segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Bonecas negras ensinam a combater o racismo brincando

Daniele Silveira
de São Paulo (SP)

O racismo e a vontade de se ver representada levaram Ana Júlia dos Santos a usar sua arte como forma de expressar as especificidades da população negra brasileira. Há 15 anos, a artesã faz bonecas negras, que subvertem o estereótipo “nega maluca” e fornecem novas armas para o combate ao preconceito.
Ana Fulô, como é conhecida, conta que foram poucos os brinquedos durante sua infância, mas lembra de “nunca ter tido uma boneca negra”. Talvez, mais marcante do que a falta de referências ainda quando pequena tenha sido o relato de uma de suas netas sobre um trabalho de escola em que deveria montar uma “bonequinha”.
“A professora disse ‘Agora quando você fi zer a boneca negra, você põe um pedaço de Bombril [esponja de aço] para imitar o cabelo dela’. Ouvi esse relato da minha neta. A minha filha ficou mal, se dirigiu à professora e questionou isso. Foi retirado o trabalho. Não foi feito mais.”
Coincidentemente, com a experiência de racismo vivida pela neta, Fulô explica que procurou uma feira para expor seu artesanato, mas não havia mais vagas. Então, a coordenadora do espaço sugeriu que ela fizesse bonecas negras, pois a artesã que desenvolvia esse trabalho havia falecido. Neste encontro de situações, Fulô deparou-se com a oportunidade de expressar sua identidade e combater o racismo.
“Eu notei que as meninas negras brincam com as bonecas brancas, mas nem sempre as meninas brancas brincam com as bonecas negras. Então, eu quis tirar aquela maneira da pessoa tratar a boneca negra como a ‘nega maluca’. Eu quis fazer as meninas bonitas. Então, eu comecei a trabalhar nesse sentido até para elevar a autoestima das nossas crianças e mostrar para elas que os brinquedos delas podem ser tão ou mais bonitos que os outros.”
Olhos claros, pele escura
No circuito das grandes lojas de brinquedos são raras as bonecas negras. E quando estão presentes, geralmente trazem traços característicos de pessoas brancas, alterando apenas a cor da pele. Dessa forma, fabricantes de brinquedos não se intimidam em apresentar bonecas negras com olhos verdes ou, ainda, reforçar preconceitos com a reprodução de estereótipos.
Artesã e professora do Ensino Fundamental, Lúcia Makena faz bonecas negras há mais de dez anos. Ela avalia que o mercado formal de brinquedos não demonstra interesse em conhecer e representar a população negra.
“A indústria, eu acredito que quando ela faz uma boneca negra, ela não está muito preocupada com a questão da identidade e da cultura. Eu acho que eles só colocam tinta marrom e pronto, né. E a preocupação que eu acho que as empresas deveriam ter é de pensar quem é esse povo negro, qual é essa cultura, qual o seu modo de ver a vida, o que é importante para eles, e eles [as empresas] não se preocupam com isso.”
Arte-educadora, Lúcia ainda destaca a importância do trabalho para a educação das crianças na questão da diversidade étnico-racial. “Eu acredito que os brinquedos fazem parte desse processo de formação das crianças. Então, você tem que fazer bonecas contemplando as etnias. Não pode a criança passar a vida inteira comprando bonequinhas loiras, loiras, loiras, se muitas vezes elas não são loiras e muitas vezes elas não vão se identifi car com aquilo. Vai trazer uma impressão de que a sua referência de beleza é outra.”
Brincadeira séria
Assim como Makena, Fulô considera fundamental a função educacional dos brinquedos. “Nenhuma criança nasce preconceituosa. Isso é coisa que vão colocando na cabecinha dela. Eu acho que a partir do momento que ela começa a brincar, ela tem um entendimento da diversidade de raça. Coloca as duas para a criança brincar, se a gente percebe que ela não integra a boneca negra nas brincadeiras, então, ali tem algum problema. Aí é que se começa a trabalhar a cabecinha da criança.”
Para Fulô, mais do que bonecas, suas criações são personagens que possuem histórias próprias. Juntamente com a arte do desenvolvimento de cada novo molde, roupas e outros adereços que acompanham suas meninas, ela pensa  também na identifi cação de cada boneca. Assim, costuma presentear quem compra seu trabalho com textos sobre o que ela imagina para cada menina.

II Guerra Mundial: História feita de Fotos . . .


Um documento para guardar e ir vendo.

LINK PARA ACESSAR AS COLEÇÕES DE FOTOS

Clicando no nome acima da foto, aparecem as centenas de cenas que testemunham a destruição da II Guerra Mundial.

Interessante a sequência de fotos de forma cronológica.

Clique em cada foto, pois cada uma abre uma das coleções citadas.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Hobsbawm, o Marxismo e os intelectuais*

Por Miguel Urbano Rodrigues

O renascimento do interesse por Marx e o marxismo é um fenómeno social e político de âmbito mundial, inseparável da consciência de que o capitalismo está condenado a desaparecer e que a única alternativa é o socialismo.

Reli há dias o último livro de Eric Hobsbawm: «Como Mudar o Mundo - Marx e o Marxismo,1840-2011».** Publicado pouco antes do seu falecimento, é uma coletânea de ensaios, conferências e artigos escritos entre 1956 e 2009.

Distancio-me como comunista de parte da obra do historiador inglês. A discordância de muitas das suas opiniões, nomeadamente a reflexão sobre o desaparecimento da União Soviética e a agressão imperialista ao povo afegão, não me impede de aconselhar a leitura de «Como Mudar o Mundo». O seu mérito maior é o balanço que apresenta do legado de Karl Marx e da sua profunda repercussão nos seculos XIX e XX e neste início do XXI. Tal como assinala no prefácio, «o marxismo foi durante os últimos 130 anos, um tema importante no contexto intelectual do mundo moderno e, através da mobilização de forças sociais, uma presença crucial, e em alguns períodos decisiva, na história do seculo XX».

