena política dependia da continuidade do processo de democratização então em curso.

 A surpreendente votação do PCB nas eleições de 1945, em apenas 15 dias de campanha, foi em grande medida resultado do aparato montado pelos comitês populares democráticos. A mobilização de arregimentação eleitoral foi intensa. Trabalhou-se ativamente para a inscrição de eleitores, com os postos de alistamento eleitoral, e a viabilização para que o maior número possível de pessoas cumprisse o requisito do voto com os cursos de alfabetização.

Em cidades com grande concentração operária, o Partido Comunista conquistou importantes vitórias eleitorais. Em dezembro de 1945, o candidato do PCB à presidência da República, Yedo Fiúza, ficou em terceiro lugar, somando mais de 500 mil votos. O Partido tornou-se a quarta maior força política da Assembléia Constituinte de 1946, constituindo uma bancada de um senador e 14 deputados num total de 338 constituintes. O PCB elegeu parlamentares em seis unidades da Federação. Carlos Marighela foi deputado federal eleito pelo PCB da Bahia. Em Pernambuco, se elegeram Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo de Morais Coutinho e Gregório Bezerra. O Distrito Federal foi a unidade da Federação onde o PCB obteve seu melhor desempenho eleitoral, elegendo três deputados, Joaquim Batista Neto, João Amazonas e Maurício Grabois, e um senador, Luiz Carlos Prestes, com a maior votação proporcional da história política brasileira até então. Na bancada do estado do Rio de Janeiro, dois operários foram eleitos, Alcides Rodrigues Sabença e Claudino José da Silva, o único negro dentre os 338 constituintes. Por São Paulo, se elegeram Milton Caires de Brito, Jorge Amado, José Maria Crispim e Osvaldo Pacheco. Representando o Rio Grande do Sul, foi eleito Abílio Fernandes. Trifino Correia (PCB-RS), segundo suplente de deputado, participou dos trabalhos constituintes de março a julho de 1946.

A bancada comunista diferenciava-se das demais com acento na Assembléia Constituinte, tanto do ponto de vista da sua composição social quanto sob o aspecto das propostas que defendeu, refletindo nessas duas dimensões seu compromisso com as lutas operárias e populares. Do ponto de vista de sua composição social, os parlamentares comunistas eram lideranças políticas originárias de movimentos sociais e reivindicatórios das massas populares nas décadas de 1930 e 1940, a maior parte deles tendo militado na ANL e/ou com passagem pela prisão durante o Estado Novo. A bancada comunista se apresentava como um elemento novo no cenário político, pois trazia trabalhadores para a tribuna parlamentar, palco das movimentações das elites. O seu desconforto em ver-se às voltas, tão próxima e em tal grau de igualdade, com membros das classes “subalternas” aparecia constantemente nas páginas dos jornais.

A correlação de forças na Assembléia Constituinte, incluindo os suplentes que tomaram posse, era a seguinte: o Partido Social Democrático (PSD) contava com 159 deputados e 26 senadores; a União Democrática Nacional (UDN) com 78 deputados e 11 senadores; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) com 22 deputados e 1 senador; como já citado, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) com 15 deputados e 1 senador; o Partido Republicano (PR) com 11 deputados e 1 senador; o Partido Social Progressista (PSP) com 7 deputados e 1 senador; o Partido Democrata Cristão (PDC) com 2 deputados; a Esquerda Democrática (ED) com 2 deputados; e o Partido Libertador (PL) com 1 deputado. Tratava-se de uma assembléia majoritariamente conservadora. Mesmo assim, os parlamentares comunistas lutaram pela imediata revogação da Constituição de 1937, mas seria mantida pela maioria conservadora e serviria para legitimar as medidas repressivas do Governo Dutra durante os trabalhos da Constituinte.

Apesar de minoritária, e sob cerco conservador, a bancada comunista tentou propor projetos alternativos àqueles colocados pelos setores conservadores. Eles foram, na maior parte, rejeitados pelos constituintes ou indeferidos pelo presidente da Assembléia, Fernando Melo Viana (PSD/MG). A atuação dos comunistas na Assembléia Constituinte foi marcada pelo caráter avançado e progressista da luta empreendida naquele parlamento conservador. Os comunistas defenderam, entre outras propostas, a autonomia sindical, o direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e sargentos, a implantação do parlamentarismo; a extinção do cargo de Vice-Presidente da República, a laicidade do ensino nas escolas públicas, a ampla liberdade de crença e o livre exercício de cultos, a instituição do divórcio, a reforma agrária, a participação dos trabalhadores no lucro e na gestão das empresas, a proibição do trabalho a menores de 14 anos e do trabalho noturno em indústrias insalubres a menores de 18 anos, a extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores do campo, a concessão do direito de greve aos funcionários públicos, a proibição aos parlamentares de aceitarem comissões ou empregos remunerados em empresas privadas estrangeiras logo após o término dos mandatos ou o exercício de cargos governamentais, a supressão da necessidade de censura prévia para a publicação de livros e periódicos, a eleição dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do alto comando das Forças Armadas pela Câmara dos Deputados, a assistência do Estado para as mães solteiras.

