Em entrevista a jornal italiano Rifondazione Comunista, vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera, fala sobre mudanças no país e defende socialismo como um processo de radicalização da democracia. (por Angela Nocioni)
- Você disse, na cerimônia de posse que o horizonte estatal será o socialismo. O quer isso quer dizer?
Linera: Que toda a sociedade política tende a se diluir na sociedade civil. Isto está começando a acontecer na Bolívia. Há uma ampliação da base da tomada de decisões que tem a ver com o país que se estão socializando. É um processo gradual e complexo, mas que está em andamento. É a idéia gramsciana do Estado integral: nós a estamos realizando. O horizonte socialista não é um tema que se decide por decreto. Na Bolívia, a questão da modernidade estatal está sendo assumida pelas classes populares e indígenas. Não era um caminho ineludível, mas avança nessa direção. Por causa da natureza social deste bloco dirigente, que pede redistribuição e igualdade, as decisões estão se socializando. O que é o socialismo, senão isto? É um processo de radicalização da democracia. Não estou falando de um método de produção pos-capitalista, estou falando de uma estrutura política que se funde permanentemente com a sociedade civil.
- Como pensa evitar que tudo isso desemboque em um capitalismo de Estado, em que reina a burocracia?
Linera: Através do exercício da hegemonia. Ao socialismo chegaremos por uma vida democrática. A própria realidade está mostrando que as classes populares e indígenas não querem suprimir o setor empresarial. Aqui se fazem acordos práticos em torno das necessidades das classes populares, promovendo por essa via a hegemonia. O exercício da hegemonia é a chave para não cair nem no capitalismo de Estado burocratizado, Nem o totalitarismo, porque se baseia na capacidade guiar material e moralmente setores sociais não populares.
Quem tentou de outra forma a expropriação da empresa, deu lugar a degenerações burocráticas. Aqui estamos incorporando os setores empresariais, golpeando evidentemente os interesses dos latifundiários e dos grandes investidores externos, mas com os outros setores estamos conseguindo. O socialismo não é um novo modo de produção, mas um regime estatal e uma modalidade de redistribuição da riqueza. Não queremos estatizar. A economia boliviana é feita de uma estrutura comunitária produtiva e de investimentos produtivos privados, muitos até estrangeiros.
- Como pensa incorporar ao seu projeto a extrema direita, que é maioria em Santa Cruz? Ela também faz parte da Bolívia, lhe odeia e não está lhe oferecendo um ramo de rosas.
Linera: O Estado já controla o núcleo econômico dessa região, mesmo que essas elites não querem admiti-lo ainda. Santa Cruz tinha três grandes fontes de poder econômico: a renda da terra vinculada a brasileiros, a peruanos, a coreanos, para produzir, o conjunto dos serviços da atividade petrolífera e o comércio. O Estado retomou o controle da terra e a redistribuiu. Foi alterada a estrutura da propriedade da terra em Santa Cruz. O Estado interveio junto aos pequenos produtores camponeses e tem, por exemplo, uma presença agora na cadeia produtiva da soja que vai para a exportação e o transporte. Quando chegamos controlávamos 0% da cadeia produtiva, agora 35%.
- Você está dizendo que a hegemonia passa por aí?
Linera: É um primeiro passo. A hegemonia não é uma questão só de palavras. É preciso a base material para realizá-la. O Estado entrou na produção dos hidrocarburetos. Está modificando a estrutura do poder econômico, em aliança com os pequenos produtores. No âmbito político- ideológico é a ascensão extraordinária del MAS, que passou de 25% a 41%. Em quatro anos o MAS dobrou o número de eleitores. Claro, ainda falta muito. Mas o controle dos latifundiários sobre a terra, terminou. Está em processo de construção gradual um novo bloco no poder. Alguns segmentos dos setores anteriormente dominantes começam a aderir a este núcleo. A hegemonia não é irreversível. Mas estes dados mostram uma expansão, um avanço de um novo bloco no poder, mesmo no Oriente do país. Por isso Santa Cruz não contradiz o que estou lhe dizendo, mas um exemplo de como se está construindo a hegemonia.