A devastadora crise de civilização que hoje enfrentamos demonstra que o capitalismo não tem solução para os problemas da humanidade e terá de ser erradicado. Marx é, hoje como ontem, atualíssimo: ajuda a compreender o presente e abre as alamedas do futuro.

DO ENTUSIASMO À DESERÇÃO

Lenin afirmou que sem teoria revolução alguma pode vencer e ter longa vida. Enunciou uma evidência confirmada pela História.

Daí a importância dos intelectuais revolucionários como produtores e divulgadores de ideologia.

A obra de Marx, a principiar pelo Manifesto Comunista, não teria alcançado projeção mundial, cumprindo um papel insubstituível como guia para a ação revolucionária, se sucessivas gerações de intelectuais não a houvessem divulgado, transmitindo às massas uma nova compreensão da História, da economia, da política.


Mas, ao comentá-la e interpretá-la, muitos autores também a desfiguraram.

O livro de Hobsbawm contém uma informação densa e valiosa sobre a lenta divulgação de Marx ao longo da segunda metade do século XIX e das primeiras décadas do seculo XX.

Neste desambicioso artigo apenas chamarei a atenção para alguns aspetos da difusão do marxismo antes e depois da segunda guerra mundial e da influência que as posições assumidas por autores que comentaram e interpretaram Marx, deformando-lhe o pensamento, tiveram no rumo de partidos operários tradicionais e de grandes lutas sociais contemporâneas.

Nos anos 20 e 30 do seculo passado, a ascensão do fascismo na Itália e na Alemanha provocou um interesse crescente dos intelectuais pelo marxismo. Escritores como HG Wells, Anatole France, Bernard Shaw, André Malraux, Aragon, entre outros, assumiram a defesa da União Soviética e, na Europa Ocidental e nos EUA, os debates sobre a obra de Marx ganharam atualidade. Três prémios Nobel de Literatura, Aragon, Roger Martin du Gard e André Gide aderiram ao PCF. A ameaça fascista condicionava o futuro da Humanidade. Após a II Guerra Mundial, o interesse pelo marxismo aumentou. O papel decisivo da URSS na derrota do Reich nazi contribuiu muito para a adesão maciça de milhares de intelectuais aos partidos comunistas. Filósofos como Bertrand Russell e Jean Paul Sartre assumiram frontalmente a solidariedade com o povo soviético e os movimentos em defesa da Paz. Nas universidades, professores que não eram marxistas aderiram ao partido comunista.

A partir dos anos 50, houve uma autêntica enxurrada de livros e debates sobre o marxismo. Mas, como sublinha Hobsbawm, «a grande maioria dos intelectuais marxistas nesse período era constituída de marxistas recentes para os quais o próprio marxismo era coisa tão nova quanto, digamos, o jazz, o cinema e a literatura policial» tinham sido para as gerações anteriores.

O marxismo dos europeus era, porém, até à morte de Stalin, com poucas exceções, o divulgado pelas publicações da Academia das Ciências da URSS.

As interpretações alternativas da teoria marxista somente surgiram após as polémicas desencadeadas pelo XX Congresso do PCUS.

Os textos dos filósofos da Escola de Frankfurt, de Adorno, Horkheimer e Marcuse, porta-vozes do chamado «marxismo ocidental», são na época tema de apaixonados debates nos campus universitários, coincidindo com as campanhas dos grandes media contra Stalin. A palavra stalinismo, criada pela burguesia, entra no léxico politico.

Para muitos intelectuais, a URSS, na qual durante décadas viam a pátria do socialismo, o país que construíra uma sociedade símbolo do progresso e do humanismo, tornou-se, no auge de campanhas anticomunistas, a imagem da tirania e da desumanização da vida.

Os livros de Gramsci, até então pouco conhecidos fora da Itália, conhecem difusão mundial, extravasando dos meios académicos. Mas a leitura da “mensagem” da obra do autor dos «Cadernos do Carcere» difere muito, mesmo no âmbito dos Partidos Comunistas do Ocidente.

A própria teoria da Hegemonia – a dominação da cultura de uma classe sobre o conjunto da sociedade - foi submetida a múltiplas interpretações, algumas incompatíveis. Em França, na Itália, em Espanha, gramscianos entusiastas utilizaram-na para desvalorizar a luta de classes. Desvirtuado, Gramsci, um marxista original - inclusive um «leninista» na polémica opinião de Hobsbawm - foi bandeira do eurocomunismo. No Brasil e em Cuba destacados comunistas também o invocaram, distorcendo-lhe o pensamento.

Paradoxalmente, as campanhas contra a URSS e o «socialismo real» não afetaram a difusão do marxismo.

O anti- sovietismo, sobretudo apos os acontecimentos da Checoslováquia em l968, marcou a opção revisionista de influentes partidos comunistas do Ocidente, mas não impediu a expansão do marxismo em escala mundial.


A ruptura entre Moscovo e Pequim, a Revolução Cubana, a opção pelo socialismo da maioria dos movimentos de libertação africanos, a ampla difusão das teses de Frantz Fanon, a disseminação do Eurocomunismo criaram uma atmosfera de confusão ideológica.

Os estruturalistas, nomeadamente Althusser e Poulantzas, fizeram escola, semeando discípulos em dezenas de países. O primeiro foi, aliás, membro do Comité Central do Partido Francês.

