domingo, 28 de novembro de 2010

Mais de 11 milhões de brasileiros passaram fome em 2009

Do UOL Ciência e Saúde

Aproximadamente 30% dos domicílios brasileiros não têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. É o que mostra levantamento suplementar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgado nesta sexta-feira (26) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A pesquisa, relativa a 2009, analisou 58,6 milhões de domicílios particulares no país. Desse total, 17,7 milhões (30,2%) apresentam algum grau de insegurança alimentar, o que representa um total de 65,6 milhões de pessoas. Em 2004, a proporção era de 34,9%.

Entre esses domicílios mencionados acima, 18,7% (ou 11 milhões de lares) apresentam situação de insegurança alimentar leve; 6,5% (3,8 milhões) moderada, e 5% (2,9 milhões) grave. Ao todo, 11,2 milhões de pessoas relataram ter passado fome no período investigado.

Em 2004, as prevalências de domicílios com moradores em situação de insegurança alimentar leve, moderada e grave eram, respectivamente, 18%, 9,9% e 7%. Ou seja, houve redução dos percentuais de restrição moderada e grave.

A pesquisa mostra que a prevalência de insegurança alimentar é maior na área rural do que na urbana. Enquanto 6,2% e 4,6% dos domicílios em área urbana apresentavam níveis moderado e grave, respectivamente, na área rural as proporções foram de 8,6% e 7%.



Regiões


O levantamento mostra que a Região Sul é a que apresenta menos problemas. Santa Catarina é a unidade da Federação com maior percentual (85,2%) de domicílios em situação de segurança alimentar, seguida do Rio Grande do Sul (80,8%) e do Paraná (79,6%). A média nacional é de 69,8%.

Já nas regiões Norte e Nordeste, todos os Estados apresentam proporções inferiores à média nacional de segurança alimentar. No Maranhão (35,4%) e no Piauí (41,4%), nem metade dos domicílios conta com alimentação saudável e em quantidade suficiente assegurada. No Centro-Oeste, apenas Goiás está nessas condições.



Perfil dos domicílios


Além de menos bens, os domicílios em situação de insegurança alimentar também são os menos atendidos pela rede coletora de esgoto sanitário. Outra característica é a maior densidade por dormitório: em 4,5% dos domicílios com restrições alimentares graves há três ou mais moradores dormindo no mesmo quarto.

Cerca de 55% dos domicílios em situação de insegurança alimentar moderada ou grave têm renda mensal domiciliar per capita de até meio salário mínimo.

A prevalência de restrições é maior em domicílios em que residem crianças. A pesquisa indica que 8,1% da população de 0 a 17 anos vivem em situação de insegurança alimentar grave. Na faixa etária de 65 anos ou mais, a proporção é de 3,6%.

Do total de 97,8 milhões de moradores pretos ou pardos, 43,4% apresentam algum nível de insegurança alimentar. Entre os brancos (92,4 milhões), a prevalência é de 24,6%.

Em relação à escolaridade, a pesquisa mostra que quanto maior o grau de instrução, menor a prevalência de insegurança alimentar grave ou moderada. Em 2004, 29,2% dos moradores sem instrução ou com menos de um ano estudo apresentavam restrição na quantidade de alimentos moderada ou grave. Em 2009, a proporção caiu para 20,2%.

Máquina de Guerra

Quem será a bola da vez??? Coréia do Norte ou Iran???

A guerra no Rio de Janeiro


A farsa e a geopolítica do crime


por José Claudio S. Alves [*]




Nós que sabemos que o "inimigo é outro", não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.

Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 [1] consegue sustentar tal versão.

O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos cinco anos.

De um lado, milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.

Exemplifico. Em Vigário Geral, a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há quatro anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela milícia. Hoje, a milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.

Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluíram na lista dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de "segurança".

Sabemos igualmente que as UPPs [2] não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos.

Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos políticos hegemônicos na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparato que ocupa militarmente, etc.

Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadam Husein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo?

UMA GUERRA PELA HEGEMONIA DO CRIME

Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as Olimpíadas.

Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico.

Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.

A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI [3] das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros.

Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro, que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e áreas pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos faz esquecer que ela tem outra finalidade e não a hegemonia no controle do mercado do crime no Rio de Janeiro?

Mas não se preocupem. Quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Pontos Maravilha da cidade.

Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão [4] e o Bope passarem.

Notas
1. Segunda versão do filme Tropa de elite. Ver O veneno da mensagem em Tropa de Elite 1 e 2
2. UPPs: As chamadas Unidades de Polícia Pacificadora
3. CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito
4. Caveirão: alcunha de viatura blindada utilizada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro

[*] Sociólogo da UFRRJ

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

O veneno da mensagem em Tropa de Elite 1 e 2


Escrito por Por Movimento das Fábricas Ocupadas



A primeira vista Tropa de Elite 2 não nos diz nenhuma novidade. Nem sobre a realidade social, nem sobre os próprios produtores do filme. Se o Tropa 1 causou empolgação na direita e enjôos na esquerda, este agora parece (mas só parece) o arroz com feijão dos filmes de denúncia da corrupção. Para entender, primeiro é bom lembrar quem é, e de onde vem, o diretor (e produtor) José Padilha. Filho da alta burguesia carioca e morador da Zona Sul do Rio ele se encaminhava para ser um administrador de empresas quando decidiu sair do tédio e brincar um pouco de cineasta, ou melhor, de ganhar muito dinheiro como empresário do entretenimento comercial. Afinal ele é dono da produtora de filmes que está enchendo os bolsos. Por isso tanta preocupação em evitar a “pirataria”. Mas não somente isto, ele também cumpre outro papel.

Padilha é um tipo que percebeu que pode ganhar dinheiro porque tem talento para “traduzir” os problemas sociais na linguagem para e da “classe média” e da própria “elite” (que estão longe destes problemas, mas se “incomodam” com eles). Ele então vai “traduzir” para o idioma da ideologia burguesa que mistifica a realidade, primeiro sobre o que se passa de horroroso e “desconhecido” no submundo das favelas e depois nos meandros daquela coisa misteriosa que ele chama de “sistema” ou de “política”. Sem falar no drama da fome e miséria que ele buscou retratar no sertão do Ceará no documental Garapa (não precisava ir tão longe para encontrar famintos neste país). Para a maioria trabalhadora do povo brasileiro, o filme não traz nada de novo. Não é preciso ver numa tela o que se sofre todos os dias. Aliás, seria até de mau gosto.

O discurso de Padilha tem a pretensão de crítica isenta, mas suas entrevistas e os próprios filmes autorizam a conclusão de que ele não é imparcial como quer aparecer. No caso do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), por exemplo, é nítido seu elogio e mesmo quando criticado por isso, se desconcerta, mas não recua. Ele se coloca atrás da cortina e não assume explicitamente insistindo que está mostrando o que pensam os integrantes do BOPE. Mas na arte como na propaganda os criadores falam através de seus personagens. Padilha diz que entrevistou policiais do BOPE para saber como eles pensam. Mas, porque será que ele não entrevistou os moradores das comunidades e favelas que convivem com os Caveiras e Caveirões, para saber o que pensam a respeito do BOPE?

Simples, porque embora ele seja obrigado a tergiversar, o que lhe interessa é reforçar a instituição do BOPE e garantir sua legitimidade. Porque ele representa sua classe social e seus interesses, que são os mesmos do próprio governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), conhecido por seu discurso reacionário, preconceituoso e pela política repressiva de “segurança pública” acima de tudo, inclusive das próprias pessoas. Daí a importância de legitimar o BOPE, instituição esta que se pensa “nobre” por cumprir tarefa “importante” a sociedade: perseguir, torturar e matar qualquer um que saia correndo nas favelas (e como não correr de Caveiras e Caveirões?). Tudo com o pretexto de combate ao narcotráfico e às milícias da polícia corrupta. Porque se houvesse de fato interesse em acabar com isto estariam preocupados com educação e empregos e não com a “segurança”. A pergunta é, “segurança” para quem?