- Você considera realmente que seja possível construir a igualdade sem afetar a liberdade individual? Como crê que vocês podem ter sucesso onde todos fracassaram?
Linera: É difícil. Mas a forte base comunitária camponesa deste processo ajuda, funciona com autoregulação interna. Nós aprendemos a arte de tecer da cultura indígena. A hegemonia não é uma garantia, mas um elemento importante para limitar tentações e riscos. Até agora fizemos sem impor expropriações, absorvendo tudo pelo caminho. É um império em decadência que tem problemas gravíssimos em outros lugares e um ambiente continental em transição, com políticas de superação do modelo neoliberal.
- Você vê concretamente políticas posneoliberais na América Latina?
Linera: Sim.
- Onde? Quais?
Linera: Não há um único modelo posneoliberal. Mas há um processo de desmantelamento do neoliberalismo em desenvolvimento, de modo disperso, com modalidades diversas no continente. Este modelo econômico na América Latina se impôs com três modalidades: conversão dos bens público em bens privados, anulação dos direitos sociais e conversão do aparato produtivo baseado nas exigências do mercado externo.
- E não continua da mesma maneira?
Linera: Em parte sim e em parte não. Quando no Brasil, na Venezuela, no Equador se realiza um incremento das políticas sociais com recursos públicos, não se liquida o neoliberalismo, mas se desfere um golpe na sua característica principal que é a redução ao mínimo da proteção do bem estar coletivo. Antes a regra era a anulação dos direitos dos trabalhadores e dos benefícios coletivos da cidadania, se deixava apenas algumas proteções na educação e alguma coisa na previdência dos setores privilegiados das indústrias mais importantes. Agora não se predica mais esse modelo.
- Tomemos a Venezuela. Lá está em desenvolvimento um processo de redistribuição da riqueza. Alguns se preocupam de produzir mais riqueza e depois distribuí-la melhor? As classes populares, na sua opinião, são de fato titules de um novo poder? Tem um presidente que se dirige a eles, quando fala, mas se vê uma verdadeira distribuição do poder? Há uma distribuição da riqueza, mas isto também a direita saber fazer, não?
Linera: A minha resposta será necessariamente geral. Há processos mais e menos avançados. A Bolívia me parece uma vanguarda, mas é um fato importante que em nenhuma parte do continente, salvo em algumas universidades ligadas a grandes empresas, ninguém reivindica mais o modelo neoliberal como horizonte. Claro que esse modelo continuará a existir por muito tempo, mas o apetite social de gera outro é evidente. Serão necessárias décadas. Este modelo começou nos anos 70 com Pinochet e triunfou nos anos 90. É preciso dar tempo aos processos históricos. É preciso ser generoso com a história.
- Você não tem medo dos efeitos sobre a Bolívia, de um eventual retorno de governos de direita nos países vizinhos?
Linera: Marx falava de ondas revolucionárias. E tinha razão. Os processos profundos, não apenas os políticos, mesmos os privados, não são nunca ascendentes. Avançam por ondas. Não vejo com dramaticidade a possibilidade que em dois ou três países se dê um passo atrás. A história se move em ciclos longos, não curtos. É preciso não ter uma visão contemplativa em relação aos processos históricos. Buscaremos um tipo de convivência fraternal entre Estados. Acho que no Chile a vitória da direita era previsível, mas eu sou muito otimista sobre a continuação do Partido dos Trabalhadores no governo do Brasil, na Argentina é muito mais complicado, no Peru no entanto é possível um avanço dos setores progressistas. O problema é na Argentina, ali o futuro é imprevisível.
- Mudaram as relações entre os EUA e a Bolívia com o governo Obama?
Linera: Na atitude e na linguagem, são melhores. Nos fatos concretos, não. Eles continuam a pensar que os valores deles são os únicos e são universais.
Você acha realmente que a direita do Oriente se deixará absorver? Não tem medo de um atentado?
Linera: É um risco grande. Não têm mais a força política para tentar uma secessão. O magnicidio é considerado por alguns setores como a única solução.