Textos de Che Guevara também foram utilizados, com frequência e má-fé, por intelectuais que, deturpando-lhe o pensamento, assumindo-se como marxistas, utilizaram o eurocomunismo como alavanca de combate à União Soviética.


Dirigentes e académicos dos partidos comunistas da França e da Itália que aderiram desde o início à perestroika não hesitaram em glorificar Gorbatchov e acompanharam com entusiasmo o processo de destruição da União Soviética. Das críticas a Stalin passaram rapidamente à crítica de Lenin.

O revisionismo de alguns partidos operários evoluiu em poucos anos para posições ostensivamente anticomunistas.


Um secretário-geral do PCF, Robert Hue, saudou como acontecimento positivo a desagregação da URSS, afirmando que tudo no país da Revolução de Outubro tinha sido negativo.

A VAGA REVISIONISTA

A ofensiva revisionista precedeu, aliás, a perestroika.

As obras dos ideólogos da Escola de Frankfurt foram amplamente publicadas nos EUA e saudadas pelas «novas esquerdas» americanas como contribuição revolucionaria ao marxismo. Nas grandes universidades, os epígonos de Marcuse condenaram em bloco os partidos comunistas existentes, revisionistas ou não, qualificando-os de traidores da causa socialista.

Os livros de Marx voltaram a ser amplamente editados e debatidos. “O Capital”, entretanto, foi tratado como se fosse quase uma obra de epistemologia. Segundo Hobsbawm, “ a pesquisa e a análise do mundo real esconderam-se atrás do exame generalizado das suas estruturas e mecanismos, ou até atrás da investigação ainda mais genérica de como ele devia ser apreendido. Os teóricos eram tentados a passar de um exame dos problemas e perspetivas específicos de sociedades reais para um debate sobre a «articulação» dos «modos de produção» em geral”.

Muitos intelectuais, sobretudo os estruturalistas, esforçaram-se, na exegese da obra de Karl Marx, por opor os escritos do jovem Marx aos do Marx da maturidade. Dezenas de livros foram editados tendo por tema supostas e insanáveis contradições entre «Os Manuscritos de 1844» e «O Capital». Forjar imaginárias contradições entre Marx e Engels e opor ambos a Lenin foi outra modalidade de anticomunismo cultivada por marxólogos anti-soviéticos.

Esse cosmopolitismo marxizante somente deixou de fascinar os académicos das grandes universidades do Ocidente quando a URSS se desagregou e um capitalismo selvagem se implantou na Rússia, durante o consulado de Ieltsin.

O desaparecimento da União Soviética - uma tragédia para a Humanidade, festejada no Ocidente como vitória histórica da democracia - atuou como terramoto em partidos comunistas que já tinham optado por um reformismo transparente. Muitos dirigentes apressaram-se a renegar o marxismo. Entre os intelectuais a debandada foi imediata; alguns invocaram a revolução técnico-científica para romper com o passado de comunistas.

O marxismo foi varrido das universidades e das livrarias.

Nos EUA, Francis Fukuyama,um funcionário do Departamento de Estado, anunciou com alegria o «Fim da História», a morte do comunismo e a vitória do neoliberalismo como a ideologia para a eternidade.

PRESENÇA DE MARX

A profecia foi, porém, rapidamente desmentida.

Marx volta hoje a ser editado, lido e o seu pensamento e obra debatidos. Na Europa, na América, na Asia, na Africa, Congressos e Seminários Internacionais são promovidos para o recordar e estudar.

Em Paris Jean Salem promove na Sorbonne desde 2005 um Seminário semanal sobre «Marxismo no seculo XXI» em que participam em média 200 pessoas e que é acompanhado na Internet por dezenas de milhares.

O «Manifesto Comunista» é reeditado em dezenas de países, tal como as obras de Marx e Engels.


Como as causas que estão na origem das grandes revoluções não desapareceram e a crise do capitalismo se tornou estrutural, o renascer do interesse pelo marxismo é hoje uma realidade, não obstante a perda de influência dos partidos comunistas.

A cada ano aumenta o número de Congressos e Seminários Internacionais dedicados a Marx e à sua obra. Essas iniciativas mobilizam porém intelectuais que se situam em quadrantes ideológicos muito diferentes. Era inevitável. Emmanuel Wallerstein criou a expressão «os mil marxismos» em comentário a essa heterogeneidade.

Muitos marxianos interessam-se por Marx numa perspetiva exclusivamente académica. Ignoram a praxis.

Outros, embora afirmando a necessidade da luta contra o capitalismo e o imperialismo, concentram-se apenas em questões teóricas, distanciados de qualquer tipo de militância em organizações politicas.

Não esqueci o comentário ouvido do historiador Albert Soboul quando um comunista, professor da Universidade de São Paulo, no Brasil, expressou uma grande admiração pela contribuição do filósofo Henri Lefèbvre como eminente marxista.


«É verdade – disse - ele escreveu livros importantes. Mas creio que nunca entrou numa fábrica, temo que nunca tenha falado com um operário».

Em Encontros sobre Marx participam também marxianos, sobretudo de tendência trotskista, cujos trabalhos estão mais orientados para a crítica ao «socialismo soviético» do que propriamente para a exegese do pensamento do autor de «O Capital». Recordo o livro de uma historiadora portuguesa que, na tentativa frenética de responsabilizar Álvaro Cunhal pelo desfecho negativo da Revolução de Abril, o define como um menchevique português que teria impedido a luta revolucionária da classe operária…

Atitudes como essas não ocultam uma evidência: o renascimento do interesse por Marx e o marxismo é um fenómeno social e político de âmbito mundial, inseparável da consciência de que o capitalismo está condenado a desaparecer e que a única alternativa é o socialismo.

