Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro
Carlos Marighela, Luiz Carlos Prestes e Gregório Bezerra |
Naquele ano de 1945, nada poderia ser mais emblemático do que o clima de
euforia democrática que se instalou por diversas partes do mundo, inclusive no
Brasil. Resultado direto da derrota das potências do Eixo (Alemanha, Itália e
Japão) na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que contou com o papel decisivo
da União Soviética na conquista da vitória alcançada contra o nazifascismo.
É inegável o impacto da iminente derrota nazista
sobre o conjunto dos processos em desenvolvimento, tanto na arena internacional
quanto internamente nos diversos países. As mudanças na correlação de forças
internacionais tiveram um papel importante na correlação de forças dentro do
próprio governo brasileiro. Apesar do seu peso político significativo, o grupo germanófilo, destacando as figuras dos
generais Eurico Dutra e Góis Monteiro, foi gradativamente perdendo espaço para
os americanófilos do Governo Vargas,
pelo menos no que diz respeito ao posicionamento do governo brasileiro frente
às nações beligerantes. As novas condições internacionais permitiram pouco a
pouco o surgimento de indivíduos ou grupos, de amplos e diversificados
segmentos da sociedade brasileira, dispostos a levantar a bandeira democrática
e participar da luta contra o nazifascismo.
Como em outras partes do mundo, no Brasil aflorou com grande força uma
opinião pública antifascista, diante da ameaça de agressão nazifascista ao país
e sob influência de um crescente sentimento patriótico.
Neste contexto,
o Partido Comunista emergiu como importante novidade política, transformando-se
no partido das ruas, das praças, das festas populares, dos bairros operários,
das fábricas. O partido demonstrou considerável capacidade de organização e
mobilização dos trabalhadores. Grandes comícios e manifestações foram
realizados por todo o Brasil, com a presença de Luiz Carlos Prestes. Entre eles, os
comícios do Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, em 23/5/1945, do
Estádio do Pacaembu, em São Paulo, em 15/7/1945, e do Parque 13 de Maio, em
Recife, em 26/11/1945. O Partido conquistou sua legalidade de fato, nas ruas,
com a participação do povo. Surgiram inúmeros jornais comunistas em vários
estados: Tribuna Popular, fundado em
22 de maio, no Distrito Federal; Hoje,
em São Paulo; O Momento, na Bahia; Folha do Povo, em Pernambuco; O Estado de Goiás, em Goiânia (GO); O Democrata, no Ceará; Tribuna Gaúcha, em Porto Alegre (RS); Folha Capixaba, em Vitória (ES); Tribuna do Povo, em São Luís (MA). Como
órgão oficial, reapareceu A Classe
Operária, em 9/3/1946.
Além de ser um
período de intenso crescimento do PCB, essa fase histórica caracterizou-se
também pelo recrudescimento do movimento grevista e sindical, destacando-se a
criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), embrião da organização
da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), que viria a ser fechada
pouco depois pelo governo Dutra. A retomada efetiva das atividades sindicais no
período se evidenciou na criação de novos sindicatos e no aumento de
trabalhadores sindicalizados. Foram criados 873 sindicatos até 1945, surgiram
mais 66 sindicatos no ano seguinte. Os trabalhadores sindicalizados passaram de
474.943 em 1945 para 797.691 no ano posterior.
A atuação do PCB, na conjuntura do imediato
pós-guerra, se deu em duas frentes. A primeira dizia respeito à inserção no
sistema político brasileiro, definindo-se por uma linha pacifista e de “ordem e
tranqüilidade” para solucionar os grandes problemas nacionais, dentro dos
quadros da legalidade. Os programas e as formas de luta política foram marcadas
pela expectativa extremamente otimista em relação ao cenário mundial: de
“pacificação geral” entre as grandes potências (ou seja, entre a União
Soviética e os Estados Unidos) e de expansão gradual e pacífica do socialismo e
das chamadas “democracias populares”. Essas ilusões do pós-guerra atingiram o
movimento comunista internacional e parcelas significativas das forças
democráticas e progressistas no mundo todo. A segunda frente de atuação dos
comunistas brasileiros referia-se à luta pela hegemonia no movimento operário,
enfrentando as crescentes demandas da classe trabalhadora brasileira. Contudo,
a direção do Partido teve dificuldade de formular uma orientação política capaz
de articular adequadamente as duas frentes.