Tradução: Emir Sader
- Você disse, na cerimônia de posse que o horizonte estatal será o socialismo. O quer isso quer dizer?
Linera: Que toda a sociedade política tende a se diluir na sociedade civil. Isto está começando a acontecer na Bolívia. Há uma ampliação da base da tomada de decisões que tem a ver com o país que se estão socializando. É um processo gradual e complexo, mas que está em andamento. É a idéia gramsciana do Estado integral: nós a estamos realizando. O horizonte socialista não é um tema que se decide por decreto. Na Bolívia, a questão da modernidade estatal está sendo assumida pelas classes populares e indígenas. Não era um caminho ineludível, mas avança nessa direção. Por causa da natureza social deste bloco dirigente, que pede redistribuição e igualdade, as decisões estão se socializando. O que é o socialismo, senão isto? É um processo de radicalização da democracia. Não estou falando de um método de produção pos-capitalista, estou falando de uma estrutura política que se funde permanentemente com a sociedade civil.
- Como pensa evitar que tudo isso desemboque em um capitalismo de Estado, em que reina a burocracia?
Linera: Através do exercício da hegemonia. Ao socialismo chegaremos por uma vida democrática. A própria realidade está mostrando que as classes populares e indígenas não querem suprimir o setor empresarial. Aqui se fazem acordos práticos em torno das necessidades das classes populares, promovendo por essa via a hegemonia. O exercício da hegemonia é a chave para não cair nem no capitalismo de Estado burocratizado, Nem o totalitarismo, porque se baseia na capacidade guiar material e moralmente setores sociais não populares.
Quem tentou de outra forma a expropriação da empresa, deu lugar a degenerações burocráticas. Aqui estamos incorporando os setores empresariais, golpeando evidentemente os interesses dos latifundiários e dos grandes investidores externos, mas com os outros setores estamos conseguindo. O socialismo não é um novo modo de produção, mas um regime estatal e uma modalidade de redistribuição da riqueza. Não queremos estatizar. A economia boliviana é feita de uma estrutura comunitária produtiva e de investimentos produtivos privados, muitos até estrangeiros.
- Como pensa incorporar ao seu projeto a extrema direita, que é maioria em Santa Cruz? Ela também faz parte da Bolívia, lhe odeia e não está lhe oferecendo um ramo de rosas.
Linera: O Estado já controla o núcleo econômico dessa região, mesmo que essas elites não querem admiti-lo ainda. Santa Cruz tinha três grandes fontes de poder econômico: a renda da terra vinculada a brasileiros, a peruanos, a coreanos, para produzir, o conjunto dos serviços da atividade petrolífera e o comércio. O Estado retomou o controle da terra e a redistribuiu. Foi alterada a estrutura da propriedade da terra em Santa Cruz. O Estado interveio junto aos pequenos produtores camponeses e tem, por exemplo, uma presença agora na cadeia produtiva da soja que vai para a exportação e o transporte. Quando chegamos controlávamos 0% da cadeia produtiva, agora 35%.
- Você está dizendo que a hegemonia passa por aí?
Linera: É um primeiro passo. A hegemonia não é uma questão só de palavras. É preciso a base material para realizá-la. O Estado entrou na produção dos hidrocarburetos. Está modificando a estrutura do poder econômico, em aliança com os pequenos produtores. No âmbito político- ideológico é a ascensão extraordinária del MAS, que passou de 25% a 41%. Em quatro anos o MAS dobrou o número de eleitores. Claro, ainda falta muito. Mas o controle dos latifundiários sobre a terra, terminou. Está em processo de construção gradual um novo bloco no poder. Alguns segmentos dos setores anteriormente dominantes começam a aderir a este núcleo. A hegemonia não é irreversível. Mas estes dados mostram uma expansão, um avanço de um novo bloco no poder, mesmo no Oriente do país. Por isso Santa Cruz não contradiz o que estou lhe dizendo, mas um exemplo de como se está construindo a hegemonia.