Já estava claro como Tropa 1 cumpre a tarefa de legitimar a violência do BOPE transformando o Capitão/Coronel Nascimento em herói da burguesia e da classe média que a acompanha. Agora, com Tropa 2, fica claro também outra questão. Diante do crescimento do batalhão, da corrupção nele próprio, dos absurdos cometidos a luz do dia (como o caso do trabalhador que teve a furadeira “confundida” com uma metralhadora e foi assassinado à distância) e do crescimento proporcional do rechaço popular contra o BOPE, o discurso de Padilha serve bem para desviar o olhar e ao mesmo tempo dar respaldo auto-afirmativo, e social aos quadros de uma instituição em crise. Ou seja, “levantar o moral” da tropa.

Instituição que, para funcionar e obter comprometimento de seus policiais com o serviço de matar sem critério e sem culpa, aplica técnicas de lavagem cerebral, humilhação e selvageria dignas dos exércitos norte-americano, israelense e fascista. Recentemente, um policial do BOPE morreu de desidratação durante o treinamento. A família está inconformada e tentando entender. Mas aos jornais, um ex-aluno do curso da “tropa de elite” explicou que “a preparação é cruel e os instrutores usam a falta d’água como punição”. Treinamentos e ideologia que exigem a conversão dos soldados até o ponto de que estejam suficientemente despojados de sua humanidade e dignidade para se tornar assassinos profissionais e sínicos. Processo que envolve estresse e sofrimento psicológico, o que só é minimizado pelo fato de que o recrutamento se dá entre os policiais mais propensos a esta conversão. E para não enlouquecê-los faz-se acreditar que seu trabalho é “nobre”.

Por isso, neste novo filme o “inimigo é outro”. Se em Tropa 1 o inimigo dos nobres soldados do BOPE era o tráfico, e acabou se tornando o próprio BOPE para parte da crítica e do público que não vive de hipocrisias, em Tropa 2 a coisa muda. O elogio agora pega mais leve, para ver se desta vez convence mais gente. Para salvar a mensagem fascista impregnada sai do foco o BOPE e entra o esquema das milícias com a “política”, corrupta por natureza na cabeça de Padilha. Sobra até para a esquerda, que ele pinta de “maconheira”. Ele próprio defensor da liberação de todas as drogas como afirmou no programa de Jô Soares. Ignorando o problema que as drogas representam a saúde pública, a explosão do consumo de Crack e outras drogas pesadas pela venda combinada e obrigatória com a Maconha.

Mas Padilha vai eternamente dizer que só está querendo “entender e explicar o que leva as pessoas a se tornarem traficantes assassinos e policiais corruptos”. Ótima estratégia para evitar críticas ao filme por sua reverência ao BOPE, ao mesmo tempo em que livra a cara do próprio BOPE, deslocando a crítica para o esquema de colaboração entre milícias, traficantes e políticos corruptos. Como se fosse grande novidade. Com exceção de que Padilha também ignora os grandes empresários que encabeçam o tráfico e a combinação de interesses entre capitalistas e os órgãos do Estado, típica da sociedade capitalista.

No fim das contas, para quem assiste ao filme desavisado, parece que Nascimento é um Caveira ingênuo que de repente vai descobrindo a podridão do mundo em que vive e que finalmente dá as mãos aos defensores dos direitos humanos. Que ironia! E assim, pretende-se dar a impressão ao público de que a descoberta de Nascimento é uma boa didática sociológica. Mistifica a sociedade capitalista como um corpo que só não é saudável e funcional porque ainda não se livrou das doenças que só o remédio dos Caveiras pode curar-lhe, por baixo exterminando a escória, e por cima denunciando os esquemas. Os filmes até parecem que fazem crítica ao BOPE em certos momentos, mas somente para reiterar seu caráter de mal necessário logo em seguida, como na passagem onde são os próprios do batalhão que salvam Nascimento da emboscada com os milicianos.

Seguindo esta linha, não será estranho se num Tropa 3 futuro o Coronel Nascimento aparecer como herói da direita, da burguesia e da classe média desesperadas pela crise mundial, sendo alçado ao poder mediante golpe de Estado, como chefe de uma ditadura militar “honesta e dura” como o próprio BOPE. E tudo como se fosse natural e politicamente correto. A moral da história é que Padilha aprendeu bem com o BOPE como se faz lavagem cerebral.

Não há que defender os 400 picaretas de Brasília e os políticos em geral, mas desmoralizar a democracia por mais entre aspas que ela esteja, e baseado na dualidade entre corrupção e moralidade, é preparar o terreno para o fascismo. A dualidade capitalista está entre os empresários capitalistas e latifundiários no poder contra o povo trabalhador do campo e da cidade (e não só no Brasil). O narcotráfico é só mais um negócio lucrativo baseado na exploração direta do trabalho e indireta pelo consumo dos trabalhadores e da juventude em face do desemprego e falta de perspectivas. Que aliás, também atinge a própria “classe média”. A contradição só pode ser resolvida por quem opera os botões e as engrenagens que fazem o mundo andar e parar: os trabalhadores. Portanto, já temos nossos heróis. Não precisamos de outros, muito menos daqueles que nos sufocam até a morte com sacos plásticos, fuzis e filmes de ideologia venenosa, que legitima a violência.

FONTE: http://fabricasocupadas.org.br/site/?p=826

sábado, 27 de novembro de 2010

Carta de repúdio à publicação do PC do B

Ao Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

Dirijo-me à direção do PCdoB para externar minha estranheza e minha indignação com imagem, que está circulando na Internet, da capa de uma publicação intitulada "Gibi do ProgramaSocia
lista do PCdoB - O ideal e o caminho", assinado por Bernardo Joffily.

Essa publicação apresenta imagens dos meus pais, Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, ladeando a figura de Getúlio Vargas. Também estão colocadas junto a Vargas lideranças revolucionárias como Carlos Lamarca e João Amazonas. Não posso aceitar que sejam divulgadas, sem nenhuma razão paratal, imagens dos meus pais, dois revolucionários comunistas, junto com o ditador sanguinário Getúlio Vargas, que manteve Luiz Carlos Prestes preso durante nove anos e entregou Olga Benario Prestes à Alemanha nazista para ser assassinada numa câmara de gás.

Espero, portanto, que a direção do PcdoB torne público pronunciamento a respeito e retire de circulação tal publicação, cujo teor contribuirá para adistorção da história do Brasil e, em particular, das lutas revolucionárias em nosso país.

Atenciosamente,

Anita Leocádia Prestes





FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5134

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Violência é caso para inteligência

Por Marcelo Freixo
(deputado estadual-RJ/PSOL)
Quero conversar com os demais deputados para chamar a atenção para algumas coisas que fogem a obviedade. É claro que a situação no Rio é uma situação delicadíssima, inaceitável. Todos nós sabemos disso, mas cabe ao Parlamento um debate um pouco mais profundo, do que necessariamente faz, ou fazem os meios de comunicação. E, nesse sentido, quero pontuar algumas coisas. Primeiro, a venda fácil da imagem de que o Rio de Janeiro está em guerra. Quero questionar essa ideia de que o Rio está em guerra.

Primeiro, que as imagens, as armas, o número de mortos, tudo isso poderia nos levar a uma conclusão da ideia de uma guerra. Mas, qual é o problema de nós concluirmos que isso é uma guerra, de forma simplista? Não há elemento ideológico: não há nenhum grupo buscando conquistar o estado. Não há nenhum grupo organizado que busca a conquista do poder por trás de qualquer uma dessas atitudes. As atitudes são bárbaras, são violentas, precisam ser enfrentadas, mas daí a dizer que é uma guerra, traz uma concepção e uma reação do Estado que, em guerra, seria matar ou morrer. Numa guerra a consequência e as ações do Estado são previstas para uma guerra. Hoje, inevitavelmente, o grande objetivo é eliminar o inimigo e talvez as ações do Estado tenham que ser mais responsáveis e mais de longo prazo.

É preciso lembrar que existem outras coisas importantes que temos que pensar neste momento. Primeiro, não precisa ser nenhum especialista para imaginar que as ações das UPPs teriam essa consequência em algum momento. Não precisa ser especialista para fazer essa previsão. Era óbvio que em algum momento, ou no momento da instalação, quando não houve, ou num momento futuro, uma reação seria muito provável. Então, era importante que o governo estivesse um pouco mais preparado para esse momento. Dizer que está sendo pego de surpresa porque no final do ano está acontecendo isso não me parece algo muito razoável, porque era evidente que isso poderia acontecer.

