quarta-feira, 30 de março de 2016

PMDB JÁ TRAIU A DECISÃO DE ABANDONAR MINISTÉRIOS E CARGOS, REGISTRA REQUIÃO

O senador Roberto Requião ironizou a decisão do PMDB de deixar o governo federal, entregando ministérios e cargos, já que na sessão plenária do Senado desta terça-feira (29), a bancada do partido na Casa aprovou uma indicação do deputado Eduardo Cunha para a diretoria da Agência Nacional da Aviação Civil. Requião foi o único peemedebista a votar contra a indicação de Juliano Alcântara Noman para a ANAC, apadrinhado pelo presidente da Câmara, um dos líderes anti-Dilma.

Veja como Requião desmoralizou, horas depois de aprovado, o rompimento do PMDB com o governo federal. CLIQUE NO LINK ABAIXO.





segunda-feira, 28 de março de 2016

Fidel Castro critica discurso de Obama em Cuba: "não precisamos que o império nos dê nada"

Para o líder cubano, "palavras melosas" de presidente norte-americano desconsideram histórico de agressões dos EUA à ilha nos últimos 50 anos

Em artigo publicado pela imprensa cubana nesta segunda-feira (28/03), o líder cubano Fidel Castro comentou as declarações do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante sua histórica visita a Cuba, realizada na última semana.

No texto, intitulado “O irmão Obama”, Fidel reflete sobre a história das relações entre os dois países nos últimos 60 anos e critica as “palavras melosas” do presidente norte-americano em seu discurso realizado na última terça-feira (22/03) no Gran Teatro Alicia Alonso, em Havana.

O líder cubano Fidel Castro


Segundo Fidel, as declarações de Obama em prol de “esquecer o passado e olhar para o futuro” desconsideram o histórico de agressões dos EUA contra Cuba. “Depois de um bloqueio desapiedado que já dura quase 60 anos, e os que morreram nos ataques mercenários a barcos e portos cubanos, um avião comercial repleto de passageiros que explodiu em pleno voo, invasões mercenárias, múltiplos atos de violência e de força?”, questiona o líder cubano.

Fidel diz ter esperado uma “conduta correta” de Obama em Cuba, já que a “origem humilde” e a “inteligência natural” do presidente norte-americano “são evidentes”. Porém, diz o líder cubano, Obama falhou em não mencionar os povos nativos das Américas ao ressaltar a história compartilhada de Cuba e EUA com relação à escravidão dos povos africanos, tragédia formadora dos dois países.

Fidel também chama a atenção para o papel da Revolução Cubana na mitigação do racismo na ilha, assim como o auxílio às lutas de independência de países africanos como Angola, Moçambique e Guiné Bissau contra o “domínio colonial fascista de Portugal”.

“Que ninguém tenha a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e aos direitos, e à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura”, escreve Fidel sobre os termos da reaproximação entre Cuba e EUA, anunciada em dezembro de 2014 pelos governos dos dois países após 53 anos de ruptura.

“Advirto ademais que somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas materiais de que necessitamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não necessitamos que o império nos dê nada de presente. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso o compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivemos neste planeta”, conclui Fidel.

Leia abaixo a íntegra do artigo de Fidel Castro sobre a visita de Obama, traduzido para o português:



Os reis da Espanha nos trouxeram os conquistadores e donos, cujas impressões digitais ficaram nas faixas de terra entregues aos buscadores de ouro nas areias dos rios, uma forma abusiva e sufocante de exploração cujos vestígios se podem ver desde o ar em muitos lugares do país.

O turismo hoje, em grande parte, consiste em mostrar as delícias das paisagens e saborear os excelentes alimentos de nossos mares, e sempre que se compartilhe com o capital privado das grandes corporações estrangeiras, cujos lucros, se não atingem bilhões de dólares per capita, não são dignos de nenhuma atenção.

Já que me vi obrigado a mencionar o tema, devo acrescentar, principalmente para os jovens, que poucas pessoas se dão conta da importância de tal condição neste momento singular da história humana. Não direi que o tempo se perdeu, mas não vacilo em afirmar que não estamos suficientemente informados, nem vocês nem nós, dos conhecimentos e das consciências que deveríamos ter para enfrentar as realidades que nos desafiam. O primeiro a levar em conta é que nossas vidas são uma fração histórica de segundo, que ademais há que compartilhar com as necessidades vitais de todo ser humano. Uma das características deste é a tendência à supervalorização de seu papel, o que contrasta por outro lado com o número extraordinário de pessoas que encarnam os sonhos mais elevados.

Contudo, ninguém é bom ou mau por si mesmo. Nenhum de nós está desenhado para o papel que deve assumir na sociedade revolucionária. Em parte, os cubanos tivemos o privilégio de contar com o exemplo de José Martí. Pergunto-me inclusive se ele tinha que cair ou não em Dois Rios, quando disse “para mim é chegada a hora”, e fez carga contra as forças espanholas entrincheiradas em uma sólida linha de fogo. Não queria regressar aos Estados Unidos e não havia quem o fizesse regressar. Alguém arrancou algumas folhas de seu diário. Quem tem essa pérfida culpa, que foi sem dúvida obra de algum intrigante inescrupuloso? Conhecem-se as diferenças entre os chefes, mas jamais indisciplinas. “Quem tentar apropriar-se de Cuba recolherá o pó de seu solo afogado em sangue, se não perecer na luta”, declarou o glorioso líder negro Antonio Maceo. Reconhece-se igualmente em Máximo Gómez, o chefe militar mais disciplinado e discreto de nossa história.

Olhando a partir de outro ângulo, como não admirar-se com a indignação de Bonifácio Byrne quando, desde a distante embarcação que o trazia de volta a Cuba, ao divisar outra bandeira junto à da estrela solitária, declarou: “Minha bandeira é aquela que jamais foi mercenária…”, para acrescentar de imediato uma das mais belas frases que jamais escutei: “Mesmo que desfeita em pequenos pedaços, é minha bandeira … nossos mortos alçando os braços ainda saberão defendê-la!…”. Tampouco esquecerei as acesas palavras de Camilo Cienfuegos naquela noite, quando a várias dezenas de metros bazucas e metralhadoras de origem norte-americana, em mãos contrarrevolucionárias, apontavam para o terraço em que estávamos. Obama nasceu em agosto de 1961, como ele mesmo explicou. Mais de meio século transcorreria desde aquele momento.

Vejamos, contudo, como pensa hoje nosso o ilustre visitante:

“Vim aqui para deixar para trás os últimos vestígios da Guerra Fria nas Américas. Vim aqui estendendo a mão de amizade ao povo cubano”.

De imediato um dilúvio de conceitos, inteiramente novos para a maioria de nós:

“Ambos vivemos em um novo mundo colonizado por europeus”. Prosseguiu o presidente norte-americano. “Cuba, assim como os Estados Unidos, foi constituída por escravos trazidos da África; igualmente aos Estados Unidos, o povo cubano tem heranças em escravos e escravistas”.

As populações nativas não existem em absoluto na mente de Obama. Tampouco diz que a discriminação racial foi varrida pela Revolução; que a aposentadoria e o salário de todos os cubanos foram decretados por esta antes que o senhor Barack Obama completasse 10 anos. O odioso costume burguês e racista de contratar esbirros para que os cidadãos negros fossem expulsos de centros de recreação foi varrido pela Revolução Cubana. Esta passaria à história pela batalha que lutou em Angola contra o apartheid, pondo fim à presença de armas nucleares em um continente de mais de um bilhão de habitantes. Não era esse o objetivo de nossa solidariedade, mas ajudar os povos de Angola, Moçambique, Guiné Bissau e outros do domínio colonial fascista de Portugal.

Em 1961, apenas um ano e três meses depois do triunfo da Revolução, uma força mercenária com canhões e infantaria blindada, equipada com aviões, foi treinada e acompanhada por barcos de guerra e porta-aviões dos Estados Unidos, atacando de surpresa nosso país. Nada poderá justificar aquele traiçoeiro ataque que custou a nosso país centenas de baixas entre mortos e feridos. Da brigada de assalto pró-ianque, em nenhuma parte consta que se tivesse podido evacuar um só mercenário. Aviões ianques de combate foram apresentados ante as Nações Unidas como equipamentos cubanos sublevados.

É sobejamente conhecida a experiência militar e o poderio desse país. Na África creram igualmente que Cuba revolucionária seria facilmente posta fora de combate. O ataque pelo Sul de Angola por parte das brigadas motorizadas da África do Sul racista as leva até as proximidades de Luanda, a capital angolana. Ali se inicia uma luta que se prolongou não menos de 15 anos. Não falaria disto, a menos que tivesse o dever elementar de responder ao discurso de Obama no Gran Teatro Havana de Alicia Alonso.

Não tentarei tampouco dar detalhes, apenas enfatizar que ali se escreveu uma página honrosa da luta pela libertação do ser humano. De certa forma, eu desejava que a conduta de Obama fosse correta. Sua origem humilde e sua inteligência natural eram evidentes. Mandela ficou preso por toda a vida e se converteu em um gigante da luta pela dignidade humana. Um dia chegou a minhas mãos um exemplar do livro em que se narra parte da vida de Mandela e, que surpresa!: estava prefaciado por Barack Obama. Folheei rapidamente. Era incrível o tamanho da minúscula letra de Mandela precisando dados. Vale a pena ter conhecido homens como aquele.