Reler os clássicos do marxismo, sobretudo Marx, tornou-se uma exigência das grandes lutas da humanidade contemporânea. Para preparar o futuro, como lembra Jean Salem.

*Publicado no numero 3 de «El Machete, revista de teoria y politica» do Partido Comunista do México, Outubro de 2013
**Eric Hobsbawm, «How to Change the World - Marx and Marxism, 1840-2011», London 2011

FONTE: ODiario.Info

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Mandela morreu, por que ocultar a verdade sobre o Apartheid?

Por Fidel Castro
Da página Solidários


Talvez o império acreditasse que nosso povo não honraria sua palavra quando, em dias incertos do século passado, afirmamos que mesmo se a URSS desaparecesse Cuba seguiria lutando.

A Segunda Guerra Mundial eclodiu quando em 1º de setembro de 1939, o nazi-fascismo invadiu a Polônia e caiu como um raio sobre o povo heroico da URSS, que deu 27 milhões de vidas para preservar a humanidade daquela brutal matança que pôs fim à vida de mais de 50 milhões de pessoas.

A guerra é, por outro lado, a única atividade ao longo da história que o gênero humano nunca foi capaz de evitar, o que levou Einstein a responder que não sabia como seria a terceira Guerra Mundial, mas a quarta seria com paus e pedras.

Somados os meios disponíveis pelas duas mais poderosas potências, Estados Unidos e Rússia dispõem de mais de 20 mil ogivas nucleares. A humanidade deveria conhecer bem a informação de que, três dias depois da posse de John F. Kennedy na presidência de seu país, em 20 de janeiro de 1961, um bombardeiro B-52 dos Estados Unidos, em voo de rotina, que transportava duas bombas atômicas com uma capacidade destrutiva 260 vezes superior à utilizada em Hiroshima, sofreu um acidente e o avião caiu. Em tais casos, equipamentos automáticos sofisticados aplicam medidas que impedem a explosão das bombas. A primeira caiu na terra sem risco algum; a segunda, dos quatro mecanismos, três falharam, e apenas o quarto, em estado crítico, funcionou; a bomba por puro acaso não explodiu.

Nenhum acontecimento presente ou passado que eu recorde ou tenha ouvido mencionar, impactou tanto a opinião pública mundial como a morte de Mandela; e não por suas riquezas, mas pela qualidade humana e a nobreza de seus sentimentos e ideias.

Ao longo da história, até há apenas um século e meio e antes que as máquinas e robôs, a um custo mínimo de energia, se ocupassem de nossas modestas tarefas, não existia nenhum dos fenômenos que hoje comovem a humanidade e regem inexoravelmente cada uma das pessoas: homens ou mulheres, crianças e idosos, jovens e adultos, agricultores e operários fabris, manuais ou intelectuais. A tendência dominante é a de instalar-se nas cidades, onde a criação de empregos, o transporte e condições elementares de vida demandam enormes investimentos em detrimento da produção alimentar e outras formas de vida mais razoáveis.

Três potências fizeram pousar artefatos na Lua de nosso planeta. No mesmo dia em que Nelson Mandela, envolto na bandeira de sua pátria, foi sepultado no pátio da humilde casa onde nasceu há 95 anos, um módulo sofisticado da República Popular da China descia em um espaço iluminado de nossa Lua. A coincidência de ambos os fatos foi absolutamente casual.

Milhões de cientistas investigam matérias e radiações na Terra e no espaço; por eles se conhece que Titã, uma das luas de Saturno, acumulou 40 vezes mais petróleo do que o existente em nosso planeta quando começou a exploração deste há apenas 125 anos, e ao ritmo atual de consumo durará apenas mais um século.

Os fraternais sentimentos de irmandade profunda entre o povo cubano e a pátria de Nelson Mandela nasceram de um fato que nem sequer foi mencionado, e do qual não tínhamos dito uma palavra ao longo de muitos anos; Mandela, porque era um apóstolo da paz e não desejava prejudicar ninguém. Cuba, porque jamais realizou ação alguma em busca de glória ou prestígio.

Quando a Revolução triunfou em Cuba fomos solidários com as colônias portuguesas na África, desde os primeiros anos; os Movimentos de Libertação nesse continente punham em cheque o colonialismo e o imperialismo, depois da Segunda Guerra Mundial e a libertação da República Popular da China — o país mais povoado do mundo —, e depois do triunfo glorioso da Revolução Socialista Russa.

As revoluções sociais abalavam os cimentos da velha ordem. Os habitantes do planeta, em 1960, já atingiam o número de três bilhões. Paralelamente cresceu o poder das grandes empresas transnacionais, quase todas em mãos dos Estados Unidos, cuja moeda, apoiada no monopólio do ouro e da indústria intacta por estar longe das frentes de batalha, se tornou dona da economia mundial. Richard Nixon derrogou unilateralmente o respaldo de sua moeda em ouro, e as empresas de seu país se apoderaram dos principais recursos e matérias primas do planeta, que adquiriram com papéis.

Até aqui não há nada que são se saiba.

Mas, por que se pretende ocultar que o regime do Apartheid, que tanto fez a África sofrer e indignou a imensa maioria das nações do mundo, era fruto da Europa colonial e foi convertido em potência nuclear pelos Estados Unidos e Israel, regime que Cuba, um país que apoiava as colônias portuguesas na África que lutavam por sua independência, condenou abertamente?

Nosso povo, que tinha sido cedido pela Espanha aos Estados Unidos depois de heroica luta durante mais de 30 anos, nunca se resignou ao regime escravista que lhe impuseram durante quase 500 anos.