O PCB elegeu os sindicatos e as
associações legais como o centro de gravidade política da educação e da
organização da classe operária, para assumirem, na perspectiva comunista, “sua
posição histórica no processo de democratização do país”. Desse modo, os
sindicatos unidos seriam a espinha dorsal da democracia brasileira. Porém, para
trilhar o caminho de reconquista dos sindicatos, o PCB precisaria primeiramente
conquistar os trabalhadores, penetrando nas fábricas, nas empresas, nos
bairros, e garantir sua representatividade junto a eles, expandindo-se das
fábricas e dos bairros para os sindicatos. A projeção do PCB no meio operário
era condição para se tornar uma força política capaz de disputar a liderança da
revolução democrática, entendida como uma etapa histórica indispensável para a
realização do socialismo. Assim, os organismos do Partido, como o MUT e os Comitês
Populares Democráticos, faziam parte da estratégia comunista de revolução
democrática, direcionados não apenas no sentido de mobilização, organização e
educação do proletariado, mas também no de fortalecimento e ampliação da
ligação desse com o Partido Comunista.
Nos sindicatos, locais de
trabalho ou nos bairros, através dos comitês populares democráticos, os
comunistas desempenharam um papel de considerável relevância na tentativa de
articulação entre a pequena política
do dia a dia e a grande política da
vida política nacional. O PCB procurou capitalizar a capacidade organizativa e
mobilizadora dos comitês populares e convertê-la em poder político,
constituindo-se como elemento de influência na arena política nacional.
Precisou desenvolver o trabalho de organização popular para garantir o
potencial de intervenção na grande
política, mas, ao mesmo tempo, sua atuação no âmbito da pequena política dependia da
continuidade do processo de democratização então em curso.
A surpreendente votação do PCB nas eleições de 1945, em
apenas 15 dias de campanha, foi em grande medida resultado do aparato montado
pelos comitês populares democráticos. A mobilização de arregimentação eleitoral
foi intensa. Trabalhou-se ativamente para a inscrição de eleitores, com os
postos de alistamento eleitoral, e a viabilização para que o maior número
possível de pessoas cumprisse o requisito do voto com os cursos de
alfabetização.
Em cidades com grande concentração operária, o Partido
Comunista conquistou importantes vitórias eleitorais. Em dezembro de 1945, o
candidato do PCB à presidência da República, Yedo Fiúza, ficou em terceiro
lugar, somando mais de 500 mil votos. O Partido tornou-se a quarta maior força
política da Assembléia Constituinte de 1946, constituindo uma bancada de um
senador e 14 deputados num total de 338 constituintes. O PCB elegeu
parlamentares em seis unidades da Federação. Carlos Marighela foi deputado
federal eleito pelo PCB da Bahia. Em Pernambuco, se elegeram Agostinho Dias de
Oliveira, Alcedo de Morais Coutinho e Gregório Bezerra. O Distrito Federal foi
a unidade da Federação onde o PCB obteve seu melhor desempenho eleitoral,
elegendo três deputados, Joaquim Batista Neto, João Amazonas e Maurício Grabois,
e um senador, Luiz Carlos Prestes, com a maior votação proporcional da história
política brasileira até então. Na bancada do estado do Rio de Janeiro, dois
operários foram eleitos, Alcides Rodrigues Sabença e Claudino José da Silva, o
único negro dentre os 338 constituintes. Por São Paulo, se elegeram Milton Caires
de Brito, Jorge Amado, José Maria Crispim e Osvaldo Pacheco. Representando o
Rio Grande do Sul, foi eleito Abílio Fernandes. Trifino Correia (PCB-RS),
segundo suplente de deputado, participou dos trabalhos constituintes de março a
julho de 1946.