Fidel Castro e Nelson Mandela em 1998, na África do Sul


Sobre o episódio da África do Sul devo assinalar outra experiência. Eu estava realmente interessado em conhecer mais detalhes sobre a forma com que os sul-africanos tinham adquirido as armas nucleares. Tinha apenas a informação muito precisa de que não passavam de 10 ou 12 bombas. Uma fonte segura seria o professor e pesquisador Piero Gleijeses, que havia redigido o texto de “Missões em conflito: Havana, Washington e África 1959-1976”; um trabalho excelente. Eu sabia que ele era a fonte mais segura do ocorrido e assim me comuniquei com ele; respondeu-me que não tinha mais falado do assunto, porque no texto tinha respondido às perguntas do companheiro Jorge Risquet, que fora embaixador ou colaborador cubano em Angola, muito amigo seu. Localizei Risquet; já em outras importantes ocupações, estava terminando um curso do qual lhe faltavam várias semanas. Essa tarefa coincidiu com uma viagem bastante recente de Piero a nosso país; eu havia avisado que Risquet já tinha certa idade e sua saúde não era ótima. Poucos dias depois ocorreu o que eu temia. Risquet piorou e faleceu. Quando Piero chegou não havia nada a fazer, exceto promessas, mas eu já havia obtido a informação sobre o que se relacionava com essa arma e a ajuda que a África do Sul racista tinha recebido de Reagan e Israel.

Não sei o que Obama terá a dizer agora sobre esta história. Ignoro se sabia ou não, embora seja muito duvidoso que não soubesse absolutamente nada. Minha modesta sugestão é que reflita e não trate agora de elaborar teorias sobre a política cubana.

Há uma questão importante:

Obama pronunciou um discurso em que utiliza as palavras mais adocicadas para expressar: “Já é hora de esquecermos o passado, deixemos o passado, miremos o futuro, miremo-lo juntos, um futuro de esperança. E não vai ser fácil, haverá desafios, e vamos dar tempo a estes; mas minha estada aqui me dá mais esperanças do que podemos fazer juntos como amigos, como família, como vizinhos, juntos”.

Supõe-se que cada um de nós corria o risco de um infarto ao escutar estas palavras do presidente dos Estados Unidos. Depois de um bloqueio desapiedado que já dura quase 60 anos, e os que morreram nos ataques mercenários a barcos e portos cubanos, um avião comercial repleto de passageiros que explodiu em pleno voo, invasões mercenárias, múltiplos atos de violência e de força?

Que ninguém tenha a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e aos direitos, e à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura.

Advirto ademais que somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas materiais de que necessitamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não necessitamos que o império nos dê nada de presente. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso o compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivemos neste planeta.

Fidel Castro Ruz, 27 de março de 2016, às 22h25.

Tradução para o português de José Reinaldo Carvalho, para o site Resistência.

FONTE: Opera Mundi

domingo, 27 de março de 2016

O que é um golpe de estado?

Alvaro Bianchi procura responder a questão do momento: o que é um golpe de estado?



Por Alvaro Bianchi

Discute-se muito a respeito da possibilidade de um golpe de estado no Brasil. Mas a discussão não deveria ignorar a necessidade de uma rigorosa conceitualização, nem a vasta bibliografia existente sobre o tema. Já no século XVII Gabriel Naudè definia o coup d’état como “aquelas ações arrojadas e extraordinárias que os príncipes são forçados a tomar em situações difíceis e desesperadas, contrariamente à lei comum, sem manter qualquer forma de ordem ou justiça, colocando de lado o interesse particular em benefício do bem público” (NAUDÈ, 1679, p. 110).

Em Naudè o coup d’état se confunde com a própria raison d’état. Em sua exposição considerava, por exemplo, que a perseguição aos huguenotes na noite de São Bartolomeu decretada pelo rei Carlos IX havia sido um golpe de estado, assim como o assassinato do duque de Guise por Henrique III e a proibição pelo imperador Tibério de que sua cunhada se casasse novamente e tivesse filhos que disputassem o trono. O livro de Naudè já oferece uma pista para uma definição de golpe de estado: um conceito eficaz de golpe de estado deve levar em conta seu sujeito e os excepcionais que este utiliza para conquistar o poder.

A inspiração de Naudè era fortemente maquiaveliana. Sua obra não tinha por objeto apenas a conquista do poder. Ela trata, também, das condições necessárias para sua manutenção. Assim como o secretario florentino, Naudè ainda não fazia aquela distinção propriamente moderna entre o príncipe e o Estado. Dai que o coup d’état apareça seja sempre retratado como uma conspiração palaciana e seu protagonista seja sempre o soberano. Trata-se de uma era de transição. Escrevendo contemporaneamente a Naudè, Thomas Hobbes insistiria nessa identificação entre o soberano e a sociedade política, mas em autores imediatamente posteriores, como John Locke o governante e o Estado já aparecem como duas entidades separadas.

A ideia de coup d’état foi usada com parcimônia pela literatura do séculos seguintes. A generalização na publicística da época do uso da ideia de coup d’état ocorreu na França apenas durante o século XIX. A historiografia desse século tendeu a interpretar a derrubada do Diretório e a instituição do Consulado por Napoleão Bonaparte, no 18 brumário do ano VIII como um golpe de estado. Depois, em alguns panfletos como naqueles de Jules Failly (1830), Jean-Baptiste Mesnard e Santo-Domingo (1830) os eventos que culminaram com a ascensão de Louis Philippe ao poder, em 1830, foram pensados como um coup d’état. Mas foi depois do golpe de Luís Bonaparte em 1851 que a literatura referente ao golpe de estado se difundiu. Karl Marx, com seu 18 brumário de Luís Bonaparte é o mais conhecido, mas a literatura existente sobre o golpe promovido pelo sobrinho de Napoleão é muito mais vasta. O próprio Marx lembra a respeito dois livros notáveis, um de Pierre-Joseph Proudhon (1852) e outro de Victor Hugo (1852).

Uma mudança conceitual importante ocorreu no século XIX. O uso da ideia de coup d’état na literatura política a partir do século XIX não tem por sujeito exclusivamente o soberano e os golpes retratados não tem seu lugar apenas nos palácios imperiais. A elevação de Napoleão à condição de primeiro-cônsul, por exemplo, foi tramada no interior do Conseil des Anciens e do Conseil des Cinq-Cents e foi decidida com a intervenção do exército. E seu sobrinho não teria conseguido realizar seus propósitos sem a mobilização do exército comandado pelo general Jacques Leroy de Saint Arnaud. Marx descreve os episódios que levaram a entronização de Luis Bonaparte como uma série de golpes e contragolpes. A lei que a Assembleia preparava definindo as responsabilidades do presidente da República foi descrita, por exemplo, como um golpe (MARX, 2011 [1852], p. 51). Também são descritos como “coup d’état da burguesia” a lei eleitoral de 31 de março de 1850, a qual restringia a participação popular, e a lei de imprensa, a qual baniu proscreveu os jornais revolucionários (MARX, 2011 [1852], p. 86).

A literatura do século XIX sobre o golpe de estado distingue-se do modelo apresentado por Naudè. Naquelas obras que tem por objeto o golpe de Luís Bonaparte, evidentemente o sujeito da ação ainda é o soberano. Mas as condições nas quais o golpe se efetivou foram mais complexas do que aquelas existentes nas conspirações palacianas e o número de atores envolvidos era maior. A trama que resulta no coup d’état é, assim, mais intrincada e envolve atores que estão fora do palácio, em especial aqueles que se encontram na Assembleia Nacional e sem os quais o golpe não seria possível.

Militares e burocratas                   

Uma pesquisa com o aplicativo Ngram Viewer do Google Books permite vislumbrar a evolução do uso da expressão coup d‘etat. O aplicativo busca e quantifica palavras ou expressões indicando a fração percentual delas no total do corpus de livros. Não é um mecanismo muito preciso porque o corpus apresenta lacunas. Quando feita a pesquisa em livros em francês, por exemplo, a expressão não aparece nenhuma vez entre 1850 e 1876, quando uma simples busca de livros por título na Biblioteca Nacional Francesa já indica mais de 150 obras com a expressão. Mas quando se faz a busca no corpus em inglês o resultado é muito interessante, como se pode ver no gráfico abaixo:



Como se pode ver no gráfico, a partir da Primeira Guerra Mundial há um uso cada vez mais intenso da expressão coup d’etat na bibliografia em inglês. Com a exceção de um declínio durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos imediatamente posteriores o crescimento é contínuo até 1969, seguindo-se por uma acentuado queda nos anos posteriores. Essa queda é simétrica aquela que a expressão dictactorship apresenta nos mesmos anos e coincidiria de certa maneira com aquilo que Samuel Huntington (1991) chamou de terceira onda de democratização, a qual teria ocorrido a partir de 1974.