Da Namíbia, ocupada pela África do Sul, partiram em 1975 as tropas racistas apoiadas por tanques ligeiros com canhões de 90 milímetros que penetraram mais de mil quilômetros até as proximidades de Luanda, onde um Batalhão de Tropas Especiais cubanas — enviadas por via aérea — e várias tripulações também cubanas de tanques soviéticos que estavam ali sem pessoal, pôde contê-las. Isto ocorreu em novembro de 1975, 13 anos antes da Batalha de Cuito Cuanavale.

Já disse que nada fazíamos em busca de prestígio ou benefício algum. Mas constitui um fato muito real que Mandela foi um homem íntegro, revolucionário profundo e radicalmente socialista, que com grande estoicismo suportou 27 anos de encarceramento solitário. Eu não deixava de admirar sua honradez, sua modéstia e seu enorme mérito.

Cuba cumpria seus deveres internacionalistas rigorosamente. Defendia pontos chaves e treinava a cada ano milhares de combatentes angolanos no manejo das armas. A URSS fornecia o armamento. Contudo, naquela época não compartilhávamos a ideia do assessor principal dos fornecedores do equipamento militar. Milhares de angolanos jovens e saudáveis ingressavam constantemente nas unidades de seu incipiente exército. O assessor principal não era, porém, um Zhúkov, Rokossovski, Malinovsky ou outros muitos que encheram de glória a estratégia militar soviética. Sua ideia obsessiva era enviar brigadas angolanas com as melhores armas ao território onde supostamente residia o governo tribal de Savimbi, um mercenário a serviço dos Estados Unidos e da África do Sul, que equivalia a enviar as forças que combatiam em Stalingrado à fronteira da Espanha falangista que tinha mandado mais de 100 mil soldados para lutar contra a URSS. Naquele ano se estava produzindo uma operação desse tipo.

O inimigo avançava na retaguarda das forças de várias brigadas angolanas, golpeadas nas proximidades do objetivo para onde eram enviadas, a aproximadamente 1.500 quilômetros de Luanda. Dali vinham sendo perseguidas pelas forças sul-africanas em direção a Cuito Cuanavale, antiga base militar da Otan, a cerca de 100 quilômetros da primeira Brigada de Tanques cubana.

Naquele momento crítico o presidente de Angola solicitou o apoio das tropas cubanas. O chefe de nossas forças no sul, general Leopoldo Cintra Frías, nos comunicou a solicitação, algo que era habitual. Nossa firme resposta foi que prestaríamos esse apoio se todas as forças e equipamentos angolanos dessa frente se subordinassem ao comando cubano no sul de Angola. Todo mundo compreendia que nossa solicitação era um requisito para converter a antiga base no campo ideal para golpear as forças racistas da África do Sul.

Em menos de 24 horas chegou de Angola a resposta positiva.

Decidiu-se o envio imediato de uma Brigada de Tanques cubana para esse ponto. Várias outras estavam na mesma linha para o oeste. O obstáculo principal era a lama e a umidade da terra na época de chuva, que era necessário fazer a verificação metro a metro contra minas terrestres. A Cuito, foi enviado igualmente o pessoal para operar os tanques sem tripulação e os canhões que necessitavam delas.

A base era separada do território, que fica a leste pelo caudaloso e rápido rio Cuito, sobre o qual se erguia uma sólida ponte. O Exército racista atacou desesperadamente, conseguiu lançar um avião teleguiado cheio de explosivos e fazê-lo chocar sobre a ponte, inutilizando-a. Os tanques angolanos que podiam mover-se em retirada cruzaram um ponto mais ao norte. Aqueles que não estavam em condições adequadas eram enterrados com suas armas apontando para o leste; uma densa faixa de minas terrestres e antitanques converteu a linha em uma armadilha mortal através do rio. Quando as forças racistas retomaram o avanço e se chocaram contra aquela muralha, todas as peças de artilharia e os tanques das brigadas revolucionárias disparavam desde seus pontos de localização na zona de Cuito.

Um papel especial foi reservado aos caças Mig-23 que, a uma velocidade próxima de mil quilômetros por hora e a 100 metros de altura, eram capazes de distinguir se o pessoal de artilharia era negro ou branco, e disparavam incessantemente contra eles.

Quando o inimigo desgastado e imobilizado iniciou a retirada, as forças revolucionárias se prepararam para os combates finais.

Numerosas brigadas angolanas e cubanas se movimentaram a ritmo rápido e a distância adequada para o oeste, onde estavam as únicas vias amplas por onde sempre os sul-africanos iniciavam suas ações contra Angola. O aeroporto, contudo, situava-se a aproximadamente 300 quilômetros da fronteira com a Namíbia, ocupada totalmente pelo exército do Apartheid.

Enquanto as tropas se reorganizavam e reequipavam, decidiu-se com toda urgência construir uma pista de aterrissagem para os Mig-23. Nossos pilotos estavam utilizando os equipamentos aéreos entregues pela URSS a Angola, cujos pilotos não tinham disposto do tempo necessário para sua adequada instrução. Vários equipamentos aéreos sofreram baixas que às vezes eram ocasionadas por nossos próprios artilheiros ou operadores de meios antiaéreos. Os sul-africanos ainda ocupavam uma parte da principal estrada que conduz desde a borda do planalto angolano à Namíbia. Nas pontes sobre o caudaloso rio Cunene, entre o Sul de Angola e o Norte da Namíbia, começaram nesse lapso de tempo com o joguete de seus disparos com canhões de 140 milímetros que dava a seus projéteis um alcance próximo aos 40 quilômetros. O problema principal radicava no fato de que os racistas sul-africanos possuíam, segundo nossos cálculos, entre 10 e 12 armas nucleares. Eles tinham realizado provas inclusive nos mares ou nas áreas congeladas do sul. O presidente Ronald Reagan tinha autorizado isso, e entre os equipamentos entregues por Israel estava o dispositivo necessário para fazer explodir a carga nuclear. Nossa resposta foi organizar o pessoal em grupos de combate de não mais de mil homens, que deviam marchar de noite em uma ampla extensão de terreno e dotados de carros de combate antiaéreos.