- Você considera realmente que seja possível construir a igualdade sem afetar a liberdade individual? Como crê que vocês podem ter sucesso onde todos fracassaram?
Linera: É difícil. Mas a forte base comunitária camponesa deste processo ajuda, funciona com autoregulação interna. Nós aprendemos a arte de tecer da cultura indígena. A hegemonia não é uma garantia, mas um elemento importante para limitar tentações e riscos. Até agora fizemos sem impor expropriações, absorvendo tudo pelo caminho. É um império em decadência que tem problemas gravíssimos em outros lugares e um ambiente continental em transição, com políticas de superação do modelo neoliberal.
- Você vê concretamente políticas posneoliberais na América Latina?
Linera: Sim.
- Onde? Quais?
Linera: Não há um único modelo posneoliberal. Mas há um processo de desmantelamento do neoliberalismo em desenvolvimento, de modo disperso, com modalidades diversas no continente. Este modelo econômico na América Latina se impôs com três modalidades: conversão dos bens público em bens privados, anulação dos direitos sociais e conversão do aparato produtivo baseado nas exigências do mercado externo.
- E não continua da mesma maneira?
Linera: Em parte sim e em parte não. Quando no Brasil, na Venezuela, no Equador se realiza um incremento das políticas sociais com recursos públicos, não se liquida o neoliberalismo, mas se desfere um golpe na sua característica principal que é a redução ao mínimo da proteção do bem estar coletivo. Antes a regra era a anulação dos direitos dos trabalhadores e dos benefícios coletivos da cidadania, se deixava apenas algumas proteções na educação e alguma coisa na previdência dos setores privilegiados das indústrias mais importantes. Agora não se predica mais esse modelo.
- Tomemos a Venezuela. Lá está em desenvolvimento um processo de redistribuição da riqueza. Alguns se preocupam de produzir mais riqueza e depois distribuí-la melhor? As classes populares, na sua opinião, são de fato titules de um novo poder? Tem um presidente que se dirige a eles, quando fala, mas se vê uma verdadeira distribuição do poder? Há uma distribuição da riqueza, mas isto também a direita saber fazer, não?
Linera: A minha resposta será necessariamente geral. Há processos mais e menos avançados. A Bolívia me parece uma vanguarda, mas é um fato importante que em nenhuma parte do continente, salvo em algumas universidades ligadas a grandes empresas, ninguém reivindica mais o modelo neoliberal como horizonte. Claro que esse modelo continuará a existir por muito tempo, mas o apetite social de gera outro é evidente. Serão necessárias décadas. Este modelo começou nos anos 70 com Pinochet e triunfou nos anos 90. É preciso dar tempo aos processos históricos. É preciso ser generoso com a história.
- Você não tem medo dos efeitos sobre a Bolívia, de um eventual retorno de governos de direita nos países vizinhos?
Linera: Marx falava de ondas revolucionárias. E tinha razão. Os processos profundos, não apenas os políticos, mesmos os privados, não são nunca ascendentes. Avançam por ondas. Não vejo com dramaticidade a possibilidade que em dois ou três países se dê um passo atrás. A história se move em ciclos longos, não curtos. É preciso não ter uma visão contemplativa em relação aos processos históricos. Buscaremos um tipo de convivência fraternal entre Estados. Acho que no Chile a vitória da direita era previsível, mas eu sou muito otimista sobre a continuação do Partido dos Trabalhadores no governo do Brasil, na Argentina é muito mais complicado, no Peru no entanto é possível um avanço dos setores progressistas. O problema é na Argentina, ali o futuro é imprevisível.
- Mudaram as relações entre os EUA e a Bolívia com o governo Obama?
Linera: Na atitude e na linguagem, são melhores. Nos fatos concretos, não. Eles continuam a pensar que os valores deles são os únicos e são universais.
Você acha realmente que a direita do Oriente se deixará absorver? Não tem medo de um atentado?
Linera: É um risco grande. Não têm mais a força política para tentar uma secessão. O magnicidio é considerado por alguns setores como a única solução.
Tradução: Emir Sader
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