Além de acompanhar o uso da expressão é importante compreender os sentidos que ela passou a assumir no século XX. Na obra clássica do escritor Curzio Malaparte, Technique du coup d’état (1981 [1931]), também ela inspirada em Machiavelli, o golpe de estado é o próprio ato de conquista do poder político. Malaparte generaliza o conceito, concebendo o golpe de estado como um momento da revolução e da contrarrevolução. O livro provocou a ira de Leon Trotsky o qual era amplamente citado como um dos artífices do golpe de estado que teria levado os bolcheviques ao poder.

Mas a literatura que se debruçou sobre os golpes de estado da segunda metade do século XX achou por bem distinguir o coup d’état da revolução. É o caso, por exemplo do livro de Edward Luttwak, Coup d’etat: a practical handbook (1969). Luttwak é um conservador, especialista em assuntos militares e já trabalhou como consultor do Departamento de Estado nos Estados Unidos. Seu livro sobre o golpe de estado foi interpretado por muitos como uma manual prático para a realização de um golpe. Mas como ele mesmo alerta ironicamente se fosse isso o livro não serviria de muita coisa. No único caso em que foi comprovado seu uso o golpe fracassou e seu protagonista foi preso e executado (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 19).

Logo no início de seu livro, Luttwak define o golpe de estado como um fenômeno moderno, decorrente da “ascensão do Estado moderno com sua burocracia profissional e suas forças armadas” (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 23). O golpe se distinguiria da revolução palaciana, a qual estaria relacionada, exclusivamente, à pessoa do governante. Segundo Luttwak, “o golpe é algo muito mais democrático. Pode ser conduzido ‘de fora’ e opera naquela área fora do governo mas dentro do Estado, que é formada pelo funcionalismo público permanente, pelas foras armadas e a polícia. O objetivo é desligar os funcionários permanentes do Estado da liderança política” (LUTTWAK, 1991 [1969], p. 23).

A diferença entre o golpe a revolução estaria no sujeito desses processos. Enquanto o coup d’état tem por sujeito a burocracia estatal, a revolução tem como protagonista as “massas populares”. Destaque-se que Luttwak considera o golpe de estado não é uma técnica apropriada para uma orientação política particular, ou seja, o golpe é uma tática “politicamente neutra” de conquista do poder político e são bastante frequentes os casos de golpes de estado levados a cabo por setores progressistas ou nacionalistas do aparelho estatal.

No século XX a forma predominante foi a do “pronunciamento”, o golpe de estado promovido pelos militares. Em suas origens no século XIC a forma do pronunciamento estava frequentemente associada a movimentos liberais e o propósito do golpe era expressar a “vontade geral” contra o governo. Mas com o passar do tempo esta forma adquiriu contornos mais conservadores, e o golpe passou a ser visto como a manifestação da “vontade real”, de uma estrutura espiritual duradoura que nem sempre coincidiria com a opinião pública e que teria como guardiã uma instituição igualmente duradoura, o exército (ver, p. ex. LUTTWAK, 1991 [1969], p. 28).

Ainda assim, Luttwak assinala as diversas ocasiões entre 1945 e 1978 nas quais o golpe teria tido como protagonistas frações políticas ou militares “esquerdistas”. É o caso dos golpes fracassados de 1959 no Iraque, 1960 na Guatemala, 1966 no Egito, 1966 no Sudão, 1968 no Iemen, 1971 no Madagascar e 1972 na República Popular do Congo. Haveria ainda o golpe bem sucedido de uma “facção esquerdista” do exército Sírio em 1966 e o golpe promovido pelos comunistas na Tchecoslováquia em 1948 (cf. LUTTWAK, 1991 [1969], Tabela II). Embora o conceito de esquerda que o autor utiliza possa ser questionado esses eventos, nos quais geralmente facções nacionalistas e modernizantes do exército tiveram o protagonismo já são suficientes para questionar a hipótese de que o que define um golpe de estado é seu caráter reacionário.[1]

Repensando o conceito

A maior parte dos golpes de estado inventariados por Luttwak tiveram por protagonistas facções do exército e seu livro considera o golpe predominantemente como uma operação militar tática. O golpe militar é, sem dúvida, a forma predominante durante o século XX. Isso fez com que muitas vezes o copu d’état fosse identificado exclusivamente com sua variante militar. É o que ocorre na definição que David Robertson oferece em The Routdlege Dictionary of Politics: “Coup d’état descreve a derrubada repentina e violenta de um governo, quase invariavelmente por militares ou com a ajuda de militares” (ROBERTSON, 2004, p. 125).

Mas a uma definição tão limitada não permite considerar a hipótese de golpes promovidos por grupos do poder Legislativo ou Judiciário ou por uma combinação de vários grupos e facções. Esse parece ser o caso brasileiro em 1964, quando a mobilização militar encontrou o respaldo no Senado, que “vaga a Presidência da República” e no Supremo Tribunal Federal, que realizou uma sessão na madrugada do dia 3 de abril para empossar Ranieri Mazzili na presidência da República. Recentemente, os golpes que derrubaram Manuel Zelaya em Honduras, no ano de 2009, e Fernando Lugo no Paraguai, em 2012, tiveram por protagonistas facções do poder Legislativo. O conceito precisa, portanto, ser alargado. Aquela ideia inicial de Naudè pode ser retomada com esse propósito, mas como um ponto de partida. O conceito deve deixar claro quem é o protagonista daquilo que se chama coup d’état, os meios que caracterizam a ação e os fins desejados.

O sujeito do golpe de estado moderno é, como Luttwak destacou, uma fração da burocracia estatal. O golpe de estado não é um golpe no Estado ou contra o Estado. Seu protagonista se encontra no interior do próprio Estado, podendo ser, inclusive, o próprio governante. Os meios são excepcionais, ou seja, não são característicos do funcionamento regular das instituições políticas. Tais meios se caracterizam pela excepcionalidade dos procedimentos e dos recursos mobilizados. O fim é a mudança institucional, uma alteração radical na distribuição de poder entre as instituições políticas, podendo ou não haver a troca dos governantes. Sinteticamente, golpe de estado é uma mudança institucional promovida sob a direção de uma fração do aparelho de Estado que utiliza para tal de  medidas e recursos excepcionais que não fazem parte das regras usuais do jogo político.

Também aqui o espírito de Machiavelli se faz presente. Compreender o que é um golpe de estado é o primeiro passo para poder enfrenta-lo. Substituir o conceito por slogans pode ter efeitos positivos para a mobilização das pessoas. Mas não é um recurso que permita compreender a realidade presente. A própria mobilização obtida é, por essa razão, incapaz de uma ação política eficaz. Frequentemente ela aponta para a direção errada. Um componente importante da atual crise da esquerda está em sua recusa a compreender a realidade. Prefere sempre a comodidade das antigas fórmulas. A análise torna-se, assim, serva da política. Mas sem o controle do pessimismo do intelecto, o otimismo da vontade transforma-se em ativismo verbal. E às vésperas de um coup d’état no Brasil, o que não tem faltado é esse inócuo ativismo verbal.

Referências bibliográficas

AUGERAUD, W.  Le coup d’état du 18 brumaire et ses conséquences. Bruxelles: J.-H. Briard. 1853.

FAILLY, Jules. Jugement du coup d’état et de la Révolution de 1830. Paris: Delaunay, 1830.

GABRIEL, Alexandre. Le coup d’Etat de décembre 1851 dans le Var. Draguignan: imp. de Gimbert fils, Giraud ,1878

HUGO, Victor. Napoléon le Petit. Bruxelles: A Mertens, 1852.

HUNTINGTON, Samuel P. The third wave: democratization in the late twentieth century. Norman: University of Oklahoma, 1991.

LUTTWAK, Edward. Golpe de Estado: um manual pratico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1991 [1969].

MALAPARTE, Curzio. Técnica do golpe de estado. Lisboa: Europa-América, 1983.

MARX, Karl. O 18 brumário de Luís Bonaparte. Prólogo de Herbert Marcuse. São Paulo, SP: Boitempo, 2011 [1952].

MESNARD, Jean-Baptiste. Le Coup d’état et la Révolution. Paris: de Selligue. 1830

NAUDÉ, Gabriel. Considérations politiques sur les coups d’Estat. Paris: s.e., 1679.

PROUDHON, Pierre-Joseph. La Révolution sociale démontrée par le coup d’état du 2 décembre. 2 ed. Paris: Garnier frères 1852.

ROBERTSON, David. The Routledge Dictionary of Politics. 3 ed. London: Routledge, 2004.

SANTO-DOMINGO, Joseph-Hippolyte de. Les Prêtres instigateurs du coup d’état, ce qu’ils ont fait, ce qu’ils auraient fait, ce qu’ils peuvent faire. Paris: A.-J.,1830.

TÉNOT, Eugène. Paris en décembre 1851: étude historique sur le coup d’état (5e édition). Paris: Le Chevalier, 1868

Nota

[1] Poderíamos acrescentar que, de acordo com o conceito de Luttwak, os levantes militares de 1922 e 1924 e até mesmo o putsch comunista de 1935 no Brasil seriam golpes de estado fracassados promovidos por “facções esquerdistas do exército”, enquanto a chamada Revolução de 1930 seria um golpe bem sucedido promovido pela mesma fração.