As armas nucleares da África do Sul, segundo informes fidedignos, não podiam ser carregadas por aviões Mirage, necessitavam de bombardeiros pesados tipo Canberra. Mas em qualquer caso a defesa antiaérea de nossas forças dispunha de numerosos tipos de foguetes que podiam golpear e destruir objetivos aéreos a até dezenas de quilômetros de nossas tropas. Adicionalmente, uma represa de 80 milhões de metros cúbicos de água situada em território angolano tinha sido ocupada e minada por combatentes cubanos e angolanos. A explosão daquela represa seria equivalente a várias armas nucleares.

Não obstante, uma hidrelétrica que usava as fortes correntes do rio Cunene, antes de chegar à fronteira com a Namíbia, estava sendo utilizada por um destacamento do exército sul-africano.

Quando no novo teatro de operações os racistas começaram a disparar os canhões de 140 milímetros, os Mig-23 golpearam fortemente aquele destacamento de soldados brancos, e os sobreviventes abandonaram o lugar deixando inclusive alguns cartazes críticos contra seu próprio comando. Tal era a situação quando as forças cubanas e angolanas avançavam rumo às linhas inimigas.

Eu soube que Katiuska Blanco, autora de vários relatos históricos, junto a outros jornalistas e repórteres, estavam ali. A situação era tensa, mas ninguém perdeu a calma.

Foi então que chegaram notícias de que o inimigo estava disposto a negociar. Tinha-se conseguido pôr fim à aventura imperialista e racista; em um continente que em 30 anos terá uma população superior à da China e Índia juntas.

O papel da delegação de Cuba, por motivo do falecimento de nosso irmão e amigo Nelson Mandela, será inolvidável.

Felicito o companheiro Raúl por seu brilhante desempenho e, em especial, pela firmeza e dignidade quando com gesto amável, mas firme, cumprimentou o chefe do governo dos Estados Unidos e lhe disse em inglês: “Senhor presidente, eu sou Castro”.

Quando minha própria saúde pôs limites a minha capacidade física, não vacilei um minuto em expressar meu critério sobre quem a meu juízo poderia assumir a responsabilidade. Uma vida é um minuto na história dos povos, e penso que quem assuma hoje tal responsabilidade requer a experiência e a autoridade necessárias para optar diante de um número crescente, quase infinito, de variantes.

O imperialismo sempre reservará várias cartas para dobrar nossa ilha, embora tenha que despovoá-la, privando-a de homens e mulheres jovens, oferecendo-lhes migalhas dos bens e recursos naturais que saqueia ao mundo.

Que falem agora os porta-vozes do império sobre como e por que surgiu o Apartheid.

Fidel Castro Ruz, em 18 de dezembro de 2013, às 20h35


Tradução de José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Livro em PDF: LUIZ CARLOS PRESTES E A ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA

Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora : os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35), de Anita Leocadia Prestes. -- São Paulo : Brasiliense, 2008.

CLIQUE NO LINK ABAIXO PARA ACESSAR O LIVRO EM PDF


LEIA A SEGUIR A RESENHA SOBRE O LIVRO, ESCRITA PELO HISTORIADOR CIRO FLAMARION CARDOSO.

Redimensionando Prestes e 1935


Por Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013)


PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora. Os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35). Petrópolis, Editora Vozes, 1998, 149 pp. [Reeditado pela Brasiliense em 2008]

O novo livro de Anita Prestes se inscreve, por um lado, numa linha coerente de pesquisa que rendeu até agora, além da obra presente, duas outras anteriormente publicadas: A Coluna Prestes, cuja terceira edição, pela Brasiliense, é de 1991 (e que resultou de tese de doutorado defendida na UFF); e Os militares e a reação republicana (As origens do tenentismo), que veio a público, pela Vozes, em 1994. Na continuação da linha mencionada, a autora desenvolve atualmente o projeto – que certamente renderá novos textos publicados – “Tenentismo pós-30: continuidade ou ruptura”.

O livro tem, por outro lado, um significado especial para a autora. Este é o ano do centenário de nascimento de Luiz Carlos Prestes. E Anita, pessoa e historiadora de caráter e convicção firmes, vem-se empenhando em combater o processo pelo qual, de um lado, continua-se a repetir as inverdades fartamente divulgadas no bojo da visão oficial dos acontecimentos de 1935 – o enfoque em termos de “Intentona Comunista”, “ordens de Moscou”, etc., quando não visões mais sofisticadas mas com as mesmas intenções, servidoras dos mesmos interesses – e de outro dão-se as tentativas acerca do próprio Prestes, seja no sentido de uma apropriação de sua figura da parte exatamente daquelas forças que ele combateu durante tantas décadas, seja de mostrá-lo como um homem honesto, bem-intencionado mas equivocado: surgindo, em ambos os casos, uma versão inofensiva do líder. Isto possibilita, até, que homenagens das mais suspeitas do ponto de vista político lhe sejam prestadas em caráter póstumo.