Neste sentido, seria fundamental que, junto com a lógica das ocupações – eu não vou aqui debater sobre as UPPs, mas tenho os meus questionamentos –, acontecesse o incremento de um serviço de inteligência. Na verdade, o governo do Rio de Janeiro investe muito pouco no serviço de inteligência da polícia, investe muito pouco na estrutura de inteligência.

Vou dar um exemplo. Quem quer visitar a Draco, a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, portanto, uma delegacia estratégica? Se alguém tem alguma dúvida de que a Segurança Pública não faz investimento nos lugares devidos, vá a essa delegacia, que deveria ser muito bem equipada e estruturada, com boa equipe, bem remunerada, com bons instrumentos. Essa delegacia é uma pocilga, é um lixo! Ela fica nos fundos da antiga Polinter, na Praça Mauá, sem qualquer condição de trabalho para os policiais. Estou falando da Draco, da Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado, uma das mais importantes que tem o Rio de Janeiro.

Não adianta a Segurança Pública ser instrumento de propaganda política quando, na verdade, os investimentos mais importantes e necessários não são feitos nos lugares corretos, não atendem aos lugares corretos. Se o Governo do Estado do Rio de Janeiro investisse na produção de inteligência e na inteligência da ação policial, certamente, muito do que está acontecendo – não totalmente, para ser honesto, mas muito do que está acontecendo – poderia ser previsto. A ação poderia ser mais preventiva do que reativa.

As ações emergenciais diante uma situação como essa, é evidente que precisam ser tomadas. É evidente que a polícia tem que ir para rua, é evidente que você tem que ter uma atenção maior, tem que haver a comunicação com o Secretário permanente com a sociedade, isso ele está fazendo, eu acho que é um mérito, acho que ele não está fugindo do problema, está debatendo, isso é importante. Mas nós temos também que perceber nesse momento o que não funcionou porque não adianta nesse momento a gente falar: “a culpa é da bandidagem”, isso me parece um tanto quanto óbvio, mas, o que de responsabilidade tem no Poder Público que falhou e que não pode mais falhar? Uma boa parte dos prisioneiros do chamado “varejo da droga” foi transferida para Catanduvas, o que, diga-se de passagem, é um atestado de incompetência do nosso sistema prisional que transfere para Catanduvas, porque no Rio de Janeiro a gente não consegue manter os bandidos presos, afinal de contas, há uma série de problemas: de limitações, de uma corrupção incontrolável... agora, transfere para Catanduvas e aí a solução e o diagnóstico dados pela Secretaria de Segurança é que partiu de Catanduvas a ordem para que tudo isso aconteça. Enfim, agora que o problema é de Catanduvas, a gente transfere os delinquentes para Marte?

Então, qual é a solução? O que está acontecendo de fato nesse momento? Essa juventude do varejo da droga nunca se organizou em movimento de igreja; nunca se organizou em movimento estudantil - até porque nem para escola boa parte foi -, nunca se organizou em movimento sindical; não é uma juventude que tem uma tradição, uma cultura de organização, não tem. Agora, querer achar que eles passam a se organizar e organizar muito bem, que representam o tráfico internacional? É uma tolice. Essa juventude é uma juventude violenta que só entende a lógica da barbárie e é com a barbárie que eles estão reagindo a essa situação que está colocada no Rio de Janeiro, está longe, muito longe de ser o verdadeiro “crime organizado”.

Fica uma pergunta: quantas vezes a polícia do Rio de Janeiro, em parceria com a Polícia Federal, em parceria com a Marinha, em parceria com quem quer que seja, fez ações de enfrentamento ao tráfico de armas na Baía de Guanabara? Quantas vezes a Baía de Guanabara foi palco das ações de enfrentamento ao tráfico de armas e ao tráfico de drogas? Nunca! Não é feito porque não interessa o enfrentamento ao tráfico de armas, o que interessa é o enfrentamento aos lugares pobres, que são mais fáceis, mais vulneráveis para que essa coisa aconteça, e ficam “enxugando gelo”. Quem é que vende esse armamento para esses lugares? São setores que passam por dentro do próprio Estado, todo mundo sabe disso. A gente precisa interromper um processo hipócrita antes de debater qualquer saída de Segurança Pública. Nós temos que, nesse momento de grave crise do Rio de Janeiro, discutir as políticas públicas de Segurança que não estão funcionando. Não dá para o Governo chegar agora e dizer: “está ruim porque está bom”, “está um horror porque estão reagindo a algo que está muito bom”. É pouco e irresponsável diante do que a população está passando. Nós temos que, neste momento, ser honestos e mais republicanos e admitir onde falhamos para que possamos avançar, num debate que não pode ser partidário, mas responsável, com a população do Rio de Janeiro.


FONTE: http://www.marcelofreixo.com.br/site/noticias_do.php?codigo=114

A Experiência de Formação da Escola Nacional Florestan Fernandes

A AENFF-RJ convida para o debate:

A Experiência de Formação da Escola Nacional Florestan Fernandes

Anita Prestes (UFRJ)

Gaudêncio Frigotto (UERJ)




Dia 2 de dezembro - 18h30

Auditório 71 - UERJ

Rua São Francisco Xavier, n. 524 - Maracanã

terça-feira, 23 de novembro de 2010

75 anos dos levantes antifacistas de 1935


75 anos dos levantes antifascistas de 1935
A ANL desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas


Por Anita Leocadia Prestes


Num período de intensa polarização política no cenário mundial, diante do avanço do fascismo em nível internacional e do integralismo no âmbito nacional, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), criada em março de 1935, desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas, gravemente ameaçadas pelos adeptos da Ação Integralista Brasileira (AIB), liderados por Plínio Salgado.

Nesse processo, a influência dos comunistas mostrou-se decisiva não só na formação da ANL e em sua atividade legal, durante os meses de março a julho de 1935, como, principalmente, na preparação dos levantes armados de novembro daquele ano, realizados sob as bandeiras da ANL. O grande prestígio de Luiz Carlos Prestes – o Cavaleiro de uma Esperança que renascera com o desgaste de Vargas após a “Revolução de 30” – foi um fator fundamental para a difusão e a penetração, junto a amplos setores da sociedade brasileira, do programa anti-imperialista, antilatifundista e democrático levantado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) e adotado pela ANL.

A justeza desse programa se evidencia pela aceitação e a repercussão que obteve junto à opinião pública democrática nacional. Como consequência, a ANL veio a transformar-se, em pouco tempo, na maior frente única popular jamais constituída no Brasil. Seu lema: “Pão, Terra e Liberdade”, inicialmente lançado pelo PCB, empolgou centenas de milhares de brasileiros.

Os comunistas, entretanto, cometeram um grave erro de avaliação ao caracterizarem a situação do país, em 1935, como “revolucionária”, considerando que o desgaste do Governo Vargas seria tal que as suas condições de governabilidade estariam esgotadas. Confundindo os desejos com a realidade, os comunistas e muitos dos seus aliados superestimaram as possibilidades reais de organização e mobilização das massas populares. Consideraram que havia chegado a hora de levantar a questão do poder, lançando a consigna de um Governo Popular Nacional Revolucionário, formado pela ANL, através de uma insurreição popular. A proposta dos comunistas, assumida pela ANL, mostrou-se fantasiosa e, portanto, inexequível, resultando na derrota do movimento.

A inviabilidade de promover uma insurreição das massas trabalhadoras no Brasil, em 1935, aliada à conjuntura de intensa agitação e efervescência política então presente nas Forças Armadas, induziu os comunistas e seus aliados da ANL a sucumbirem à influência das concepções golpistas dos militares, fortemente arraigadas no imaginário nacional. Tal fenômeno sobreveio, apesar dos esforços desenvolvidos para organizar e mobilizar as massas, assim como das repetidas e insistentes declarações do PCB, de Prestes e da ANL condenando o golpismo.