FONTE: Blog Junho

Brasil já teve 1.500 línguas indígenas; hoje tem apenas 181 vivas

Do UOL*, em São Paulo 25/03/2016



O Brasil de 500 anos atrás tinha mais de 1.500 línguas faladas no território. Após a chegada dos europeus, elas acabaram sendo extintas gradativamente. Hoje o país conta com apenas 181 línguas indígenas. Pesquisas universitárias tentam preservar esse patrimônio linguístico e cultural.

Mutua Mehinaku, mestre em antropologia social no Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e estudante do pluralismo linguístico no Alto Xingu, é descendente dos Kuikuro, um dos povos cuja língua materna corre o risco de desaparecer. De acordo com ele, 700 índios falam kuikuro, sendo que os critérios internacionais determinam que uma língua corre risco de extinção se falada por menos de mil pessoas.

"Se comparada a outras línguas indígenas, faladas por algumas dezenas de pessoas e com poucos estudos a respeito, a nossa está relativamente segura. Mas, quando se trata de um patrimônio tão importante e sensível quanto a sua cultura, é preciso se cercar de cuidados para que ele não siga ameaçado. Por isso as pesquisas na área são tão importantes", disse.

De acordo com Angel Humberto Corbera Mori, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a cada duas semanas pelo menos uma língua desaparece no mundo. No Brasil, recentemente, morreu a última falante da língua indígena xipaia, em Altamira, no Pará, e apenas dois anciões falam guató, vivendo em lugares diferentes e que não se comunicam entre si devido a distância. Para o pesquisador, a extinção dessas línguas representa também o desaparecimento de diversos conhecimentos acumulados ao longo de séculos.

Neologismos contra a extinção

Segundo Mori, se no período a colonização as línguas indígenas desapareciam junto com seus povos, dizimados por doenças trazidas pelos colonizadores e pelo extermínio direto, hoje o maior risco que enfrentam é o contato direto com o idioma português.

"Passei a me aprofundar na língua que falamos para entender como o surgimento dessas palavras estrangeiras poderia comprometê-la. É diferente um idioma amplamente falado sofrer influência de outro. Quando somente algumas centenas falam essa língua, o risco de essa influência contribuir para sua extinção é grande"

Mutua Mehinaku

O pesquisador se dedicou, então, a o que seu povo chama de tetsualü – em kuikuro, qualquer mistura. Segundo ele, o princípio do tetsualü ganhou novo sentido e outra complexidade com a entrada do português nas línguas e na vida das aldeias do Alto Xingu, levando ao surgimento de neologismos em kuikuro, como o uso da palavra pagaka para se referir a "barraca", pasia para "bacia" e pisa para "pinça".

"Esses neologismos sofreram influência do português, mas são kuikuro. É a língua se reinventando e permanecendo viva", destacou.

Pesquisas

Em outra frente de pesquisa, cientistas trabalham no desvendamento do passado das línguas indígenas para entender como elas se formaram e, como consequência, ajudar no desenvolvimento de estratégias para sua preservação.

Giuseppe Longobardi, do Departamento de Linguística da Universidade de York, na Inglaterra, desenvolveu um método para comparar, com a ajuda de softwares, sistemas sintáticos de línguas diferentes, estabelecendo eventuais parentescos entre elas: o PCM (Parametric Comparison Method).

O método foi experimentado com uma língua guaikuru e outra karib, ambas de tradição oral, comprovando-se eficiente mesmo na ausência de registros escritos. Para compensar essa falta, os pesquisadores desenvolveram um questionário de gramática que auxilia na coleta dos dados gramaticais diretamente com os índios, muitos deles professores das línguas em suas tribos.

*(Com Agência Fapesp)


sábado, 26 de março de 2016

Esquema de propina da Odebrecht funcionava desde governo Sarney

Pedro Lopes*
Do UOL, em São Paulo

Prédio onde fica a sede da construtora Odebrecht, em São Paulo
A 26ª fase da operação Lava Jato expôs, na última terça-feira (22), a existência de um "departamento de propina" na empreiteira Odebrecht, que teria sido utilizado para movimentar altas somas de dinheiro em pagamentos ilícitos para agentes públicos e políticos principalmente em 2014. O esquema, no entanto, pode ser muito mais antigo. Documentos mostram que, durante o mandato presidencial de José Sarney (1985-1990), procedimentos bem semelhantes aos apontados pelos investigadores da Lava Jato envolviam 516 agentes públicos, empresários, empresas, instituições e políticos. Entre eles, há ex-ministros, senadores, deputados, governadores, integrantes de partidos como PSDB, PMDB e PFL (atual DEM).

O UOL teve acesso a quase 400 documentos internos da empreiteira, a maioria datada de 1988, detalhando remessas e propinas a diversos políticos. A documentação estava de posse de uma ex-funcionária da Odebrecht. Como no esquema divulgado pela Lava Jato na terça-feira (22), eram utilizados codinomes para os receptores dos pagamentos e as propinas eram calculadas a partir de percentuais dos valores de obras da empreiteira nas quais os agentes públicos estavam envolvidos.

A Odebrecht afirmou "que não se manifestará sobre o tema". Todos os políticos ouvidos negaram qualquer envolvimento em esquema de propinas com a construtora.

Chamada "Relação de Parceiros", a lista cita nomes de políticos com respectivos codinomes


Na documentação chamada "Livro de Códigos", havia uma lista, batizada de "Relação de Parceiros", que detalha os codinomes de políticos, agentes públicos e empresários relacionados às obras da Odebrecht nas quais teriam atuado.

Um dos nomes que aparecem é de Antonio Imbassahy, atual deputado federal pelo PSDB – que tinha o codinome "Almofadinha", e estaria relacionado à obra da barragem de Pedra do Cavalo, na Bahia. Imbassahy presidiu a Desenvale (Companhia do Vale do Paraguaçu) nos anos 1980, quando era filiado ao PFL. A Desenvale foi o órgão público responsável pela obra de Pedra do Cavalo.

Anotações revelam pagamentos de propinas
pela Odebrecht desde os anos 80, afirma ex-funcionária
Também do PSDB, Arthur Virgílio, atual prefeito de Manaus, recebe o codinome "Arvir". Do PMDB, são citados Jader Barbalho ("Whisky"), atualmente senador, ligado à obra da BR-163, no Pará, e o ex-ministro de Minas e Energia, senador Edison Lobão ("Sonlo"). Os filhos do ex-presidente José Sarney, Fernando e José Filho, aparecem com os codinomes "Filhão" e "Filhote"; Roseana Sarney, como seu nome de casada, "Roseana Murad", aparece como "Princesa".

Na lista, está também o ex-presidente e atualmente senador recém-desfiliado do PTB, Fernando Collor de Mello ("Mel"), relacionado a um emissário submarino construido na década de 1980, quando ele era governador de Alagoas. Há também o nome de Aroldo Cedraz, atual presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), de codinome "Toldo" e ligado à obra adutora do Sesal – ele ocupava na época os cargos de presidente da Cerb (Companhia de Engenharia Rural da Bahia) e de secretário de Recursos Hídricos e Irrigação da Bahia.

O já falecido ex-deputado federal e governador do Mato Grosso, Dante Oliveira (1952-2006), que ficou famoso como o autor do projeto que pedia eleições diretas para presidente nos anos 1980, tinha o apelido "Ceguinho" e estaria relacionado a obras de canais em Cuiabá, cidade onde foi prefeito por três mandatos.

"Esquema sempre existiu, sempre foi esse"

"O esquema naquela época era mais ou menos como esse divulgado essa semana, só não tão organizado assim. Esse esquema de propina, de fraudar licitações, sempre existiu na empresa. Aliás em todas as grandes, o esquema sempre foi esse", explica Conceição Andrade, ex-funcionária da empresa e que trabalhou no departamento responsável pelos pagamentos – a antecessora de Maria Lúcia Tavares, que delatou o esquema atual na Lava Jato.

"Eram porcentagens de valores das obras. Era feito o fechamento, e determinava um percentual. A partir daí ocorria o superfaturamento e o pagamento. Tudo isso era feito através de transações bancárias e dinheiro. É bem semelhante ao que foi divulgado na Lava Jato, mas hoje tem um departamento específico para isso. Naquela época era feito em nível de gerência, mas acredito que tenha funcionado em diretoria e presidência também", completa Conceição.

Lista com 516 nomes cita políticos, a exemplo do senador Edison Lobão (PMDB-MA)


"Quando fui demitida e peguei os pertences pessoais, esses documentos estavam no meio da caixa, acabaram vindo junto. As pessoas recomendaram que me desfizesse, mas achei bom guardar. É preciso traçar um paralelo, mostrar que isso é antigo. Alguns desses crimes podem até estar prescritos, mas isso tudo mostra que o esquema vem de bem antes. A saída é reforma, não é demonizar o PT", explica a ex-funcionária.

Investigação

Em 2015, Conceição encaminhou toda a documentação detalhando as propinas para o deputado federal Jorge Solla (PT-BA). Solla apresentou tudo em dois âmbitos: na Polícia Federal e na CPI da Petrobras.

Os documentos foram entregues ao delegado Bráulio Galloni, que, por sua vez, remeteu tudo para Curitiba, sede da força-tarefa da Lava Jato. Atualmente, estão na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal.

Outro Lado

O deputado federal Antonio Imbassahy afirmou que é "um despropósito" a menção ao seu nome na "Relação de Parceiros" da Odebrecht. "Como homem público sempre tive uma relação baseada na decência com a Odebrecht e com qualquer empresa."

