Escrito por Atilio A. Boron
Na madrugada de 15 de abril de 1961, aviões de combate camuflados como se fossem cubanos bombardearam os principais aeroportos militares de Cuba. As agências de notícias do império confirmavam que havia ocorrido um levante da força aérea "de Castro" e o embaixador dos Estados Unidos na ONU, Adlai Stevenson – expressão da ala mais "progressista" do Partido Democrata, menos mal! – tratou que o Conselho de Segurança desse organismo emitisse resolução autorizando a intervenção dos EUA para "normalizar" a situação na ilha. Não teve respaldo, mas o plano já estava em marcha.
Aquele bombardeio foi a senha para que uma brigada mercenária, que com absoluto descaro a CIA e o Pentágono vinham preparando durante mais de um ano, desembarcou na Baía dos Porcos, com o declarado propósito de precipitar o que em nossos dias os melífluos porta-vozes dos interesses imperiais denominariam eufemisticamente como "mudança de regime". Em março de 1960 – transcorrido apenas um ano do triunfo da Revolução Cubana – o presidente Eisenhower tinha firmado uma ordem executiva dando via livre para que se desencadeasse uma campanha terrorista contra Cuba e sua revolução.
Sob amparo oficial desse programa, organizou-se o recrutamento de cerca de 1500 homens (boa parte dos quais não eram outra coisa que não aventureiros, bandidos ou lúmpens que a CIA utilizava, e utiliza, para suas ações desestabilizadoras) dispostos a participar da iminente invasão, colocou-se as organizações contra-revolucionárias sob o mando da CIA (ou seja, da Casa Branca) e criaram várias "unidades operacionais", eufemismo para não chamar pelo nome os grupos terroristas, esquadrões da morte e paramilitares especialistas em atentados, demolições e sabotagens de todo tipo.
Mais de três mil pessoas morreram em Cuba desde os inícios da revolução por causa da ação desses delinqüentes arregimentados pelo governo de um país cujos presidentes, invariavelmente, nos dizem que Deus os colocou sobre a terra para levar a todo o mundo a luz da liberdade (de mercados), da justiça (racista, sexista e classista) e da democracia (na verdade, plutocracia).
Acreditavam nisso antes, e ainda acreditam hoje. Acreditava o católico John Kennedy e o protestante George W. Bush. A única exceção conhecida de alguém não infectado pelo vírus messiânico é a de John Quincy Adams, sexto presidente dos Estados Unidos, homem prático, que disse, em memorável frase, que os Estados Unidos "não têm amizades permanentes, mas interesses permanentes", algo que os governos "pitiyankees" de nossos países deveriam memorizar (vale lembrar que Adams, filho do segundo presidente dos EUA, John Adams, foi também Secretário de Estado do presidente James Monroe, e colaborou ativamente com a formulação da doutrina que leva seu nome).
Delinqüentes, retomando o eixo de nossa argumentação, como Luis Posada Carriles – um dos mais conspícuos criminosos a serviço do império, terrorista provado e confesso, autor intelectual, entre muitos outros crimes, da explosão do avião da Cubana em 1976, com 73 pessoas a bordo – que há apenas alguns dias foi absolvido de todas as suas acusações e desfruta da mais completa liberdade nos EUA.
Como se fosse pouco, Washington tampouco o extradita para que possa ser julgado na Venezuela, país cuja nacionalidade havia adotado durante o transcurso de seus feitos. Barack Obama, indigno prêmio Nobel da Paz, protege os carrascos de nossos povos até o fim de suas vidas enquanto mantém preso, em condições que não se aplicam nem a um assassino em série, os cinco lutadores antiterroristas cubanos.
Gesto ignominioso o de Obama, mas que tem um longínquo antecedente: em 1962, logo depois da derrota sofrida pelo exército invasor recrutado, organizado, treinado, armado e financiado pelos EUA, os prisioneiros que haviam sido capturados pelas milícias revolucionárias cubanas foram devolvidos aos EUA para serem recebidos e homenageados – sim, homenageados! – por outro "progressista", o presidente John F. Kennedy! O procurador geral dos EUA, Robert Kennedy, para não ficar atrás de seu irmão mais velho, convidou essa verdadeira "Armada Brancaleone" de capangas e bandidos a se integrarem no exército norte-americano, o que foi aceito por grande parte deles.
Não surpreende, portanto, que periodicamente apareçam tenebrosas histórias de atrocidades e abusos perpetrados por soldados estadunidenses em diversas latitudes, as últimas conhecidas há apenas um par de semanas no Afeganistão, e antes em Abu Ghraib; ou que durante a administração Reagan – um dos piores criminosos de guerra dos EUA, segundo Noam Chomsky – um coronel do Marine Corps e assessor do Conselho de Segurança Nacional, Oliver North, tivesse organizado uma rede de narcotraficantes e vendedores de armas desde seu escritório situado a poucos metros do Salão Oval da Casa Branca, a fim de financiar os "contras" da Nicarágua. A coisa não ficou feia para North depois da explosão do escândalo: se livrou da cadeia e atualmente trabalha em vários programas da ultraconservadora cadeia televisiva Fox News Channel. Tais episódios revelam com eloqüência o clima moral que prevalece nas legiões imperiais...
A derrota da invasão mercenária, longe de aplacar o império, exacerbou ainda mais seus instintos assassinos: a resposta foi a preparação de novo plano, a Operação Mangosta, que contemplava a realização de numerosos atentados e sabotagens tendentes a desarticular a produção, destruir colheitas, incendiar canaviais, obstaculizar o transporte marítimo e o abastecimento da ilha e amedrontar os eventuais compradores de produtos cubanos, especialmente níquel. Em poucas palavras: preparar o que depois seria o infame bloqueio integral que Cuba sofre desde o início da Revolução.
Folga dizer, mas o povo cubano – patriótico, consciente e organizado, fiel herdeiro dos ensinamentos de Jose Martí – frustrou uma vez mais os miseráveis desígnios da Operação Mangosta. No dia seguinte do bombardeio aéreo de 15 de abril, na homenagem que o povo rendia a suas vítimas, Fidel proclamaria o caráter socialista da revolução cubana com as seguintes palavras: "Companheiros operários e camponeses: esta é a revolução socialista e democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes".
E em 19 de abril, na Baía dos Porcos, se daria o combate decisivo, que culminaria com a primeira derrota militar do imperialismo em terras americanas. A América Latina, e sua respiração contida ante essa clássica reedição do enfrentamento entre David e Golias, recebeu com imensa alegria a notícia da derrota das forças do império, e nossos povos terminaram se convencendo de que o socialismo não era uma ilusão, mas uma alternativa real. Outra história começava a ser escrita nessa parte do mundo.
Durante aquelas históricas jornadas, a camarilha contra-revolucionária estava à espera, em Miami, pronta para embarcar para Cuba assim que os invasores controlassem por 72 horas uma "zona liberada" que os permitisse se constituir em governo "provisório" e, a partir dali, solicitar o reconhecimento da Casa Branca e da OEA, além da ajuda militar dos EUA para derrotar a Revolução. Mas Fidel também sabia, e por isso sua voz de mando foi a de massacrar a invasão sem perder um minuto, coisa que efetivamente ocorreu. Parece que em Miami ainda estão esperando.
*Na historiografia hispânica, a batalha da Baía dos Porcos é conhecida como Batalla de Playa Girón.
Atilio Boron é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
FONTE: Correio da Cidadania
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