A bancada comunista diferenciava-se das demais com acento
na Assembléia Constituinte, tanto do ponto de vista da sua composição social
quanto sob o aspecto das propostas que defendeu, refletindo nessas duas
dimensões seu compromisso com as lutas operárias e populares. Do ponto de vista
de sua composição social, os parlamentares comunistas eram lideranças políticas
originárias de movimentos sociais e reivindicatórios das massas populares nas
décadas de 1930 e 1940, a maior parte deles tendo militado na ANL e/ou com
passagem pela prisão durante o Estado Novo. A bancada comunista se apresentava
como um elemento novo no cenário político, pois trazia trabalhadores para a
tribuna parlamentar, palco das movimentações das elites. O seu desconforto em
ver-se às voltas, tão próxima e em tal grau de igualdade, com membros das
classes “subalternas” aparecia constantemente nas páginas dos jornais.
A correlação de forças na Assembléia Constituinte,
incluindo os suplentes que tomaram posse, era a seguinte: o Partido Social
Democrático (PSD) contava com 159 deputados e 26 senadores; a União Democrática
Nacional (UDN) com 78 deputados e 11 senadores; o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) com 22 deputados e 1 senador; como já citado, o Partido Comunista
Brasileiro (PCB) com 15 deputados e 1 senador; o Partido Republicano (PR) com
11 deputados e 1 senador; o Partido Social Progressista (PSP) com 7 deputados e
1 senador; o Partido Democrata Cristão (PDC) com 2 deputados; a Esquerda
Democrática (ED) com 2 deputados; e o Partido Libertador (PL) com 1 deputado. Tratava-se
de uma assembléia majoritariamente conservadora. Mesmo assim, os parlamentares
comunistas lutaram pela imediata revogação da Constituição de 1937, mas seria
mantida pela maioria conservadora e serviria para legitimar as medidas
repressivas do Governo Dutra durante os trabalhos da Constituinte.
Apesar de minoritária, e sob cerco conservador, a bancada
comunista tentou propor projetos alternativos àqueles colocados pelos setores
conservadores. Eles foram, na maior parte, rejeitados pelos constituintes ou
indeferidos pelo presidente da Assembléia, Fernando Melo Viana (PSD/MG). A
atuação dos comunistas na Assembléia Constituinte foi marcada pelo caráter
avançado e progressista da luta empreendida naquele parlamento conservador. Os
comunistas defenderam, entre outras propostas, a autonomia sindical, o direito
de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e sargentos, a implantação do
parlamentarismo; a extinção do cargo de Vice-Presidente da República, a
laicidade do ensino nas escolas públicas, a ampla liberdade de crença e o livre
exercício de cultos, a instituição do divórcio, a reforma agrária, a
participação dos trabalhadores no lucro e na gestão das empresas, a proibição
do trabalho a menores de 14 anos e do trabalho noturno em indústrias insalubres
a menores de 18 anos, a extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores do
campo, a concessão do direito de greve aos funcionários públicos, a proibição
aos parlamentares de aceitarem comissões ou empregos remunerados em empresas
privadas estrangeiras logo após o término dos mandatos ou o exercício de cargos
governamentais, a supressão da necessidade de censura prévia para a publicação
de livros e periódicos, a eleição dos ministros do Supremo Tribunal Federal e
do alto comando das Forças Armadas pela Câmara dos Deputados, a assistência do
Estado para as mães solteiras.