O prefeito de Manaus, Artur Virgílio Neto, enviou nota ao UOL, na qual afirma:

"Meu pai, que tinha nome igual ao meu, era, nessa época, um simples senador cassado. Eu era um ex-deputado, prefeito de Manaus entre 1989 e 1992, distante dos governos federais desse período, que nunca se relacionou com a empresa Odebrecht.

Não fui e não sou parceiro de empresas e, em meio a esse charco todo, sempre me mantive nos limites da seriedade pública.

Considero no mínimo precipitada a formulação da pergunta sobre "propina". Equivaleria a eu perguntar ao jornalista se ele vende opinião em matérias ou artigos. Perdoe-me a dureza, mas sou cioso do patrimônio de honradez que herdei e que transmito aos meus filhos.

Desviar o foco dessa lama que vem cobrindo o Brasil pode terminar servindo de válvula de escape para os que têm culpa real nos desmandos éticos que desmoralizam o Brasil.

Nos meus dois mandatos de prefeito, não houve nenhuma obra dessa empresa [Odebrecht]. Espero, sinceramente, que um veículo do peso e da respeitabilidade de vocês saiba respeitar a honra de quem a possui."

Advogado responde por Lobão e Sarney

O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, negou que seus clientes, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) e a ex-governadora Roseana Sarney, tenham cometido qualquer ato ilícito.

"O Brasil passa por um momento de criminalização da política. Isto é muito grave. Vamos afastar da atividade política, que é essencial para qualquer país, as pessoas de bem. E a delação passou a ser prova para incriminar, sem sequer investigar. Um país punitivo não serve para a democracia. A palavra do delator normalmente é falsa e estranhamente seletiva."

O UOL entrou em contato com o assessor de imprensa de Collor, que informou não ter conseguido contato com o gabinete dele em Brasília. A reportagem ligou para os telefones do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e de seus assessores, mas ninguém atendeu aos telefonemas. A assessoria do TCU não respondeu aos questionamentos da reportagem. O UOL não conseguiu contato com Fernando Sarney e José Sarney Filho.

*Colaboraram Flávio Costa, Fabiana Maranhão e Ricardo Marchesan



sexta-feira, 25 de março de 2016

América Latina na hora do lumpen-capitalismo

Ilusões progressistas devoradas pela crise



A conjuntura global é marcada por uma crise deflacionária motorizada pela grandes potências. A queda dos preços das commodities, cujo aspecto mais saliente foi, desde meados de 2014, o das cotações de petróleo, revela o desinchar da procura internacional enquanto ao mesmo tempo estanca-se a onda financeira, muleta estratégica do sistema durante as últimas quatro décadas. A crise da financiarização da economia mundial vai entrando de maneira zigzagueante numa zona de depressão. As principais economias capitalistas tradicionais crescem pouco ou nada [1] e a China desacelera rapidamente. Frente a isto o ocidente recorre ao seu último recurso: o aparelho de intervenção militar integrando componentes armados profissionais e mercenários, mediáticos e mafiosos, articulados como "Guerra de Quarta Geração" destinada a destruir sociedades periféricas para convertê-las em zonas de saqueios. É a radicalização de um fenómeno de longa duração de decadência sistémica onde o parasitismo financeiro e militar foi-se convertendo no centro hegemónico do ocidente. 

Não presenciamos a "recomposição" política-económica-militar do sistema, tal como se verificou com a reconversão keynesiana (militarizada) dos anos 1940 e 1950, e sim a sua degradação geral. A mutação parasitária do capitalismo converte-o num sistema de destruição de forças produtivas, do meio ambiente e de estruturas institucionais onde as velhas burguesias vão-se transformando em círculos de bandidos, nova ascensão planetária de lumpen-burguesias centrais e periféricas. 

O declínio do progressismo 

Imersa neste mundo desdobra-se a conjuntura latino-americana onde convergem dois factos notáveis: o declínio das experiências progressistas e a prolonga degradação do neoliberalismo que as antecedeu e as acompanhou a partir de países que não entraram nessa corrente, da qual agora esse neoliberalismo degradado surge como o sucessor. 

Os progressismos latino-americanos instalaram-se em cima da base dos desgastes, e em certos casos da crise, dos regimes neoliberais. E quando chegaram ao governo os bons preços internacionais das matérias-primas, somados a políticas de expansão dos mercados internos, puderam recompor a governabilidade. 

A ascensão progressista apoiou-se em duas impotências. A das direitas que não podiam assegurar a governabilidade, em alguns casos colapsadas (Bolívia em 2005, Argentina em 2001-2002, Equador em 2006, Venezuela em 1998) ou gravemente deterioradas em outros casos (Brasil, Uruguai, Paraguai). A outra impotência foi a das bases populares que derrubaram governos, desgastaram regimes, mas que inclusive nos processos mais radicalizados não puderam impor revoluções, transformações que fossem mais além da reprodução das estruturas de dominação existentes. 

Nos casos da Bolívia e Venezuela os discursos revolucionários foram acompanhados de práticas reformistas praguejadas de contradições, anunciavam-se grandes transformações mas as iniciativas embrulhavam-se em infinitas idas e vindas, ameaças, desacelerações "realistas" e outras astúcias que exprimiam o temor profundo a saltar as valas do capitalismo. Isso não só possibilitou a recomposição das direitas como também a proliferação a nível estatal de podridões de todo tipo, grandes e pequenas corrupções. 

A Venezuela surge como o caso mais evidente de mistura de discursos revolucionários, desordem operacional, transformações a meio caminho e auto-bloqueios ideológicos conservadores. Não se conseguiu encaminhar a transição revolucionária proclamada (muito pelo contrário) ainda que se tenha conseguido tornar caótico o funcionamento de um capitalismo estigmatizado mas de pé. Obviamente os Estados Unidos promovem e aproveitam esta situação para avançar na sua estratégia de reconquista do país. O resultado é uma recessão cada vez mais grave, uma inflação descontrolada, importações fraudulentas maciças que agravam a escassez de produtos e a evasão de divisas que marcam uma economia em crise aguda [2] . 

No Brasil, o zigzaguear entre um neoliberalismo "social" e um keynesianismo light quase irreconhecível foi reduzindo o espaço de poder de um progressismo que exalava fanfarronice "realista" (inclusive sua astuta aceitação da hegemonia dos grupos económicos dominantes). A dependência das exportações de commodities e a submissão a um sistema financeiro local transnacionalizado acabaram por bloquear a expansão económica. Finalmente, a combinação da queda dos preços internacionais das matérias-primas e a exacerbação da pilhagem financeira precipitaram uma recessão que foi gerando uma crise política sobre a qual começaram a cavalgar os promotores de um "golpe brando" executado pela direita local e monitorado pelos Estados Unidos. 

Na Argentina, o "golpe brando" ocorreu protegido por uma máscara eleitoral forjada por uma manipulação mediática desmesurada. O progressismo kirchnerista na sua última etapa havia conseguido evitar a recessão, ainda que com um crescimento anémico sustentado por um fomento do mercado interno respeitoso do pode económico. Também foi respeitada a máfia judicial que, junto com a máfia mediática, o acossaram até deslocá-lo politicamente em meio a uma onda de histeria reaccionária das classes altas e do grosso das classes médias. 

Na Bolívia, Evo Morales sofreu sua primeira derrota política significativa no referendo sobre a reeleição presidencial. Sua chegada ao governo assinalou a ascensão das bases sociais submersas pelo velho sistema racista colonial. Mas a mistura híbrida de proclamações anti-imperialistas, pós-capitalista e indigenistas com a persistência do modelo mineiro-extractivista de deterioração ambiental e de comunidades rurais e do burocratismo estatal gerador de corrupção e autoritarismo terminaram por diluir o discurso do "socialismo comunitário". Assim, ficou aberto o espaço para a recomposição das elites económicas e a mobilização revanchista das classes altas e seu séquito de classes médias, penetrando num vasto leque social desconcertado. 

Agora as direitas latino-americanas vão ocupando as posições perdidas e consolidam as preservadas, mas já não são aquelas velhas camarilhas neoliberais optimistas dos anos 1990. Foram mutando através de um complexo processo económico, social e cultural que as converteu em componentes de lumpen-burguesias nihilisitas embarcadas na onda global do capitalismo parasitário. 

Grupos industriais ou do agrobusiness foram combinando seus investimentos tradicionais com outros mais rentáveis mas também voláteis: aventuras especulativas, negócios ilegais de todo tipo (desde o narco até operações imobiliárias opacas passando por fraudes comerciais e fiscais e outros empreendimentos turvos) convergindo com "investimentos" saqueadores provenientes do exterior como a mega-mineração ou as rapinas financeiras. 

A referida mutação tem longínquos antecedentes locais e globais, variantes nacionais e dinâmicas específicas, mas todas tendem a uma configuração baseada no predomínio de elites económicas enviesadas pela "cultura financeira-depredadora" (curtoprazismo, densenraizamento territorial, eliminação de fronteiras entre legalidade e ilegalidade, manipulação de redes de negócios com uma visão mais próxima do video-jogo do que da gestão produtivas e outras características próprias do globalismo mafioso) que dispõem do controle mediático como instrumento essencial de dominação, cercando-se de satélites políticos, judiciais, sindicais, policiais-militares, etc. 