A autora encara o seu livro como esforço que procura “desmontar as versões absolutizadoras e/ou deturpadoras dos acontecimentos de 1935” (p. 19). Um esforço baseado em séria pesquisa de primeira mão. Desmontar, porém, não basta: assim, o texto traz também “uma nova abordagem” da conjuntura política de 1934/35 no Brasil. Na empresa de redimensionar tal aspecto da história nacional, a historiadora não critica somente posições direitistas: diverge, também, de opiniões emitidas por autores provenientes incontestavelmente da esquerda. Para dar um exemplo, se demonstra o absurdo da posição em termos de “ordens de Moscou”, acha também que a historiadora Marly Vianna subestimou “a influência da Internacional Comunista junto ao Partido Comunista Brasileiro e à Aliança Nacional Libertadora” (p.97, nota 1).

No que tange às razões da derrota dos movimentos insurrecionais de 1935, Anita Prestes enfatiza erros de análise. Uma espécie de wishful thinking que teimava em ver uma “situação revolucionária” que de fato não existia e impedia que se percebesse a fragilidade de fundo do entusiasmo e da indubitável radicalização em curso; e, sobretudo, o “salvacionismo” conducente a esperanças de tipo golpista, muito forte entre os comunistas brasileiros, “dadas as limitações de sua formação e do meio em que atuavam” (p. 138), ou seja, uma sociedade brasileira proveniente de um processo histórico de formação

...marcado pela inegável força que as classes dominantes do país sempre tiveram para impor aos setores populares um estado de desorganização e desestruturação social que viria a tornar-se um dos traços mais característicos dessa sociedade excludente em relação aos “de baixo” e “gelatinosa”, no sentido de que não restaria nela espaço para que o povo organizado pudesse influir na vida política nacional. (...) (p. 139)


Note-se que, ao tratar dos erros de avaliação ocorridos, a autora não exclui deles o próprio Prestes. É assim que, ao comentar o Manifesto por ele assinado em 5 de julho de 1935, afirma:


Hoje é evidente que a avaliação da situação feita no Manifesto não correspondia à real correlação de forças presentes no cenário político daquele momento, mas uma parcela considerável e mais radicalizada dos aliancistas não só concordava com tal avaliação como considerava que o apelo de Prestes deveria ser seguido. (p.121)

Para mim, que vivi no período em que estudava na Universidade Federal do Rio de Janeiro a catástrofe de 1964, o livro desperta a sensação de um certo paralelo, mutatis mutandis, entre os processos de 1934/35 e 1963/64: em ambos os casos, uma radicalização indubitável mas muito limitada em suas possibilidades reais foi seguida por um golpe da direita de violência fora de qualquer proporção. E, em ambos os casos, por razões similares se bem que em contextos bastante diferentes, o apelo à greve geral, ao cair no vazio, demonstrou quão equivocado era o ufanismo anterior quanto às reais possibilidades, na época, de uma ampla mobilização popular.


Obra polêmica versando sobre um episódio dos mais debatidos da história brasileira deste século que termina, não deixará de acender polêmicas bem-vindas nestes tempos de nova vitória da direita: desta vez, efetivada sem recurso a um golpe de Estado, mas não menos devastadora em seus efeitos. Uma direita que continua tão interessada quanto sempre esteve na deturpação da história dos movimentos de contestação social e da atuação de seus líderes, entre os quais Luiz Carlos Prestes ocupa um lugar privilegiado.




Bachelet: “antipolítica” + antipartido = gobierno de los mercados

Por Atilio A. Boron 

Si hay algo que puede de vaciar de contenido un proyecto democrático es la combinación entre abstencionismo electoral y el rechazo de los partidos políticos. Y esto es precisamente lo que está ocurriendo en Chile a partir del triunfo de Michelle Bachelet en un comicio en el cual quien verdaderamente arrasó fue el abstencionismo, que arañó el 59 por ciento del padrón electoral, mientras que Bachelet apenas obtuvo el apoyo de un 25 por ciento del mismo. No hace falta ser un Premio Nobel de Ciencia Política (plaga por ahora inexistente) para  concluir que la democracia chilena enfrenta una grave crisis de legitimidad: la “antipolítica”, o sea, la indiferencia ciudadana ante el predominio indiscutido de los grandes intereses privados expresa, de manera categórica, el triunfo ideológico del neoliberalismo en un país en donde no sólo la economía tiene ese signo ideológico sino que también lo asume como su divisa una sociedad que lleva más de cuarenta años de indoctrinamiento en los valores más exacerbados del individualismo burgués.

La apatía ciudadana no es un capricho. Se explica por un hecho bien sencillo: una democracia que durante más de veinte años se desinteresó por la suerte de la ciudadanía (al paso que se desvivía por asegurar las ganancias de los capitalistas) al cabo de un cierto tiempo sólo podía cosechar apatía, desinterés y, en algunos casos, el abierto repudio de amplios sectores de la sociedad.  No sorprende que la última encuesta de Latinobarómetro haya certificado que, interrogada sobre cuál es la forma preferible de gobierno, casi un tercio de la muestra entrevistada en Chile, exactamente el 31 por ciento, declarase preferir un gobierno autoritario o que “le da lo mismo” cualquier clase de régimen político.  En Venezuela, en cambio, para tomar el caso de un gobierno ferozmente atacado por la prensa hegemónica en la región a causa de sus supuestos “déficits democráticos”, quienes contestan de la misma manera constituyen apenas el 11 por ciento de los entrevistados. Y como asegura la teoría política, la calidad de una democracia se mide, entre otras cosas, por las creencias políticas de sus ciudadanos. No es este el único indicador en el cual la Venezuela bolivariana supera a casi todos los países de la región, comenzando por Chile.

