sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Socialismo, contradições e perspectivas

Frei Betto *

O socialismo é estruturalmente mais justo que o capitalismo. Porém, em suas experiências reais não soube equacionar a questão da liberdade individual e corporativa. Cercado por nações e pressões capitalistas, o socialismo soviético cometeu o erro de abandonar o projeto originário de democracia proletária, baseado nos sovietes, para perpetuar a maldita herança da estrutura imperial czarista da Rússia, agora eufemisticamente denominada “centralismo democrático”.
Em países como a China é negada à nação a liberdade concedida ao capital. Ali o socialismo assumiu o caráter esdrúxulo de “capitalismo de Estado”, com todos os agravantes, como desigualdade social e bolsões de miséria e pobreza, superexploração do trabalho etc.
Não surpreende, pois, que o socialismo real tenha ruído na União Soviética, após 70 anos de vigência. O excessivo controle estatal criou situações paradoxais, como o pioneirismo dos russos na conquista do espaço. No entanto, não conseguiram oferecer à população bens de consumo elementares de qualidade, mercado varejista eficiente e uma pedagogia de formação dos propalados “homem e mulher novos”.
O socialismo caiu no engodo do capitalismo ao projetar o futuro da sociedade em termos de produção, distribuição e consumo. O objetivo dos dois sistemas se igualou, mudando apenas os meios: o primeiro, por força do estatismo; o segundo, a apropriação privada dos bens e do lucro.
O socialismo só se justifica, como sistema e proposta, na medida em que tem por objetivo, não o bom funcionamento da economia, e sim das relações humanas: a solidariedade, a cooperação, o respeito à dignidade do outro, o fim de discriminações e preconceitos, enfim, a prevalência dos bens infinitos sobre os bens finitos.
Nesse cenário, Cuba é uma exceção e um sinal de esperança. Trata-se de uma quádrupla ilha: geográfica, política (é o único país socialista da história do Ocidente), econômica (devido ao bloqueio imposto criminalmente pelo governo dos EUA) e órfã (com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, em 1989, perdeu o apoio da extinta União Soviética).
O regime cubano é destaque no que concerne à justiça social. Prova disso é o fato de ocupar o 51º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) estabelecido pela ONU (o Brasil é o 70º) e não apresentar bolsões de miséria (embora haja pobreza) nem abrigar uma casta de ricos e privilegiados. Se há quem se lance no mar na esperança de uma vida melhor nos EUA, isso se deve às exigências, nada atrativas, de se viver num sistema de partilha. Viver em Cuba é como habitar um mosteiro: a comunidade tem precedência sobre a individualidade. E se exige considerável altruísmo.
Quanto à liberdade individual, jamais foi negada aos cidadãos, exceto quando representou ameaça à segurança da Revolução ou significou empreendimentos econômicos sem o devido controle estatal. É inegável que o regime cubano teve, ao longo de cinco décadas (a Revolução completou 50 anos, em 1º de janeiro deste ano), suas fases de sectarismo, tributárias de sua aproximação com a União Soviética.
Porém, jamais as denominações religiosas foram proibidas, os templos fechados, os sacerdotes e pastores perseguidos por razões de fé. A visita do papa João Paulo II à Ilha, em 1998, e sua apreciação positiva sobre as conquistas da Revolução, mormente nas áreas de saúde e educação, o comprovam.
No entanto, o sistema cubano dá sinais de que poderá equacionar melhor a questão de socialismo e liberdade através de mecanismos mais democráticos de participação popular no governo, de interação entre Estado e organizações de massa, maior rotatividade no poder, para que as críticas ao regime possam chegar às instâncias superiores sem serem confundidas com manifestações contrarrevolucionárias.
Sobretudo na área econômica, Cuba terá de repensar seu modelo, facilitando à população acesso à produção e consumo de bens que englobam desde o pão da padaria da esquina às parcerias de empresas de economia mista com investimentos estrangeiros.
No socialismo não se trata de falar em “liberdade de” e sim em “liberdade para”, de modo que esse direito inalienável do ser humano não ceda aos vícios capitalistas que permitem que a liberdade de um se amplie em detrimento da liberdade de outros. O princípio “a cada um, segundo suas necessidades; de cada um, segundo suas possibilidades” deve nortear a construção de um futuro socialista em que o projeto comunitário seja, de fato, a condição de realização e felicidade pessoal e familiar.

*Frei Betto é escritor, autor de "Diário de Fernando - nos cárceres da ditadura militar brasileira", que a editora Rocco faz chegar este mês às livrarias.


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Fonte: Cuba Viva - Portal Nacional da Solidariedade Brasil/Cuba

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