As Forças Armadas e, principalmente, o Exército passaram a ser vistos pelos comunistas e aliancistas como o instrumento privilegiado para desencadear a almejada insurreição popular, na medida em que a mobilização dos setores civis mostrava-se mais demorada e difícil. O renascimento das concepções golpistas explica o caminho trilhado pela ANL: da amplitude inicial, quando a entidade se manteve dentro da legalidade, ao radicalismo revelado com a eclosão dos levantes armados de novembro de 35.

A persistência de tais concepções pode parecer fruto das influências tenentistas, supostamente trazidas, tanto para o PCB quanto para a ANL, por L. C. Prestes e muitos dos elementos provenientes do tenentismo. Sem negar tais influências, é necessário considerar que o próprio tenentismo foi um movimento marcado pelo vigor das tendências golpistas, resultantes das características do processo de formação da sociedade brasileira. Uma sociedade, na qual as classes dominantes sempre tiveram força para impor aos setores populares um estado de desorganização e desestruturação social, que viria a tornar-se um dos seus traços marcantes; uma sociedade excludente, na qual não haveria canais para que as massas populares pudessem fazer valer seus direitos e reivindicações. A expectativa de um golpe “salvador” seria a consequência natural de tal estado de coisas.

Se, em 1935, o golpismo dos comunistas e de muitos dos seus aliados se revelou no fato de haverem delegado aos militares o papel de detonadores da “insurreição das massas trabalhadoras”, deve-se considerar que o conteúdo do programa então defendido - antiimperialista, antilatifundista e democrático - era distinto das propostas tenentistas. Sejam as propostas liberais dos “tenentes” dos anos 20, sejam as propostas autoritárias do tenentismo do início dos anos 30. Em 1935, os militares, que iriam desencadear a insurreição projetada, não eram mais tenentistas, mas seguidores de Prestes, que, desde seu Manifesto de Maio de 30, deixara de ser “tenente” para aderir às teses levantadas pelos comunistas - as mesmas que seriam encampadas pela ANL.

Mas o revés do movimento antifascista no Brasil, em 1935, não se explica apenas pela influência das concepções golpistas. O Governo Vargas pôde tirar partido de uma conjuntura internacional favorável ao fascismo e aos regimes autoritários para, com o apoio da direita e brandindo as bandeiras do anticomunismo, impor uma grave derrota às forças democráticas e progressistas do país.

Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada de UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.

FONTE : Brasil de Fato, edição 402, p. 7.

sábado, 20 de novembro de 2010

Simplesmente Lorca

"Eu nunca serei político. Eu sou revolucionário porque não existe verdadeiro poeta que não seja revolucionário."


"Sempre serei partidário dos que não tem nada. Justiça para todos."






Federico García Lorca


(1898-1936)




Amante da vida e um grande artista: poeta, músico, desenhista, dramaturgo, diretor de teatro. Em sua obra estão representadas as vozes de todos aqueles que não tinham seus interesses defendidos pela sociedade: as mulheres, a gente do campo, os artistas, os homossexuais e os ciganos. Foi morto por isso. Por defender os oprimidos e as minorias, por respeitar as diferenças. Foi assassinado por cantar a liberdade e por criticar o conservadorismo sustentado pela moral católica e burguesa do início do século XX.

Armazém da Utopia

Ensaio Aberto inaugura Armazém da Utopia, na Zona Portuária, no Armazém 6, com Tributo ao Dia da Consciência Negra

Espetáculo “A Pedra do Cais

Datas:
21 de novembro – domingo, às 19h
22 de novembro – 2ª feira, às 20h

Endereço: Cais do Porto - Armazém 6, Av. Rodrigues Alves, s/n – Centro – Rio de Janeiro/RJ

ENTRADA GRATUITA

Confirmar presença no e-mail ensaioaberto.publico@gmail.com

Seu ingresso estará reservado até 40 minutos antes do espetáculo

A Luta pela Consciência Negra

20 de Novembro e a luta pela Consciência Negra

Por Luciano da Silva Barboza – Historiador, mestrando do IPPUR-UFRJ

Música: Herói de Preto é Preto

“Pra frente com as idéias de foice e martelo
Herói de preto é preto forjado na favela
Sou fuga e mais fuga sou a morte do senhor
Sou filho da revolta que a escravidão gerou
Herdeiro do quilombo sou rapper do nordeste...
Tipo aquela lá princesinha de papel
Mulher preta de atitude não se espelha em Isabel...”
Hip Hop militante: Gíria Vermelha

Presentinho
Maio,
treze,
mil oitocentos e oitenta e oito,
me soam como um sussurro cósmico.
A noite sobressaltada
por sirenes me sacode.
Reviro os bolsos à procura do passe
que me permite, São Paulo, cruzar ruas
em latente paz.
A Princesa esqueceu-se de assinar
nossas carteiras de trabalho.
Desconfio, sim, que Palmares vivo
é necessário.
Paulo Colina
Publicado em O Negro Escrito (Apontamentos sobre a Presença do Negro na Literatura
Brasileira), Imprensa Oficial do Estado, São Paulo, 1987 – Oswaldo de Camargo (Org.)

Abolição inacabada

O ano de 2010 marca 122 anos da Abolição da Escravatura e 100 anos da Revolta da Chibata comandada pelo Almirante negro João Candido em 22 de novembro de 1910. João Cândido organizou uma revolta em vários navios, reivindicando melhores salários, fim dos castigos físicos com a chibata e anistia aos rebeldes. Ele ameaçou bombardear o Rio de Janeiro e depois de cinco dias de revolta o Congresso pôs fim ao uso da chibata e aprovou um projeto de anistia para os amotinados, porem a anistia fora uma “farsa” para desarmá-los. João Cândido e os seus companheiros foram presos, 97 marujos foram abandonados na Floresta Amazônica, outros sumariamente assassinados e jogados ao mar. A Revolta da Chibata representa hoje a luta dos trabalhadores brasileiros em busca de seus direitos.

Os negros e negras ainda não garantiram sua integração a sociedade brasileira, pois após a abolição, os negros e negras não receberam terras ou nenhum outro tipo de indenização pelos séculos de trabalho escravo desenvolvidos forçadamente. Sem dinheiro e local para morar, os negros e as negras em grande escala saíram das senzalas e foram morar nas encostas livres e perigosas por poderem desabar a qualquer momento, isso foi um dos fatores para a formação das favelas no Rio de Janeiro. Todo esse processo de fim da escravidão no Brasil é entendido pelo conjunto do movimento negro como uma abolição inacabada.

Os negros e negras continuam sofrendo com as profundas desigualdades sociais. Vivemos na maior nação negra fora da África, que assistiu mais de 5 milhões de africanos serem escravizados (cerca de 40% do total de negros arrancados da África pelo tráfico escravista). Conforme nos mostra o Índice de Desenvolvimento Humano, as condições de vida dos negros no Brasil hoje são péssimas: ganhamos os piores salários, somos os primeiros a sermos demitidos e os livros escolares ainda não contam nossa história.

Estudo do Diesse apresentando em novembro de 2007 aponta que, na região metropolitana de São Paulo, 60,3% dos negros não conseguem terminar o Ensino Médio e apenas 3,9% conseguem acessar e terminar uma faculdade. O mesmo estudo mostra que a população negra trabalha mais, porém ganha menos, a cada R$ 4 reais gerado no país R$ 3 ficam nas mãos dos brancos.

A lógica do lucro e da exploração do sistema capitalista fazem os capitalistas se aproveitarem do racismo para pagar menores salários aos negros e as negras, pois estes estão desempregados em maior número no mercado de trabalho por causa do racismo e por isso acabam aceitando salários mais baixos para não morrerem de fome. A luta do povo negro só se encerrara quando acabarmos com a exploração do homem pelo homem, e isso só é possível em uma sociedade socialista, onde todas as etnias (brancos, indígenas, negros e asiáticos) poderão construir a sociedade da igualdade.

A juventude negra é o principal alvo da violência urbana, principalmente dos excessos cometidos pela polícia. Os jovens negros são os que mais morrem nas favelas e periferias por ações policiais. Por outro lado, as jovens negras são as que mais morrem por conseqüência de abortos mal feitos por utilizar clínicas baratas clandestinas onde faltam recursos para uma operação deste tipo. Além disso, as mulheres negras são as mais oprimidas (opressão de raça, de classe e de gênero-machismo).