Restaurações conservadoras ou instaurações de neofascismos coloniais? 

Em geral o progressismo qualifica suas derrotas ou ameaças de derrotas como vitórias ou perigos de regresso do passado neoliberal. Também costuma utilizar-se a expressão "restauração conservadora", mas acontece que esses fenómenos são sumamente inovadores, têm muito pouco de "conservadora". Quando avaliamos personagens como Aécio Neves, Maurício Macri ou Henrique Capriles não encontramos chefes autoritários de elites oligárquicas estáveis e sim personagens totalmente inescrupulosos, sumamente ignorantes das tradições burguesas dos seus países (inclusive, em certos casos, com olhares depreciativos para com as mesmas), surgem como uma espécie de mafiosos entre primitivos e pós-modernos encabeçando politicamente grupos de negócios cuja norma principal é a de não respeitar nenhuma norma (na media do possível). 

Outro aspecto importante da conjuntura é o da irrupção de mobilizações ultra-reaccionárias de grande dimensão onde as classes médias ocupam um lugar central. Os governos progressistas supunham que a bonança económica facilitaria a captura política desses sectores sociais, mas ocorreu o contrário: as camadas médias se direitizavam enquanto ascendiam economicamente, olhavam com desprezo os de baixo e assumiam como próprios os delírios neofascistas dos de cima. O fenómeno sincroniza-se com tendências neofascistas que ascendem no ocidente, desde a Ucrânia até os Estados Unidos passando pela Alemanha, França, Hungria, etc, expressão cultural do neoliberalismo decadente, pessimista, de um capitalismo nihilista que entra na sua etapa de reprodução ampliada negativa, onde o apartheid surge como a tábua de salvação. 

Mas este neofascismo latino-americano inclui também a reaparição de velhas raízes racistas e segregacionistas que haviam ficado tapadas pela crise de governabilidade dos governos neoliberais, pela irrupção de protestos populares e pelas primaveras progressistas. Sobreviveram à tempestade e em vários casos ressurgiram inclusive antes do começo do declínio do progressismo, como na Argentina o egoísmo social da época de Menem ou o gorilismo racista anterior; na Bolívia o desprezo para com o índio e em quase todos os casos recuperando restos do anti-comunismo da época da Guerra-fria. Sobrevivências do passado, latências sinistras agora misturadas com as novas modas. 

Uma observação importante é que o fenómeno assume características de tipo "contra-revolucionário", apontando para uma política de terra arrasada, de extirpação do inimigo progressista. É o que se vê virtualmente na Argentina ou o que promete a direita na Venezuela ou Brasil. A brandura do adversário, seus medos e vacilações excitam a ferocidade reaccionária. Referindo-se à vitória do fascismo na Itália, Ignazio Silone a definia como uma contra-revolução que havia operado de maneira preventiva contra uma ameaça revolucionária inexistente [3] . Essa não existência real de ameaça ou de processo revolucionário em marcha, de avalancha popular contra estruturas decisivas do sistema a desmoronarem-se ou quebradas, encoraja (concede sensação de impunidade) as elite e sua base social. 

A maré contra-revolucionária é um dos resultados possíveis da decomposição do sistema impondo, com êxito em alguns casos do passado, projectos de recomposição elitista. No caso latino-americano exprime decomposição capitalista sem recomposição à vista. 

Se o progressismo foi a superação fracassada do fracasso neoliberal, este neofascismo subdesenvolvido exacerba ambos os fracassos e inaugura uma era de duração incerta de contracção económica e desintegração social. Basta ver o que ocorreu na Argentina com a chegada de Macri à presidência: numas poucas semanas o país passou de um crescimento débil a uma recessão que se vai agravando rapidamente, resultado de uma gigantesca pilhagem. Não é difícil imaginar o que pode ocorrer no Brasil ou na Venezuela, que já estão em recessão, se a direita conquistar o poder político. 

A queda dos preços das commodities e sua crescente volatilidade, que o prolongamento da crise global certamente agravará, foram causas importantes do fracasso progressista e surgem como bloqueios irreversíveis dos projectos de reconversão elitista-exportadora medianamente estáveis. As vitórias direitistas tendem a instaurar economias a funcionarem em baixa intensidade, com mercados internos contraído e instáveis. Isso significa que a sobrevivências desses sistemas de poder dependerá de factores que as máfias governantes pretenderão controlar. Em primeiro lugar, ao descontentamento da maior parte da população aplicando doses variáveis de repressão, legal e ilegal, embrutecimento mediático, corrupção de dirigentes e degradação moral das classes baixas. Trata-se de instrumentos que a própria crise e a combatividade popular podem inutilizar, nesse caso o fantasma da revolta social pode converter-se em ameaça real. 

A estratégia imperial 

Os Estados Unidos desenvolvem uma estratégia de reconquista da América Latina, aplicando-a de maneira sistemática e flexível. O golpe brando nas Honduras foi o pontapé inicial, ao qual seguiu-se o golpe no Paraguai e um conjunto de acções desestabilizadora, algumas muito agressivas, de variado êxito que foram avançando ao ritmo das urgências imperiais e do desgaste dos governos progressistas. Em vários casos as agressões mais ou menos abertas ou intensas combinaram-se com bons modos que tentavam vencer sem violências, militar ou económica, ou somando doses menores das mesmas com operações domesticadores. Onde não funcionava eficazmente a agressão começou a ser praticado o abrandamento moral, implementaram-se pacotes persuasivos de configuração variável combinando penetração, cooptação, pressão, prémios e outras formas retorcidas de ataque psicológico-político. 

O resultado desse desdobramento complexo é uma situação paradoxal: enquanto os Estados Unidos retrocedem a nível global em termos económicos e geopolíticos, vão reconquistando passo a passo seu pátio traseiro latino-americano. Para o Império, a queda da Argentina foi uma vitória de grande importância, trabalhada durante muito tempo, ao que é necessário acrescentar três manobras decisivas do seu jogo regional: o submetimento do Brasil, o fim do governo chavista na Venezuela e a rendição negociada da insurgência colombiana. Cada um destes objectivos tem um significado especial: 

A vitória imperialista no Brasil mudaria dramaticamente o cenário regional e produziria um impacto negativo de grande envergadura ao bloco BRICS, afectando seus dois inimigos estratégicos globais: China e Rússia. A vitória na Venezuela não só lhe concederia o controle de 20% das reservas petrolíferas do planeta (a maior reserva mundial) como teria um efeito dominó sobre outros governos da região como os a Bolívia, Equador e Nicarágua – e prejudicaria Cuba sobre a qual os Estados Unidos fazem uma espécie de abraço de urso. 

Finalmente, a extinção da insurgência colombiana, além de afastar o obstáculo principal ao saqueio desse país, deixaria as suas forças armadas de mãos livres para eventuais intervenções na Venezuela. Do ponto de vista estratégico regional o fim da guerrilha colombiana retiraria do cenário uma poderosa força combatente que poderia chegar a operar como um mega-multiplicador de insurgências numa região em crise onde a generalização de governos mafiosos-direitistas agravará a decomposição das suas sociedades. Trata-se talvez da maior ameaça estratégica à dominação imperial, de um enorme perigo revolucionário continental. É precisamente essa dimensão latino-americana do tema que é ocultado pelos meios de comunicação dominantes. 

Decadência sistémica e perspectivas populares 

Para além do curioso paradoxo de um império decadente a reconquistar sua retaguarda territorial, do ponto de vista da conjuntura global, da decadência sistémica do capitalismo, a generalização de governos pró norte-americanos na América Latina pode ser interpretada superficialmente como uma grande vitória geopolítica dos Estados Unidos. Ainda assim, se aprofundarmos a análise e introduzirmos por exemplo o tema do agravamento da crise impulsionada por esses governos tenderíamos a interpretar o fenómeno como expressão específica regional da decadência do sistema global. 

O afastamento do estorvo progressista pode chegar a gerar problemas maiores à dominação imperial – apesar de as inclusões sociais e as mudanças económicas realizada terem sido insuficientes, embrulhadas, estivesse impregnadas de limitações burguesas e de que a sua autonomia em matéria de política internacional teve uma audácia restrita. O certo é que seu percursos deixou marcas, experiências sociais, dignificações (suprimidas pela direita) que serão muito difíceis extirpar e que em consequência podem chegar a converter-se em contribuições significativa para futuros (e não tão longínquos) irrupções populares radicalizadas. 

A ilusão progressista de humanização do sistema, de realização de reformas "sensatas" dentro dos quadros institucionais existentes, pode passar da decepção inicial a uma reflexão social profunda, crítica da institucionalizada mafiosa, da opressão mediática e dos grupos de negócios parasitários. Isso inclui a farsa democrática que os legitima. Nesse caso a doença progressista poderia converter-se, cedo ou tarde, em furacão revolucionário – não porque o progressismo como tal evolua para a radicalidade anti-sistema e sim porque emergiria uma cultura popular superadora, desenvolvida na luta contra regimes condenados a degradar-se cada vez mais. 