El triunfo del neoliberalismo y la exaltación de los valores mercantiles se traduce naturalmente en la derrota de la política a manos del mercado; del espacio público subyugado por la esfera de lo privado, dominada por las grandes empresas. A lo anterior súmesele la preocupante declaración que hiciera Bachelet al día siguiente de su victoria cuando dijera (tal como lo reprodujera Página/12en su edición del 17 de Diciembre) que “las decisiones las voy a tomar yo, no sólo del gabinete. La coalición que me apoya es una cosa, la constitución del gobierno yo la voy a decidir.”  En otras palabras el peor de los mundos: apatía ciudadana combinada con la desmovilización, o marginación de los partidos políticos y, por añadidura, de movimientos sociales u otras formas de organización, que son la expresión de las aspiraciones, expectativas e intereses de las clases y capas sociales que componen la sociedad chilena. ¿Creerá acaso la futura presidenta que de ese modo podrá avanzar en la reforma de la antidemocrática constitución pinochetista, el regresivo régimen tributario y la educación convertida en un negocio que ofrece pingües ganancias a los empresarios que lucran con ella, para ni hablar de derogar la decimonónica y reaccionaria  legislación laboral que todavía subsiste en Chile? Sin una población re-politizada (como supo ser la del Chile de Salvador Allende) y sin partidos políticos y movimientos sociales que canalicen y potencien las aspiraciones populares la democracia chilena continuará siendo fácil presa de las clases dominantes, de los grandes empresarios que desde dentro y fuera de Chile han venido controlando el estado y los sucesivos gobiernos desde el golpe del 11 de Septiembre de 1973.

Convendría que, habida cuenta de lo anterior, Bachelet reflexionara sobre lo que más de una vez sentenciara George Soros: “los ciudadanos votan cada dos años, los mercados votan todos los días.”  Controlar ese nefasto influjo cotidiano de los mercados –eufemismo para no designar por su nombre al gran capital- será una misión imposible sin sortear la trampa de la “antipolítica” y sin garantizar que los partidos, sobre todos los de izquierda, jueguen un papel protagónico en su gobierno. De lo contrario, el tránsito desde esa frágil democracia sin ciudadanos hacia una plutocracia desenfrenada será tan acelerado como inevitable.


FONTE: Atilio Boron

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

PNE (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO)

Senado aprova PNE com menos recursos para educação pública


O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (17) o PNE (Plano Nacional de Educação), depois de um ano de tramitação na Casa. O texto, que deveria entrar em vigor em 2011, ainda voltará para a Câmara.
O PNE é um projeto que estabelece uma série de obrigações em dez anos, entre elas a erradicação do analfabetismo, o oferecimento de educação em tempo integral e o aumento das vagas no ensino técnico e na educação superior.
A redação aprovada em plenário nesta terça é uma vitória do governo, que não queria o texto da Câmara e que fez diversas alterações no projeto nas comissões de Constituição e Justiça e de Assuntos Econômicos.
De acordo com a nova redação, em vez de obrigar o governo federal a investir emeducação pública, o texto do PNE aprovado no Senado exige investimento público em educação.  De um modo geral, a troca de alguns trechos fez com que o Estado pudesse incluir no orçamento da educação verbas de programas que incluem parcerias com entidades privadas.
"Hoje o PNE foi gravemente desconstruído pelo Senado Federal. O texto tanto diminui o recurso para educação pública como o governo não vai ter a obrigação de criar uma matrícula nova no ensino técnico nem no ensino superior", afirma Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e colunista do UOL Educação.
Para Cleuza Repulho, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), a partir de agora os movimentos devem pressionar a Câmara para que o PNE seja votado com rapidez. "O texto da Câmara é o que nós gostaríamos que fosse aprovado. Mas agora vamos batalhar para retomar o trecho sobre o financiamento da educação pública e a inclusão das crianças com deficiência", afirma.

MENOS INVESTIMENTO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA

PNE aprovado pela CâmaraPNE aprovado pelo Senado
Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.Meta 20: ampliar o investimento público em educação de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio, observado o disposto no § 5º do art. 5º desta Lei.
Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público.Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) de gratuidade na expansão de vagas.
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público.Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurando a qualidade de oferta.

Votação

O primeiro requerimento do PNE votado pelo plenário foi o apresentado pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que pedia a federalização da educação e limitava os investimentos na educação pública. "A proposta do governo não se compromete com a educação publica", disse o senador ao defender a sua redação.
Em resposta, o líder do governo, Eduardo Braga (PMDB-AM), defendeu a retirada do termo "público" do texto apresentado pela Comissão de Educação. "A educação tem que ser financiada com recursos públicos. É preciso entender que não podemos restringir, nós temos que ampliar o financiamento", afirmou. O texto de Buarque foi rejeitado pela maioria dos senadores.
Em seguida, os senadores aprovaram um substitutivo apresentado pelo governo ao relatório da CE. Com isso, o governo queria retomar alterações feitas durante a passagem do plano pela CAE e pela CCJ.
Nesta última votação, o plano ainda ganhou a 21ª meta, que prevê o aumento da produção científica brasileira e o investimento na formação de doutores.

Inclusão

Outro ponto polêmico do PNE no Senado foi a meta 4, que no texto original pretendia universalizar o atendimento de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades na rede regular de ensino, e não em escolas especiais. 
O texto aprovado hoje altera a redação original e atende ao pedido das instituições, prevendo que os alunos tenham a opção de serem matriculados em escolas especiais, se quiserem.

Vai e vem

O PNE foi enviado pelo governo federal ao Congresso em 15 de dezembro de 2010 e só foi aprovado pela Câmara dos Deputados quase dois anos depois, em outubro de 2012, após ter recebido cerca de três mil emendas.
No Senado, o texto foi debatido na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, por último, na CE (Comissão de Educação). Agora segue para a Câmara, onde pode ou não ser submetido ao plenário.