No dia 20 de outubro entrou em vigor a Lei que instaura o Estatuto da Igualdade Racial. Como todas as medidas aprovadas pelo governo Lula, parece ser um avanço para os trabalhadores negros à primeira vista, porem se pensarmos que os principais pontos do Estatuto, por exemplo, como garantir o fim das discriminações e as punições a quem discrimina? Como garantir a proteção da juventude negra que esta sendo exterminada? O Estatuto não caracteriza o racismo como crime de lesa-humanidade, a questão da titulação das terras quilombolas, da representação dos negros nos meios de comunicação, das políticas de ação afirmativa e do atendimento especial à saúde da população negra, nada disso esta contemplado no Estatuto. Por isso percebemos que na verdade o Estatuto é mais do mesmo, propaganda enganosa do governo Lula, não passa de uma carta de boas intenções com sugestões ao Estado.



O dia da consciência negra 20 de novembro

O dia 20 de Novembro de 1695 é o dia da morte de Zumbi dos Palmares, Zumbi foi o mais importante líder negro do Quilombo de Palmares. O Quilombo dos Palmares (localizado na atual região de União dos Palmares, Alagoas) era uma comunidade auto-sustentável, um território formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Ele ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal e sua população alcançou o marco de 50.000 pessoas em 1670.

Aos 40 anos de idade Zumbí dos Palmares morreu e tornou-se o herói ou mártir da abolição da escravatura brasileira. Em 1995 após anos de reinvidicação do movimento negro (desde a decada de 1970 o movimento negro comemora o 20 de novembro), a data da morte de Zumbi foi adotada como o dia da Consciência Negra. O dia da consciência negra deve ser uma data que represente a luta do povo negro e ninguém melhor que Zumbi para expressar essa luta.

Zumbi é o símbolo maior dessa luta porque nunca aceitou fazer acordos com os brancos, sempre defendeu a libertação de todos os escravos, diferente de Ganga Zumba outro importante líder negro do Quilombo de Palmares que tentou fazer um acordo com os escravocratas brancos.

Por volta de 1678, o governador da Capitania de Pernambuco cansado do longo conflito com o Quilombo de Palmares, se aproximou do líder de Palmares, Ganga Zumba, com uma oferta de paz. Foi oferecida a liberdade para todos os escravos fugidos se o quilombo se submetesse à autoridade da Coroa Portuguesa; a proposta foi aceita por Ganga Zumba, mas Zumbi na época general do exercito do quilombo de Palmares rejeitou a proposta do governador e desafiou a liderança de Ganga Zumba. Prometendo continuar a resistência contra a opressão portuguesa, Zumbi tornou-se o novo líder do quilombo de Palmares.

O feriado de Zumbi dos Palmares é o único feriado que homenageia uma liderança popular do Brasil, pois a Proclamação da Republica, a Independência do Brasil e a Conjuração Mineira são exemplos de feriados feitos por movimentos das elites, sem participação popular, para não alterar as estruturas fundiárias do Brasil.

Apesar da importância histórica de Zumbi, percebemos nas leis brasileiras novamente o preconceito racial, pois o dia 20 de novembro ainda não é considerado um feriado nacional oficial, atualmente o feriado municipal ou estadual esta reconhecido em 225 cidades de 11 estados. O movimento negro não aceita o dia 13 maio de 1888 (dia oficial da abolição) como seu dia, pois esse dia foi somente a assinatura da lei Áurea pela branca opressora princesa Isabel. A libertação dos negros não deve ser comemorada neste evento feito pela elite, pois a luta do povo negro se fez durante os 350 anos de resistência a escravidão através das guerras de libertação promovidas pelos diversos quilombos formados nas diferentes regiões do Brasil.

A religião afro-brasileira, a capoeira e a música são elementos identitários do povo negro que foram mantidos de geração em geração até os dias atuais através da cultura negra de resistência. Percebemos que essa cultura é desprezada pelos grandes meios de comunicação. Recentemente a morte de uma das mais brilhantes cantoras sambistas da história, Jovelina Pérola Negra, não recebeu sequer uma nota de solenidade na grande mídia, demonstrando um completo descaso e desprezo pelo samba de raiz. Por que será que símbolos de uma cultura negra popular como Jovelina Pérola Negra não merecem destaque na televisão, será porque ela era negra, ou pobre ou mulher? ou pelos três motivos.


Reivindicações das Negras e Negros:

-Pela aprovação do Projeto de Lei 1336/2007 que institui como feriado civil no Brasil o dia 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra)

- Exigimos medidas concretas para evitar o extermínio da juventude negra

- Exigimos medidas concretas contra a intolerância às religiões de matriz africana (Candomblé e Umbanda)

- Pela aprovação da Lei de Cotas

- Pela Implementação da Lei 11.645/2008 que obriga o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira em todas as escolas

- Pelo reconhecimento de terras para remanescentes de quilombo, fazendo a Reforma Agrária

- Pelo investimento de mais recursos do Governo Federal para a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial.

20/11 - O grito da resistência


Sorriso Negro
Dona Ivone Lara

Um sorriso negro, um abraço negro
Traz....felicidade
Negro sem emprego, fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade
..Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio, é luto
negro é...a solução
Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é destino é amor
Negro também é saudade.. (um sorriso negro !)

Chegança do Almirante Negro na Pequen África

O centenário da Revolta da Chibata é celebrado pela Grande Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades, que encena o espetáculo "Chegança do Almirante Negro na Pequena África".

Veja a programação clicando na imagem abaixo:

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Frei Betto: revolução cubana se move criticamente sobre si mesma


Em 2011 se completarão 30 anos da minha primeira visita a Cuba. Eu trabalhava no Brasil com o método de Paulo Freire. Queria trazer a Cuba essa contribuição, estava convencido da importância política da metodologia da educação popular. Quando cheguei, havia preconceitos não só para com esta metodologia, mas também em relação à figura de Freire. Seu primeiro livro tinha causado certo receio entre os companheiros do Partido Comunista de Cuba.
Por Frei Betto*

Um marxista cristão, soava então contraditório: o marxismo era considerado uma fé e não se podia ter duas.

Então propus em Havana um Encontro Latino-Americano de Educação Popular. Os cubanos prepararam tudo; mas no encontro não havia nem um cubano. Dois anos depois, consegui que a Casa das Américas organizasse um segundo encontro. Vários cubanos compareceram como meros assistentes, diziam que em Cuba tudo era educação popular e não havia necessidade de ter uma equipe para isso. No terceiro encontro, a participação cubana já foi ativa. Assim surgiu a equipe do Centro Martin Luther King.

Mas Paulo Freire não é o primeiro latino-americano a falar dessa metodologia. Para fazer justiça com a história, o primeiro que praticou educação popular foi José Martí. Martí dizia que era necessário levar os professores aos campos. E com eles, a ternura que faz falta aos homens. Seguramente o Che tinha lido essa frase quando disse que havia que endurecer, mas sem perder a ternura. Para Martí, “popular” não o era no sentido de pobre, mas de povo. A distinção rígida que se aplicava na Europa entre classe operária e burguesia, não se aplicava à América Latina. A luta aqui era entre aqueles que lutavam pela justiça e aqueles que tentavam manter a injustiça. Tudo não se explica por origem de classe. Se todos os pobres fossem revolucionários, não haveria capitalismo na América Latina.

Talvez vocês não saibam que é um fato biológico que as águias podem viver 70 anos no máximo. Mas quando chegam aos 30 ou 40, propendem à morte porque suas garras e seu bico já não são fortes para destruir as carnes com que se alimentam. E quando sentem que podem morrer, voam para o alto de uma montanha e arrancam as próprias garras e o bico. Esperam meses ali, até que voltem a nascer. Assim vivem outros 30 ou 40 anos mais. Hoje, a águia é Cuba. Digo-o porque acabo de ler os Lineamentos para o 6º Congresso do Partido Comunista: a Revolução Cubana tem a capacidade de mover-se criticamente sobre si mesma para sair adiante. Suas redes de educação popular têm muita importância nisso.

