MINHA HISTÓRIA GILL WON OK, 83
RESUMO Desde 1992, todas as quartas-feiras, ao meio-dia, Gill Won Ok, 83, e outras idosas se revezam diante da Embaixada do Japão na Coreia do Sul. Protestam contra o uso de quase 200 mil coreanas como escravas sexuais durante o período de ocupação (1910-1945). Já foram 940 atos exigindo desculpas formais e reparação.
(...)Depoimento a
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO A SEUL (COREIA DO SUL)
Nasci em Pyongyang, que hoje é a capital da Coreia do Norte. Vivia com dois irmãos mais velhos e uma irmã mais nova. A minha mãe vendia peixe, e o meu pai era comerciante de chapéus e roupas.
Em 1941, quando tinha 13 anos, estava brincando com outras amigas quando coreanos pró-japoneses e soldados japoneses nos disseram que, se fossemos trabalhar em fábricas no Japão, ganharíamos muito dinheiro. Era uma criança, não sabia nada, e simplesmente segui os soldados. Fui sem falar com os meus pais e meus irmãos. Nunca mais os vi.
Na viagem, um soldado tentou me violar, mas eu não permiti, então ele me empurrou e me esmurrou [mostra uma cicatriz na cabeça]. Sangrei muito e desmaiei.
Em vez de ir ao Japão, fomos parar na China [também ocupada]. Vivíamos numa casa pertencente a uma senhora coreana onde apenas soldados japoneses podiam entrar. Todos os dias, tinha de manter relações sexuais com até 15 soldados, durante quatro anos. Era uma criança, não sabia nada.
Éramos constantemente espancadas. Todo fim de semana, nos examinavam para ver se tínhamos alguma doença venérea. Eles nos davam injeções de mercúrio; por causa disso, ficamos estéreis.
A PARTIDA
Um dia, os soldados desapareceram. Uma amiga me avisou que um navio partiria para a Coreia. Descemos em Incheon, um porto que fica na atual Coreia do Sul.
Quando chegamos, em 1945, o governo coreano deu algum dinheiro e comida. Não tinha como voltar para casa, as minhas amigas e eu nos escondíamos da sociedade, estávamos assustadas.
Tinha vergonha de mim mesma por ter sido escrava sexual dos japoneses, mesmo que não tenha sido minha culpa. Depois da Guerra da Coreia [1950-1953], ficou impossível voltar.
Não voltei a estudar. Para sobreviver, passei a vender ovos, milho e roupas em Incheon. Como não podia ter filhos, adotei uma criança. Hoje, ele tem 52 anos, é um pastor e tem dois filhos, também adotados. Vivi em Incheon por 40 anos, depois me mudei para Seul.
COMPENSAÇÃO
Há seis anos, moro neste abrigo com outras três "mulheres de conforto" [como os japoneses chamavam eufemisticamente as escravas sexuais]. Desde então, vou toda semana ao protesto diante da embaixada japonesa. Vou porque não quero que a história se repita, não quero que ninguém passe pelo que eu passei.
O governo da Coreia do Sul não se interessa por nós, eles nem sequer mencionam uma reparação. Na verdade, são pró-japoneses.
Eu fui esterilizada, nunca me casei, sou muito solitária, mas o governo nunca fez nada por nós.
O governo japonês não pede desculpas oficialmente porque eles acham que o governo sul-coreano é um escravo, que não somos uma grande nação.
Acho que tenho direito a ser compensada. Se o governo japonês se desculpar primeiro, a reparação virá. Mas sou velha e morrerei em breve, somos apenas 83 agora.
Talvez o Japão esteja esperando que nós todas morramos, porque somos testemunhas vivas.
Fonte: Folha de São Paulo, 05 de setembro de 2010.
RESUMO Desde 1992, todas as quartas-feiras, ao meio-dia, Gill Won Ok, 83, e outras idosas se revezam diante da Embaixada do Japão na Coreia do Sul. Protestam contra o uso de quase 200 mil coreanas como escravas sexuais durante o período de ocupação (1910-1945). Já foram 940 atos exigindo desculpas formais e reparação.
(...)Depoimento a
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO A SEUL (COREIA DO SUL)
Nasci em Pyongyang, que hoje é a capital da Coreia do Norte. Vivia com dois irmãos mais velhos e uma irmã mais nova. A minha mãe vendia peixe, e o meu pai era comerciante de chapéus e roupas.
Em 1941, quando tinha 13 anos, estava brincando com outras amigas quando coreanos pró-japoneses e soldados japoneses nos disseram que, se fossemos trabalhar em fábricas no Japão, ganharíamos muito dinheiro. Era uma criança, não sabia nada, e simplesmente segui os soldados. Fui sem falar com os meus pais e meus irmãos. Nunca mais os vi.
Na viagem, um soldado tentou me violar, mas eu não permiti, então ele me empurrou e me esmurrou [mostra uma cicatriz na cabeça]. Sangrei muito e desmaiei.
Em vez de ir ao Japão, fomos parar na China [também ocupada]. Vivíamos numa casa pertencente a uma senhora coreana onde apenas soldados japoneses podiam entrar. Todos os dias, tinha de manter relações sexuais com até 15 soldados, durante quatro anos. Era uma criança, não sabia nada.
Éramos constantemente espancadas. Todo fim de semana, nos examinavam para ver se tínhamos alguma doença venérea. Eles nos davam injeções de mercúrio; por causa disso, ficamos estéreis.
A PARTIDA
Um dia, os soldados desapareceram. Uma amiga me avisou que um navio partiria para a Coreia. Descemos em Incheon, um porto que fica na atual Coreia do Sul.
Quando chegamos, em 1945, o governo coreano deu algum dinheiro e comida. Não tinha como voltar para casa, as minhas amigas e eu nos escondíamos da sociedade, estávamos assustadas.
Tinha vergonha de mim mesma por ter sido escrava sexual dos japoneses, mesmo que não tenha sido minha culpa. Depois da Guerra da Coreia [1950-1953], ficou impossível voltar.
Não voltei a estudar. Para sobreviver, passei a vender ovos, milho e roupas em Incheon. Como não podia ter filhos, adotei uma criança. Hoje, ele tem 52 anos, é um pastor e tem dois filhos, também adotados. Vivi em Incheon por 40 anos, depois me mudei para Seul.
COMPENSAÇÃO
Há seis anos, moro neste abrigo com outras três "mulheres de conforto" [como os japoneses chamavam eufemisticamente as escravas sexuais]. Desde então, vou toda semana ao protesto diante da embaixada japonesa. Vou porque não quero que a história se repita, não quero que ninguém passe pelo que eu passei.
O governo da Coreia do Sul não se interessa por nós, eles nem sequer mencionam uma reparação. Na verdade, são pró-japoneses.
Eu fui esterilizada, nunca me casei, sou muito solitária, mas o governo nunca fez nada por nós.
O governo japonês não pede desculpas oficialmente porque eles acham que o governo sul-coreano é um escravo, que não somos uma grande nação.
Acho que tenho direito a ser compensada. Se o governo japonês se desculpar primeiro, a reparação virá. Mas sou velha e morrerei em breve, somos apenas 83 agora.
Talvez o Japão esteja esperando que nós todas morramos, porque somos testemunhas vivas.
Fonte: Folha de São Paulo, 05 de setembro de 2010.
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