Nesse sentido poderíamos entender um dos significados da revolução cubana, que logo se estendeu como onda anti-capitalista na América Latina, como superação críticas dos reformismos nacionalistas democratizantes (como o varguismo no Brasil, o nacionalismo revolucionário na Bolívia, o primeiro peronismo na Argentina ou o governo de Jacobo Arbenz na Guatemala). A memória popular não pode ser extirpada, pode chegar a afundar-se numa espécie de clandestinidade cultural, numa latência subterrânea digerida misteriosamente, pensada pelos de baixo, subestimada pelos de cima, para reaparecer como presente, quando as circunstâncias o exijam, renovada, implacável. 

21/Março/2016

NOTAS
[1] Se consideramos o último quinquénio (2010-2014) o crescimento médio real da economia do Japão foi da ordem dos 1,5%, o dos Estados Unidos de 2,2% e o da Alemanha de 2% (Fonte: Banco Mundial). 
[2] Um bom exemplo é o da "importação" de fármacos onde empresas multinacionais como a Pfizer, Merck e P&G fazem fabulosos negócios ilegais perante um governo "socialista" que lhes fornece dólares a preços preferenciais. Com um jogo de sobrefacturações, sobrepreços e importações inexistentes as empresas farmacêuticas haviam importando em 2003 umas 222 mil toneladas de produtos pelos quais pagaram 434 milhões de dólares (uns 2 mil dólares por tonelada), em 2010 as importações baixaram para 56 mil toneladas e pagaram-se 3410 milhões de dólares (60 mil dólares por tonelada) e em 2014 as importações desceram ainda mais para 28 mil toneladas e pagaram-se 2400 milhões de dólares (um pouco menos de 87 mil dólares por tonelada). Como bem assinala Manuel Sutherland, de cujo estudo extraio essa informação, "longe de contemplar a criação de uma grande empresa estatal de produção de fármacos, o governo prefere dar divisas preferenciais a importadores fraudulentos, ou confiar em burocratas que realizam importações sob a maior opacidade". Manuel Sutherland, "2016: La peor de las crisis económicas, causas, medidas y crónica de una ruina anunciada", CIFO, Caracas 2016. 
[3] Ignazio Silone, "L'École des dictateurs", Collection Du monde entier, Gallimard, París, 1964. 

[*] Economista, argentino, docente da Universidade de Buenos Aires, jorgebeinstein@gmail.com 

O original encontra-se em www.alainet.org/es/articulo/176210 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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Crónicas Guantanameras: Lo que Obama quiere que olvidemos

Por: Ana María Radaelli

Pies de un detenido de Guantánamo están encadenados al suelo mientras se asiste a una clase de “Habilidades para la Vida” en el interior del centro de detención de alta seguridad Campo 6 de Guantánamo EE.UU. Base Naval 27 de abril 2010. Foto: Michelle Shephard/ Reuters.


No es posible olvidar la historia. Quizás el llamado a la amnesia colectiva pueda funcionar en Estados Unidos, pero no en Cuba, que tiene grabada en su piel la memoria de lo que fuimos, como nos recuerda la periodista y narradora argentina radicada en Cuba, Ana María Radaelli, quien fuera la jefa de redacción de la prestigiosa revista Cuba.  Esta selección de crónicas, escritas en Caimanera en 1981, fue incluida en el libro de Ana María, Destino Cuba (Arte y Literatura, 2013). Lo triste es que el infierno que fuera Caimanera hasta 1959 sigue instalado en una porción de ese territorio que se le ha usurpado a Cuba.

Caimaneras by night

Caimanera 1959. Foto: Archivo
Caimanera antes de 1959. Foto: Archivo
He llegado a Caimanera, en la oriental provincia de Guantánamo, y confieso que me resulta difícil entender y aceptar que haya una frontera, y nada menos que con los Estados Unidos, aquí, en Cuba, bajo este cielo de porcelana y este sol que arremolina destellos en las quietas y límpidas aguas de la bahía, esa a la que Cristóbal Colón, el 29 abril de 1494, diera el nombre de Puerto Grande, asombrado por su amplitud y esplendor.
Sin embargo, las cercas están ahí, estirándose a lo largo de las colinas que rodean la Base naval norteamericana, apenas presentida desde la carretera donde nos hemos detenido solamente a mirar. El colega guantanamero que me acompaña y sirve de guía me pide quedarme muy quieta, “no gesticules ni alces los brazos”, dice, nada que pueda interpretarse como una provocación, o molestar a las postas yanquis que, provistas de catalejos y armas largas, nos observan desde sus atalayas. “Cualquier pretexto les viene bien para disparar”, me recuerda.
La sensación no puede ser más desagradable.
Frente a la Base que no puedo ver desde donde me encuentro, repaso mentalmente la larga entrevista que sostuve hace solo unos días con el profesor Miguel A. D’Estéfano Pisani, eminente jurista y profesor de la Universidad de La Habana. Especialista en el tema de la Base de Guantánamo, “un absurdo jurídico” parido a la sombra de la Enmienda Platt, que los Estados Unidos impusieron a Cuba recurriendo a la coacción y al dolo tras tronchar la victoria de las armas cubanas sobre España y ocupar la Isla, D’Estéfano me habló largamente sobre el falso arrendamiento, nulo de origen, que abre la cadena de otros muchos absurdos jurídicos en los que se asienta el despojo de esta porción de territorio cubano, “el insólito caso de una base yanqui en un país socialista”. Y me recuerda que si los piratas y bucaneros fueron los primeros en percatarse de las condiciones excepcionales del enclave, los estrategas norteamericanos no tardaron en llegar a las mismas conclusiones: “Necesitaban esa bahía para conformar, con Puerto Rico y Panamá, un triángulo perfecto queles permitiría hacer del Mar de las Antillas y el Caribe un lago privado”, recalca.
Caimanera 1959. Foto: Archivo
Caimanera antes de 1959. Foto: Archivo
En fin, que ya estoy en Caimanera, la del triste recuerdo, la de la tenebrosa historia de prostíbulos y prostitutas famélicas y extenuadas, de niños harapientos y barriga hinchada de parásitos, sórdido y misérrimo emporio de todos los vicios que, como una plaga, trajeron con ellos los marines yanquis. A las seis de la tarde, día tras día, la base de Guantánamo “soltaba el franco”, arrojando, sobre el paupérrimo pobladito de madera, a miles de soldados norteamericanos ávidos de alcohol, sexo, juego y drogas.
Miro una vieja foto del “Navy Star Bar”, uno de los tantos tugurios que pululaban en medio del mayor de los desamparos. La mujer que me tiende la foto lo conoce bien, como conoció a todos los demás, una mujer cuyo nombre no habré de revelar, porque poco importa cómo se llame: su destino corrió parejo al de miles y miles de muchachas que conocieron en carne propia el martirio de la degradación, recorriendo, sin escalas, el vía crucis completo de la desesperanza. Está de acuerdo en que la llame Rosario.
“Si, yo trabajé en la Zona de tolerancia”, dice de entrada y sin titubeos. Y así me entero de su historia, que debe ser el calco, ya lo dije, de miles y miles de historias más. “Éramos ocho hermanos, vivíamos en el campo, tierras de latifundio, y mi mamá enfermó de tuberculosis. Eso abundaba entonces, usted ya sabe, era mucha el hambre, y ni hablar de las enfermedades y la falta de medicinas… Fui a parar a la Zona, y yo era tan jovencita… Viví todo eso. Teníamos que pagar cada semana los exámenes de profilaxis, y si una se enfermaba, pues a la calle. A la dueña del prostíbulo le pagábamos 3,50 pesos diarios por el cuartucho. Algunas monedas sacábamos con la bebida, pero la madama se quedaba con todo. Cuando teníamos la menstruación, ella misma nos taponaba con trapos para que pudiéramos seguir trabajando…”
Allí las broncas, los golpes, las palizas, los navajazos, los atropellos, eran cosas de todos los días, recuerda Rosario. “Soltaban el franco a las seis y caían como bestias sobre nosotras. ¡Las cosas que habré visto y vivido en la Zona! Verdaderos degenerados losmarines yanquis, ¡qué no nos hacían!”
Se le empañan los ojos, y la voz, enronquecida, evidencia el sufrimiento que todavía lleva cosido a la piel.
“Pero un día me quité, ya no podía más. Dejé aquello y empecé a ayudar a los compañeros del Movimiento 26 de Julio, en la clandestinidad. Pasando un día frente al cuartel, me dice un sargento: Oye, p… ¿así que ahora tú andas con los barbudos de Fidel? Y de un empujón me entraron y me tiraron a un calabozo, sucio, cochino, lleno de ratas. ¿Qué si tuve miedo? Ay, no, qué va, dígame usted, ¿a qué se le puede tener miedo después de haber vivido en la Zona?”
Días más tarde la dejaron en libertad y ella siguió colaborando con la guerrilla, como si nada. Entonces llegó la Revolución, y Rosario se hizo miliciana, miembro de los Comités de Defensa de la Revolución y de la Federación de Mujeres Cubanas. ¿Sintió, tal vez, rechazo? “Si, al principio me discriminaban, yo sabía que eso iba a pasar, así que no me desalenté, no, jamás… Habré llorado un poco, pero seguí adelante, pensando que tenía que hacer todo lo posible por la Revolución. Me dieron trabajo casi enseguida, y aquí me tiene, como una compañera más que todos respetan. Ésa es la pura verdad”.
Las demás mujeres que asisten a esta entrevista, unas diez ex prostitutas de Caimanera, se levantan y abrazan a Rosario. A ellas, también, hoy la vida les sonríe, pero no quieren olvidar, y por eso están conmigo, para hablar de aquellos años infamantes.
En 1902, una vez truncada la victoria de los mambises sobre España, y arrebatada al pueblo de Cuba su legítima independencia, el gobierno militar yanqui de intervención instituyó un Reglamento Especial para el régimen de prostitución en la Isla. Después de detallar minuciosamente, en 13 artículos, la forma en que se debía explotar la trata, concluía con las siguientes observaciones:
“Nuestra misión ha sido edificar una república anglosajona en un país latino, donde aproximadamente el 70% de la población es analfabeta. En resumen, establecer en poco más de tres años una colonia militar latina, una república calcada exactamente de nuestra gran República”. Y a continuación, la firma: Leonard Wood, Gobernador militar de Cuba, representante de las tropas norteamericanas de ocupación.
Pero debo cumplir la promesa que hice a Rosario, y a las demás mujeres, por supuesto. Decir que Caimanera fue también la pequeña ciudad heroica que mandaba hombres, pertrechos y medicinas al Segundo Frente Oriental “Frank País”, dirigido por Raúl Castro, la primera que liberó el Ejército Rebelde, y desde entonces, y como le gusta llamarse, la Primera trinchera de lucha frente al imperialismo yanqui, y lo de “frente” no es metáfora.
Desde el atardecer, el poblado se ilumina tanto que parecería de día: son las luces de la Base de Guantánamo que, aparte de toda la infraestructura del complejo militar, es también una verdadera ciudad norteamericana, con calles y avenidas, hoteles, cines, estadios, casas de departamentos y mansiones para la alta oficialidad, clubes, piscinas, parques y jardines, que despliega, en derroche abrumador, miles y miles de luminarias que incendian la noche. Es un espectáculo rarísimo el contrate que así se produce en tan humilde pueblito, como rarísimo me resulta constatar que varias cadenas de radio y televisión yanquis entran, como Pedro por su casa, en los modestos hogares guantanameros…
Nada, cosas de “la frontera”.