Assisti muito de perto a queda do Muro (de Berlim) e hoje muitos se perguntam: como é possível que depois de 70 anos de socialismo, a Rússia seja um país conhecido pela extrema corrupção? Algo não funcionou: o socialismo cometeu ali o erro de construir uma casa nova sem saber fazer novos habitantes. Não se fazem homens e mulheres automaticamente. Os que nascem numa sociedade socialista, não nascem necessariamente socialistas. Todo bebê é um capitalista exemplar: só pensa en si mesmo. O socialismo é o homem político do amor. E o amor é uma produção cultural. Seu objetivo final é criar uma comunidade amorosa entre si e o mundo. Às vezes olvidamos um princípio marxista. Eu, frade, fui professor de marxismo e não é a única contradição de minha vida. O ser humano não é mecânico. Há duas coisas que não podem ser previstas matematicamente: o movimento dos átomos e o comportamento humano.

O trabalho político deve ir para cada um dos homens. Por isso a Revolução Cubana resiste, porque não é uma peruca que vai de cima para baixo, mas um cabelo que cresce de baixo para cima. Aqui houve uma revolução de caráter eminentemente popular. A vitória estratégica, de Fidel, não fala de educação popular; mas se fez.

Termino com uma parábola: havia um homem muito formado ideologicamente, poderoso em seu sistema; mas muito infeliz. Saiu pelo mundo na busca da felicidade. Chegou a um país árabe – onde se dão sempre as boas lendas – e quis comprá-la em seus mercados. Disseram-lhe que essa mercadoria não existia, mas por um jovem soube de uma tenda no deserto onde podia encontrá-la. Saiu em sua caravana de camelos, atravessou o deserto e viu a tenda com um cartaz que dizia: “aqui se encontra a felicidade”. Disse à vendedora: “diga-me quanto custa”. E ela respondeu: “não, senhor, aqui não vendemos felicidade, aqui a damos gratuitamente”. E lhe trouxe uma pequena caixa de fósforos com três pequenas sementes: a semente da solidariedade, a da generosidade e a do companheirismo. “Cultive-as – disse – e será feliz”. Muito obrigado.

*Versão das palavras pronunciadas por Frei Betto no contexto do 4º Encontro Nacional de Educadoras e Educadores Populares, em Havana, em 10 de novembro de 2010.

Fonte: CubaDebate

Flaskô na Luta!!!


ATO PÚBLICO – 16/11 – TERÇA-FEIRA

Concentração na Flaskô às 11h00. Reunião com o Prefeito às 14hs

Carta aberta dos Trabalhadores da Flaskô e dos Moradores da Vila Operária

PELA DECLARAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL DA FLASKÔ!

Prezado Prefeito Bacchim,

Prezada população de Sumaré e demais apoiadores da luta da Flaskô e da Vila Operária,

Há 7 anos e meio ocupamos a fábrica Flaskô para garantir nossos empregos, depois de 3 anos sem pagamentos dos direitos e 3 meses sem salários. Diante do abandono patronal, não restava alternativa a não ser ocupar a fábrica, retomar a produção sob controle operário como forma de garantir nossos postos de trabalho, mostrando que a responsabilidade da sua quebradeira era do patrão e da lógica capitalista, e não poderiam os trabalhadores “pagarem a conta”. Com isso, iniciou-se uma luta importantíssima pela estatização sob controle dos trabalhadores!

De lá para cá as conquistas são imensas! A luta da Flaskô, do Movimento das Fábricas Ocupadas, ganhou repercussão mundial, como exemplo para a classe trabalhadora. Ao pensar a luta pela defesa do emprego, a gestão dos trabalhadores da Flaskô conseguiu gerar novos postos de trabalho, reduzir a jornada de trabalho de 44 para 30 horas semanais sem redução de salário, diminuir brutalmente o número de acidentes de trabalho, proporcionar uma nova relação e um novo ritmo na produção, promover uma gestão democrática, com Conselho de Fábrica e Assembléias Gerais, com decisões coletivas. Ou seja, um exemplo de organização de uma fábrica, um exemplo de organização da produção, mostrando que não precisamos de patrões. Desta forma, nos direcionamos para cada fábrica em greve, para que cada trabalhador siga nosso exemplo, e coloque em prática o lema “ocupar, produzir, resistir”. Assim, fizemos na prática o que a lei diz sobre a função social da propriedade e a defesa do valor social do trabalho.

Se não bastassem estes avanços, a luta da Flaskô vai além das conquistas para os trabalhadores da fábrica em si. O projeto da “Fábrica de Esportes e Cultura”, realizado em um galpão da fábrica, envolve hoje mais de 400 pessoas, entre crianças e idosos, com diversas práticas esportivas, como judô, futebol, xadrez, ballet, alongamento, além das atividades culturais gratuitas, como aulas de teatro, música, grafite, capoeira, cinema, etc., e festivais culturais, com diversas apresentações de peças teatrais. Isso só se realiza numa fábrica, porque causa da gestão coletiva dos trabalhadores, onde a prioridade é bem diferente dos capitalistas. O mesmo pode ser dito em relação à ocupação de moradia, chamada Vila Operária e Popular, que ajudamos a organizar há cinco anos, onde vivem hoje mais de 350 famílias, e que graças a unidade da luta com a Flaskô, conquistamos as mínimas condições para construir nossas casas, e lutar pela regularização, além de água, esgoto, etc., e, principalmente, evitar ameaças de despejos. Mais uma vez, fizemos cumprir na prática a função social da propriedade e a luta pela dignidade humana, como diz a lei!

Se não for feita a declaração de interesse social, todas estão conquistas podem ser revertidas! Tudo pode ser perdido!

O que é a declaração de Interesse Social?

A declaração de interesse social é tratada pela Lei 4.132/62, a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor Municipal e a Lei Orgânica do Município e o DL nº 3365/41, que diz que determinada área deverá ser declarada de interesse social para fins de desapropriação, por ato administrativo do Prefeito. A desapropriação somente será realizada cinco após esta declaração. O que estamos exigindo é a declaração, para que, juntos, consigamos viabilizar a desapropriação.

Ou seja, é um ato unilateral do Prefeito! Como estamos dizendo desde nosso ato público feito em 10/02/2010, após esta declaração nós buscaremos juntos verbas em Brasília, ajuda técnica, tudo que for necessário para viabilizar a desapropriação da área, e teremos cinco anos para isso. Não há motivos para a Prefeitura ser contra. Pelo contrário, é seu dever!

A declaração é um ato administrativo do Prefeito! É uma decisão política! Será importante para constar por escrito o que o Prefeito já disse várias vezes: “A Flaskô tem uma importância social muito grande”. Isso daria ainda mais segurança e legitimidade para a gestão dos trabalhadores, contra qualquer ameaça de intervenção e fechamento da fábrica, assim como contra qualquer ameaça de despejo dos moradores da Vila Operária, e ainda, contra ameaça de suspensão das atividades da “Fábrica de Esportes e Cultura”. De outra forma, a aprovação respalda a prefeitura para realização das obras de infra-estrutura necessárias na Vila Operária, como asfalto, arruamento, esgoto, água, luz, etc.

Por tudo isso, nos perguntamos: Por que não fazer? Qual impedimento? Por lei não há. Pelo contrário, ela incentiva este caminho! Bacchim, só depende de você?

Para garantir as conquistas realizadas, em todos seus aspectos, precisamos nos unir e exigir o imediato decreto do Prefeito para Declaração de Interesse Social da Flaskô!
Mais informações: www.fabricasocupadas.org.br

terça-feira, 9 de novembro de 2010

5ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul


Entre os dias 8 de novembro e 19 de dezembro, ocorre a 5ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, realizada pela Secretaria de Direitos Humanos.

Criada em 2006 para celebrar o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos a Mostra vem se firmando como um espaço de reflexão, inspiração e promoção do respeito à dignidade humana.

Inicialmente exibida em quatro cidades, a Mostra cresceu a cada ano. Esta quinta edição estará presente em 20 capitais, percorrendo as cinco regiões do Brasil. A primeira cidade a receber os filmes será Fortaleza (CE), e a última, Belo Horizonte (MG).

No ano passado, registrou-se um público superior a 20 mil pessoas, em 16 cidades. A estimativa dos organizadores, para este ano, é que o número de espectadores seja duplicado.

A programação completa pode ser acessada na página oficial da Mostra, http://www.cinedireitoshumanos.org.br/2010/index.php.

