Paulo Freire
São Paulo/Brasília, maio de 1987.
(...) Não basta dizer que a educação é um ato político assim como não basta dizer que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a politicidade da educação. Não posso pensar-me progressista se entendo o espaço da escola como algo meio neutro, com pouco ou quase nada a ver com a luta de classes, em que os alunos são vistos apenas como aprendizes de certos objetos de conhecimento aos quais empresto um poder mágico. Não posso reconhecer os limites da prática educativo-política em que me envolvo se não sei, se não estou claro em face de a favor de quem pratico. O a favor de quem pratico me situa num certo ângulo, que é de classe, em que diviso o contra quem pratico e, necessariamente, o por que pratico, isto é, o próprio sonho, o tipo de sociedade de cuja invenção gostaria de participar.
A compreensão crítica dos limites da prática [educativa] tem que ver com o problema do poder, que é de classe e tem que ver, por isso mesmo, com a questão da luta e do conflito de classes. Compreender o nível em que se acha a luta de classes em uma dada sociedade é indispensável è demarcação dos espaços, dos conteúdos da educação, do historicamente possível, portanto, dos limites da prática político-educativa. (...)
A leitura atenta e crítica da maior ou menor intensidade e profundidade com que o conflito de classes vai sendo vivido nos indica as formas de resistência possíveis das classes populares, em certo momento. (...) A luta de classes não se verifica apenas quando as classes trabalhadoras, mobilizando-se, organizando-se, lutam claramente, determinadamente, com suas lideranças, em defesa de seus interesses, mas, sobretudo, com vistas à superação do sistema capitalista. A luta de classes existe também, latente, às vezes escondida, oculta, expressando-se em diferentes formas de resistência ao poder das classes dominantes. (...)
Às vezes, a violência dos opressores e sua dominação se fazem tão profundas que geram em grandes setores das classes populares a elas submetidas uma espécie de cansaço existencial que, por sua vez, está associado ou se alonga no que venho chamando de anestesia histórica, em que se perde a idéia do amanhã como projeto. O amanhã vira o hoje repetindo-se, o hoje violento e perverso de sempre.
FONTE: FREIRE, Paulo. "Alfabetização como elemento de formação da cidadania". In: Política e Educação. 8 ed. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2007. pp. 48-52.
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