Torturado en la Base

Caimanera 1959. Foto: Archivo
Caimanera antes de 1959. Foto: Archivo
La sombra de la Base, la para mí invisible presencia de la Base como una maldición. De ella despegaban los aviones de la tiranía de Batista que allí se abastecían de bombas convencionales y también de napalm para aniquilar las comunidades campesinas, en las Zonas liberadas por la guerrilla.
Guarida de apátridas, esbirros y contrarrevolucionarios de toda laya a partir de 1959, la Base “multiuso” fue centro de reclutamiento y entrenamiento de saboteadores y espías, sitio escogido para infiltrar y exfiltrar agentes de la CIA, base de operaciones de gran envergadura enfiladas a destruir a la naciente Revolución. El 13 de agosto de 1959, las autoridades cubanas revelaron detalles de un plan fraguado por la CIA para imponerle a Cuba una guerra de exterminio: un atentado a Raúl Castro, el 26 de julio, en el multitudinario acto de conmemoración por el asalto al cuartel Moncada, seguido de un simulacro de ataque a la Base a manos de un pueblo estremecido de indignación, “justificaría” la inmediata intervención armada de los Estados Unidos.
El 17 de octubre de 1979 se produjo un aparatoso desembarco de 2 200 infantes de marina yanquis en la Base naval de Guantánamo, como parte de las maniobras de intimidación de los Estados Unidos hacia Cuba. En sólo veinte años, las provocaciones e incidentes sumaban 12 668. Frío dato de una cifra que encierra el dolor por los compañeros torturados o asesinados en o desde la Base.
Manuel Prieto comenzó a trabajar en la instalación militar yanqui en 1947, como peón. Después fue mensajero y más tarde se hizo soldador. Cuando se produjo la primera toma de Caimanera por las fuerzas rebeldes, el 1 de abril de 1958, pertenecía al grupo de Acción y Sabotaje del Movimiento 26 de Julio. Lo prudente, entonces, habría sido coronar las lomas y unirse a los guerrilleros, pero Manuel sabía que su puesto de combate estaba en la Base.
El 5 de enero de 1961 lo detienen al finalizar su trabajo, justo en el momento de franquear la puerta de salida. Acusado de ser un agente del gobierno revolucionario cubano, empezó para él una larga pesadilla, de la que aún conserva vestigios. Esa renguera, tan notoria, por ejemplo.
Caimanera 1959. Foto: Archivo
Caimanera antes de 1959. Foto: Archivo
“Me estuvieron interrogando y dando golpes toda la noche. Después me llevaron a un departamento especial para otro tipo de interrogatorio. Allí me cogió un tal Feney, del Servicio de Inteligencia yanqui. Me acuerdo del detector de mentiras… Querían asustarme, y entonces empezaron a hacerme proposiciones para que yo hablara. Me decían que me iban a sacar del país con toda mi familia, que allá, en los Estados Unidos, iba a llevar una vida regalada, que sólo tenía que confesar… Y yo, nada, ni abrí la boca, naturalmente”.
Ante el mutismo de Manuel, los golpes y las pateaduras se multiplicaron. “Yo ya estaba muy mal”, dice, “pero, sobre todo, me preocupaba el hecho de que mis compañeros no me hubieran visto cuando me cogieron preso. Bueno, después me trasladaron, me tiraron en otro calabozo, todavía más apartado del resto de las edificaciones, y comenzaron a drogarme. Decían que eran aspirinas para los dolores, pero yo me daba cuenta de que eran drogas, la cabeza se me iba, y cada vez me sentía peor, más débil, aunque me quedaban fuerzas para decirles que conmigo perdían el tiempo”.
La compañera de Manuel tampoco se amilanó, y con todos sus hijos —¡ocho!— se presentó en la Base. “El escándalo que se armó fue de ampanga”, y Manuel sonríe al recordar que los niños gritaban de lo lindo, a ver quién hacía más bulla. “Mire, yo casi me desmayé cuando supe que mi mujer estaba ahí, dando la pelea, figúrese, con esa barriga, ya tenía nueve meses de embarazo… Entonces los gringos optaron por soltarme. Yo no podía caminar, porque entre los golpes y las pateaduras, las drogas, la debilidad, y las vértebras y costillas que esos animales me fracturaron, quedé como un zombi.”.
Esa noche, la esposa de Manuel Prieto dio a luz. Los mellizos se llaman Fidel y Raúl.

Un destroyer para el patrón

Caimanera 1959. Foto: Archivo
Caimanera antes de 1959. Foto: Archivo
Cuarenta y cinco años trabajó en las salinas de Guantánamo Feliciano Gómez. Empujado por el hambre, llegó a Caimanera en 1927. Lo esperaban jornadas de trabajo de 14 y 16 horas por día, los pies en el agua salada que quema y carcome hasta los huesos, mientras el sol, implacable, reverbera y enceguece.
“Toda la sal se recogía a punta de pico y pala, y después había que picarla en la laguna, apilarla y cargarla hasta los carros que debíamos empujar, como bestias, hasta el punto de acopio”, recuerda Feliciano. “Siempre teníamos los pies llagados, las manos llenas de ampollas y cortaduras que nunca cicatrizaban. No nos daban guantes, ni botas, ni agua fría para tomar bajo aquel sol. Era como para volverse loco. Vaya, que yo creo que no debe de haber en el mundo un trabajo más esclavo y más inhumano que ése”, sentencia el viejo salinero.
Caimanera 1959. Foto: Archivo
Caimanera antes de 1959. Foto: Archivo
En 1933 se fundó el Sindicato en Caimanera, y ese mismo año Feliciano participó en una huelga que duró sesenta días. Los trabajadores ganaban dos pesos diarios y el dueño había decidido rebajar el salario a la mitad. “Me acuerdo perfectamente de undestroyer que los americanos pusieron ahí mismo, enfilado a las salinas. Ellos decían que era para proteger los intereses de uno de los dueños, que era gringo, pero sabíamos que eso era mentira, que lo habían puesto ahí para meternos miedo. Pero no le hicimos caso y seguimos adelante con la huelga”. Feliciano ingresó en el Partido Comunista en 1938. Eran tiempo difíciles, pero los salineros se organizaron. “Había que resistir, teníamos que hacerlo”.
Feliciano se ha quedado ensimismado. De pronto sonríe y me pregunta si ya he visitado las salinas. “Esas no son salinas como las que yo conocí y sufrí”, se apresura a decirme. “Ahí, una pala es ahora una reliquia… Todo está automatizado, hay grúas, vaya, que las máquinas lo hacen todo, es cosa linda de ver. Así da gusto trabajar. Y uno se pone a hablar de aquella época y en verdad no quisiera acordarse de nada… Ni de los patronos, ni de las broncas en la Zona de tolerancia, ni de los atropellos de los marines yanquis, ¡ni del destroyer!, de nada!”.
Nunca le vi los ojos, calcinados por tanto sol y sal, que piadosamente cubren unos espejuelos negros. Los ojos que Feliciano dejó en las salinas.
FUENTE: CubaDebate