Serviço:

5ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul

De 8 de novembro a 19 de dezembro

Cidades: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Maceió, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Luis, São Paulo e Teresina.

Entrada franca

O PCP e a República


III Encontro Civilização ou Barbárie

O PCP e a República
João Arsénio Nunes

As comemorações este ano do centenário da República portuguesa referiram-se quase sempre à história da chamada I República e, mais difusamente, ao “republicanismo”. Raramente se prestou atenção àquilo que é um traço, aliás não muito vulgar na comparação internacional, da história contemporânea de Portugal, a inexistência centenária ininterrupta de um regime republicano – pervertido e asfixiado durante quase 50 anos, mas nunca liquidado. Em Portugal fala-se em I República, mas ninguém se lembraria de falar em II República a propósito do fascismo salazarista, nem portanto há lugar para falar em III República após o 25 de Abril.
Procurarei aqui equacionar alguns aspectos da relação entre a história da República e o Partido Comunista que, pelo seu papel de principal força dirigente do movimento operário, teve em vários momentos um papel importante no passado, e poderá tê-lo no futuro (mesmo no futuro próximo) na configuração concreta do que é a República como regime constitucional da sociedade portuguesa.
A questão da relação entre comunismo e república não é uma originalidade portuguesa. Ela enraíza no facto concreto de que, por toda a parte desde a primeira metade do século XIX, a afirmação do movimento operário se dá a partir da apropriação e reivindicação da universalidade dos direitos proclamados pela Revolução Francesa, em geral património comum das ideias e movimentos republicanos. Daí mesmo derivam as conhecidas declarações do Manifesto de 1848, segundo o qual o primeiro passo na revolução operária é “a conquista da democracia pela luta” e “por toda a parte os comunistas trabalham na ligação e entendimento dos partidos democráticos de todos os países”. A ideia democrática identificava-se, na Europa de meados do século XIX, com a ideia de república, como aliás derivava da tradição jacobina. No período da II Internacional, a reivindicação republicana foi em alguns partidos socialistas, como é o caso da social-democracia alemã, secundarizada ou esquecida. Noutros porém, como em França com Jaurès, a defesa da República e a ideia de que o socialismo representava a extensão às condições materiais do princípio republicano de igualdade dos cidadãos foram coordenadas essenciais. Em geral foram as esquerdas socialistas que mais valorizaram o combate republicano, como aconteceu com Rosa Luxemburg na Alemanha e com Lenine na Rússia. Este dedicou mesmo um artigo ao regicídio de 1908 em Portugal, considerando a luta pela República uma das questões candentes do movimento revolucionário em diversos países europeus e afirmando a simpatia do socialismo internacional para com os republicanos portugueses. Também em Portugal a questão republicana separou os moderados “possibilistas” da esquerda socialista de Azedo Gneco, fazendo a última em diversos momentos causa comum com o movimento republicano.
A revolução de 5 de Outubro de 1910, em que muitos militantes operários participaram, ocorre num período em que o sindicalismo revolucionário de matriz anarquista (anti-política) se torna dominante no movimento operário português. É de um grupo de militantes sindicalistas que emerge em 1919 a primeira organização comunista inspirada pela revolução russa e a ideia soviética, a Federação Maximalista Portuguesa (FMP). O contexto em que nasce a FMP é marcado pela restauração da República, activamente participada pelos militantes operários, em combate contra a tentativa monárquica e os restos do sidonismo. Numa altura em que em vários países europeus parecia poder vencer a revolução socialista iniciada na Rússia, objectivo para que se fundara a Internacional Comunista (IC, Comintern), a acção da FMP circunscreve-se à propaganda da ideia soviética, vista como modelo de validade universal que num curto prazo faria “o mundo mudar de base”, como auguravam os versos da Internacional. Um ano e meio depois, quando é criado o Partido Comunista Português (PCP), as condições internacionais e nacionais já se tinham alterado. Dominante é então, nos militantes operários que aceitavam a necessidade da acção política e da organização partidária, a ideia da necessidade da “frente única” para defrontarem a violenta reacção burguesa à criação da CGT e às conquistas sociais do imediato pós-guerra. A breve trecho se verifica que essa reacção não se circunscreve à acção das organizações patronais e às perseguições anti-sindicalistas, mas envolve o regime político existente. O PCP afirma assim a sua simpatia pelo programa dos radicais republicanos que ascendem ao poder na sequência do golpe de 19 de Outubro de 1921 e encontra-se na primeira linha da denúncia das manobras que acabarão por conduzir à sua queda. Na sequência desta orientação (em sintonia com as teses da “frente única” aprovadas nos III e IV congressos da IC), o PCP participa em 1924/25 nas manifestações contra a ameaça de ditadura e em apoio da acção do governo da Esquerda Democrática e, após a queda deste, integra uma lista de coligação com o Partido Republicano da Esquerda Democrática nas eleições de Novembro de 1925.
Em 29 de Maio de 1926, no momento em que triunfava em Lisboa o golpe militar que poria termo à I República, o PCP encontrava-se reunido no seu II Congresso e denuncia o golpe como tendente à introdução de um regime fascista. No período subsequente ao 28 de Maio, o partido vive uma situação de crise profunda, parte da crise geral do movimento operário. O republicanismo permanece no entanto vivo entre as camadas populares e nas vanguardas operárias. Apesar da ausência de directivas organizadas, militantes comunistas participam nos combates armados por ocasião das revoltas republicanas de 3/7 de Fevereiro de 1927, de 20 de Julho de 1928 e de 26 de Agosto de 1931.
Sem dúvida que a primeira década de existência do PCP, que aliás estava longe de poder ser considerado uma força enraizada na classe operária e no território nacional, se tem de considerar como uma infância política e organizativa, a que corresponderam oscilações entre tendências oportunistas e extremistas, aliás parte das oscilações e crises da Internacional Comunista.
A reorganização de 1929, iniciada em pleno período da política classe contra classe, assentou em primeiro lugar numa exigência necessária de afirmação e construção dos instrumentos de autonomia da classe operária, de maneira a pôr termo definitivamente à subalternidade que até aí sujeitara o movimento operário a ser instrumento de jogo político alheio. Com avanços e recuos, ganhos e perdas, essa afirmação é conseguida. Duma inicial recusa teórica de contacto com os grupos democrático-burgueses do reviralho republicano, passa-se a partir de 1934 para uma definição de objectivos relacionada com a equacionação de fases e etapas da revolução. Neste quadro, a relação com o antifascismo burguês volta a ser possível. Apesar da consolidação do regime fascista, da violência da repressão e mesmo, no final da década, de uma situação de crise organizativa, na segunda metade dos anos 30 são lançadas as bases duma relação orgânica e ideológica profundamente renovada do PCP com a tradição democrático-republicana. Dela são manifestações o lançamento (apesar de todas as fragilidades) da Frente Popular Portuguesa – cujo comité de acção no exílio foi sucessivamente presidido por figuras tão representativas da história da República como Afonso Costa e Bernardino Machado - e o nascimento do movimento neo-realista, em cujas origens se situa uma iniciativa cultural juvenil com a proclamada intenção de “republicanizar a República”. Não menos importante é a definição desde esta época de que a unidade anti-fascista implicava em primeiro lugar o enraizamento na acção de massas através da política sindical e associativa, em que desempenharam papel de relevo colectividades populares vinculadas à tradição republicana.
O grande desenvolvimento do movimento anti-fascista em Portugal nos anos da II Guerra mundial articulou a reorganização e reimplantação do PCP com a consolidação de relações orgânicas deste com as oposições burguesas anti-fascistas vulgarmente conhecidas como republicanos (na maior parte aliás directamente derivadas, na sua origem, das correntes partidárias da I República), em organizações como o MUNAF e o MUD. Desde estes anos o PCP foi, ao mesmo tempo, muito claro em afirmar que o objectivo da revolução democrática não podia ser o “regresso ao 5 de Outubro”, bem como no enunciado das condições fundamentais para uma efectiva ruptura com o regime fascista: a criação dum governo provisório que garantisse as liberdades políticas e a realização de eleições, a satisfação das exigências económicas básicas das populações e o desmantelamento do aparelho do Estado, nomeadamente da máquina repressiva e da organização corporativa. Deveu-se em parte decisiva à acção do PCP a mobilização popular destes anos, nomeadamente em torno da campanha presidencial de Norton de Matos (cujo passado como figura política de relevo na I República era bem conhecido). E foi ainda no contexto dessa mobilização que nasceu o MUD Juvenil, cuja acção se prolongou por uma década e que organicamente ligou a temática democrático-republicana da sua génese à crescente influência ideológica do marxismo na nova geração, com enorme repercussão a longo prazo.