Embora a maior parte de suas propostas fossem rejeitadas, a bancada do PCB obteve aprovação para algumas delas. A Emenda no 2.277, de Batista Neto (PCB/DF), estipulando que o trabalho noturno teria maior remuneração que o diurno. O item “Higiene e Segurança do Trabalho” foi incorporado ao elenco de recomendações a serem observadas pela legislação trabalhista, segundo proposta apresentada por João Amazonas (PCB/DF). A Emenda no 3.134, de Maurício Grabois (PCB/DF), proibindo a extradição de estrangeiros casados com brasileiros ou que tivessem filhos de brasileiros natos. Aprovado o projeto de Alcedo Coutinho (PCB/PE), determinando a transferência para os municípios de 10% do total do imposto de renda arrecadado pela União. A Emenda no 2.850, de Jorge Amado (PCB/SP), isentando de tributos a importação de livros, periódicos e papel de imprensa, tendo também sido aprovada outra emenda de sua autoria assegurando ampla liberdade religiosa e de culto.

A atuação dos comunistas na Constituinte de 1946 pautou-se pela defesa dos interesses dos trabalhadores e das forças progressistas em geral e pela luta em prol do aprofundamento da democracia e das liberdades políticas. A bancada comunista expressou propostas e reivindicações que só viriam a ser adotadas pela Constituição de 1988.

Nas eleições realizadas em 19 de janeiro de 1947, o PCB obteve novamente um expressivo resultado eleitoral. Os comunistas elegeram fortes bancadas nas assembleias estaduais de São Paulo (onze deputados estaduais), de Pernambuco (nove) e do Rio de Janeiro (seis). Ainda conquistaram representação nas assembleias de Alagoas e do Rio Grande do Sul, com três deputados em cada uma; Bahia, Goiás e Mato Grosso, com dois deputados; Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná e Sergipe, com um deputado. No Distrito Federal, onde não havia Assembléia Legislativa e sim Câmara Municipal com cinqüenta cadeiras, o PCB formou a maior bancada com 18 vereadores, da qual faziam parte Agildo Barata, João Massena Mello, Arcelina Mochel, Odila Schmidt, Otávio Brandão, Aparício Torelly (o “Barão de Itararé”), entre outros. Após a cassação do seu registro eleitoral, o PCB ainda apresentaria desempenho eleitoral considerável em várias cidades brasileiras, utilizando-se de outras legendas.    

Não demoraria a que o processo democrático, instaurado no pós-guerra, mostrasse os seus limites. 

O ativismo da militância comunista nos meios sindicais e nos comitês democráticos populares e o impressionante desempenho eleitoral do PCB nas eleições de 1945 e 1947 transformaram o PCB numa força política em potencial, assustando as classes política e economicamente dominantes, sempre temerosas da participação popular na vida política do país. Diante de tal ameaça e do advento da Guerra Fria, em 7/5/1947, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB, sob a argumentação de tratar-se de um organismo subserviente aos interesses de Stalin e da União Soviética. Em outubro do mesmo ano, o governo brasileiro rompeu relações com diplomáticas com o Estado soviético, assumindo seu alinhamento à política externa norte-americana.

O governo desencadeou uma violenta onda repressiva contra o movimento democrático e popular, em particular os comunistas. Uma vez tornado ilegal, as sedes do PCB foram lacradas, seus bens e documentos apreendidos, os jornais ligados ao Partido foram fechados e entidades ligadas de alguma forma aos comunistas foram banidas ou perseguidas. Por meio do Decreto-lei no 23.046, de 7/5/1947, o governo Dutra fechou a CTB e as uniões sindicais estaduais. Além disso, o governo promoveu intervenções em mais de 400 sindicatos, inaugurando nova fase de repressão aberta ao sindicalismo mais combativo.  

Em 7 de janeiro de 1948, os parlamentares comunistas, em âmbito federal, estadual e municipal, tiveram seus mandatos cassados, sendo jogados na clandestinidade. Os comitês populares democráticos, já no ano anterior, transformaram-se em associações de moradores, medida que visava burlar a repressão policial. Apesar das possibilidades de atuação bastante reduzidas, os militantes comunistas continuaram ativos nas comunidades dos bairros de diversas cidades do país, nas Ligas Camponesas e no movimento operário.  


Referência Bibliográfica

BRAGA, Sérgio Soares. A bancada comunista na Assembléia Constituinte de 1946. Princípios (São Paulo), São Paulo, v. 46, p. 23-29, 1997.

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MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002.

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PINHEIRO, Marcos César de Oliveira. O MUT e a luta do PCB pela hegemonia no movimento operário: conciliação e conflito. Rio de Janeiro: Departamento de História, UFRJ, 2004. (Monografia de fim de curso para aquisição do grau de bacharel em História)

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PRESTES, Anita Leocadia. Da insurreição armada (1935) à “União Nacional” (1938-1945): a virada tática na política do PCB. São Paulo: Paz e Terra, 2001[a].

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____ . Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário, comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

SANTANA, Marco Aurélio. Homens partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001.

Bancada do PCB na Assembleia Constituinte de 1946, composta por Luiz Carlos Prestes, Gregório Bezerra, José Maria Crispim, Maurício Grabois, Claudino José da Silva, Joaquim Batista Neto, Osvaldo Pacheco, Abílio Fernandes, Alcides Sabença, Agostinho Dias de Oliveira, João Amazonas, Carlos Marighela, Milton Caires de Brito, Alcedo Coutinho e Jorge Amado.


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