Embora a maior parte de suas propostas fossem rejeitadas, a
bancada do PCB obteve aprovação para algumas delas. A Emenda no
2.277, de Batista Neto (PCB/DF), estipulando que o trabalho noturno teria maior
remuneração que o diurno. O item “Higiene e Segurança do Trabalho” foi
incorporado ao elenco de recomendações a serem observadas pela legislação
trabalhista, segundo proposta apresentada por João Amazonas (PCB/DF). A Emenda
no 3.134, de Maurício Grabois (PCB/DF), proibindo a extradição de
estrangeiros casados com brasileiros ou que tivessem filhos de brasileiros
natos. Aprovado o projeto de Alcedo Coutinho (PCB/PE), determinando a
transferência para os municípios de 10% do total do imposto de renda arrecadado
pela União. A Emenda no 2.850, de Jorge Amado (PCB/SP), isentando de
tributos a importação de livros, periódicos e papel de imprensa, tendo também
sido aprovada outra emenda de sua autoria assegurando ampla liberdade religiosa
e de culto.
A atuação dos comunistas na Constituinte de 1946 pautou-se
pela defesa dos interesses dos trabalhadores e das forças progressistas em
geral e pela luta em prol do aprofundamento da democracia e das liberdades
políticas. A bancada comunista expressou propostas e reivindicações que só
viriam a ser adotadas pela Constituição de 1988.
Nas eleições
realizadas em 19 de janeiro de 1947, o PCB obteve novamente um expressivo
resultado eleitoral. Os comunistas elegeram fortes bancadas nas assembleias
estaduais de São Paulo (onze deputados estaduais), de Pernambuco (nove) e do
Rio de Janeiro (seis). Ainda conquistaram representação nas assembleias de Alagoas
e do Rio Grande do Sul, com três deputados em cada uma; Bahia, Goiás e Mato
Grosso, com dois deputados; Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraíba,
Paraná e Sergipe, com um deputado. No Distrito Federal, onde não havia
Assembléia Legislativa e sim Câmara Municipal com cinqüenta cadeiras, o PCB
formou a maior bancada com 18 vereadores, da qual faziam parte Agildo Barata,
João Massena Mello, Arcelina Mochel, Odila Schmidt, Otávio Brandão, Aparício
Torelly (o “Barão de Itararé”), entre outros. Após a cassação do seu registro
eleitoral, o PCB ainda apresentaria desempenho eleitoral considerável em várias
cidades brasileiras, utilizando-se de outras legendas.
Não demoraria a que o processo democrático,
instaurado no pós-guerra, mostrasse os seus limites.
O ativismo da militância comunista nos meios sindicais e
nos comitês democráticos populares e o impressionante desempenho eleitoral do
PCB nas eleições de 1945 e 1947 transformaram o PCB numa força política
em potencial, assustando as classes política e economicamente dominantes,
sempre temerosas da participação popular na vida política do país. Diante de
tal ameaça e do advento da Guerra Fria, em 7/5/1947, o Tribunal Superior
Eleitoral cassou o registro do PCB, sob a argumentação de tratar-se de um
organismo subserviente aos interesses de Stalin e da União Soviética. Em
outubro do mesmo ano, o governo brasileiro rompeu relações com diplomáticas com
o Estado soviético, assumindo seu alinhamento à política externa
norte-americana.
O governo desencadeou uma
violenta onda repressiva contra o movimento democrático e popular, em
particular os comunistas. Uma vez tornado ilegal, as sedes do PCB foram
lacradas, seus bens e documentos apreendidos, os jornais ligados ao Partido
foram fechados e entidades ligadas de alguma forma aos comunistas foram banidas
ou perseguidas. Por meio do Decreto-lei no 23.046, de 7/5/1947, o
governo Dutra fechou a CTB e as uniões sindicais estaduais. Além disso, o
governo promoveu intervenções em mais de 400 sindicatos, inaugurando nova fase
de repressão aberta ao sindicalismo mais combativo.
Em 7 de janeiro de
1948, os parlamentares comunistas, em âmbito federal, estadual e municipal,
tiveram seus mandatos cassados, sendo jogados na clandestinidade. Os comitês
populares democráticos, já no ano anterior, transformaram-se em associações de
moradores, medida que visava burlar a repressão policial. Apesar das
possibilidades de atuação bastante reduzidas, os militantes comunistas
continuaram ativos nas comunidades dos bairros de diversas cidades do país, nas Ligas Camponesas e no movimento operário.
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