Ainda na segunda metade da década de 40, a questão da República foi objecto de atenção da imprensa do PCP a propósito da hipótese de restauração monárquica, que no pós-guerra foi equacionada em círculos do regime. Sublinhando que “o regime actual não é o dos republicanos”, em 1946 o Avante! caracterizava a hipótese de restauração monárquica como “um perigo”, pela natureza extremamente reaccionária das correntes que no seio do regime salazarista a propunham . Ao mesmo tempo, considerando que o verdadeiro problema político não se reduzia ao formalismo institucional, o PCP pronunciou-se sempre pela colaboração e aceitação nos organismos de unidade democrática dos monárquicos anti-fascistas.
A primeira metade dos anos 50 registou, no contexto internacional da guerra fria e da agudização da repressão, uma quebra no relacionamento entre o PCP e as correntes do republicanismo histórico, que não é alheia ao enfraquecimento da dinâmica da Oposição. A segunda metade da década vai no entanto conhecer um momento alto dessa dinâmica, de que é facto mais emblemático o fenómeno Delgado. Para além dos factores pessoais e das divisões internas do regime salazarista que o potenciaram, vale a pena notar que, a precedê-lo, encontramos de novo a capacidade de iniciativa do PCP em relação às correntes republicanas e na valorização política da própria ideia de República – apta, nesta fase, tanto a unir os anti-fascistas como a dividir os partidários do salazarismo. O Avante! desenvolve larga propaganda das comemorações do 5 de Outubro e – em 1955, trinta anos depois da queda do governo “canhoto” presidido por José Domingues dos Santos – dá relevo ao discurso do velho líder da Esquerda Democrática nessas comemorações. Mais importante do que isso: por iniciativa do grande intelectual comunista que foi Mário Sacramento, realiza-se em 1957 o Congresso Republicano de Aveiro, com a participação de intelectuais comunistas e de republicanos diversos, incluindo figuras da I República, como Marques Guedes, ideologicamente muito distante do PCP. Algumas das propostas programáticas avançadas no congresso por intelectuais comunistas, como Armando Castro e Flausino Torres, influenciaram a redacção dos programas eleitorais da Oposição nas “eleições” para a Assembleia Nacional e contribuíram para a difusão entre os anti-fascistas do programa de liberdade e da política anti-monopolista do PCP. O congresso republicano de 1957 ficaria na História como o primeiro de uma série de três – o segundo em 1969, aproveitando as condições da “primavera marcelista”, o terceiro em 1973, já com directa influência nas condições que geraram o 25 de Abril. A história dos três Congressos republicanos (o último já com o nome de congresso da oposição democrática) revela uma crescente influência das ideias e das propostas do PCP e do pensamento de esquerda em geral e é um documento representativo da transformação ideológica da oposição anti-fascista nesses anos.
Não cabe aqui analisar o contexto histórico de grandes mudanças internacionais e nacionais que explicam essa transformação, nem mesmo resumi-la. Mas é importante assinalar que para ela contribuiu decisivamente o renovo de iniciativa e de implantação do PCP, com a análise e orientação política consagradas no relatório de Álvaro Cunhal, Rumo à Vitória, e no VI Congresso do PCP (1965). Situando-se embora na linha de análises e propostas desenvolvidas desde 1943, esse relatório e os documentos que dele derivaram actualizavam e aprofundavam a análise das forças sociais e políticas capazes de contribuírem para o derrube do regime e definiam sinteticamente as mudanças a realizar pela revolução democrática e nacional. Contribuíram assim concretamente para a credibilização e divulgação de um projecto coerente de mudança social e política que influenciou círculos muito para além da directa influência do PCP. A radicalização e mobilização dos sectores católicos progressistas e, nessa conjuntura, da própria corrente socialista em torno de Mário Soares, herdeira directa da tradição republicana burguesa, que em 1973 funda o PS, deriva em parte da necessidade de se confrontarem com o PCP e o seu programa. A aceitação que nesses anos regista entre sectores crescentes da pequena-burguesia a ideia de socialismo e da necessidade de ruptura com o regime é tributária, não só do prestígio do PCP, como da evolução dessas correntes. Apesar do fracasso da FPLN e de nunca ter sido possível reorganizar formas de aliança orgânica dos democratas semelhantes ao que haviam sido o Munaf e o Mud, a convergência em múltiplas acções e a divulgação de um “senso comum” favorável ao socialismo contribuíram decisivamente para a emergência do 25 de Abril e para o desenvolvimento revolucionário que se lhe seguiu.
Foi neste contexto que se formou o regime democrático, quer dizer, renasceu a República. A Constituição de 1976 é a sua forma institucional, “culminação natural de uma revolução bem sucedida” (G. Canotilho). Esta natureza revolucionária da actual Constituição da República portuguesa está sempre muito presente no espírito dos seus inimigos, que por isso não sossegam e não dão por concluído o processo contra-revolucionário (que sucedeu ao processo revolucionário de 1974/75 e até hoje não foi interrompido) enquanto não alcançarem a sua abolição.
Têm razão. A Constituição, i.e. a república como está hoje juridicamente estabelecida, é realmente fruto de uma revolução. Mesmo depois de abolidas as suas disposições mais avançadas – o objectivo socialista, a reforma agrária, as nacionalizações e o controle operário - , manteve-se “um núcleo de conquistas fundamentais que permanece, como marca genética, na democracia política, na democracia social, na democracia educativa, no embrião de Estado-providência” (F.Rosas).
Após mais de trinta anos de retrocessos em relação ao conteúdo democrático e de sentido socialista da Constituição, hoje não nos encontramos perante apenas mais um ataque e a possibilidade de mais um retrocesso.
O que as condições criadas pela acumulação da crise económico-financeira à crise política e moral da sociedade portuguesa – num contexto internacional também instável – hoje colocam, é a possibilidade de uma alteração decisiva que põe em causa os princípios básicos do Estado social e simultaneamente da organização política democrática. É emblemática, a este respeito, a proposta de revisão constitucional há tempos anunciada por uma comissão do PSD presidida – não é um acaso – pelo mais conhecido dirigente da Causa Real.
O propósito de abolir os princípios constitucionais sobre segurança do emprego e reduzir o Serviço Nacional de Saúde a uma função residual, em conjunto com a persistente tentativa de pôr em causa o sufrágio proporcional, correspondem já a pôr em causa um núcleo essencial do Estado democrático, quer dizer, da República.
Apesar de todos os retrocessos económicos, sociais e políticos, o processo de democratização e modernização da sociedade portuguesa desencadeado com o 25 de Abril não parou. Vários analistas reconhecem, com desconsolo mais ou menos disfarçado, que “sociologicamente” o país é maioritariamente de esquerda. Embora a crise actual possa vir a favorecer, como acontece noutros países, a emergência de tendências fascizantes com apoio de massa, até hoje em Portugal isso não se verifica.
Na história centenária da República, os trabalhadores e a democracia registaram avanços quando a luta de classe encontrou formas orgânicas capazes de conquistarem a adesão de largas camadas do povo e, ao nível político, de fazer convergir forças social e culturalmente diferentes e dividir os inimigos.
Estaremos hoje à altura da tarefa, quer dizer, de salvar a República?

Companhia do Feijão: teatro como arma crítica à política mercadológica na Cultura


Escrito por Luciana Araujo
08-Nov-2010

Quem ainda não assistiu à segunda temporada do espetáculo "Pálido Colosso" deve correr, pois a peça fica em cartaz, gratuitamente, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, no centro paulistano, somente até 14 de novembro. A peça é uma bela e impactante leitura da história do país desde os anos 1960. Um cabaré decadente é cenário por onde passam a repressão aos comunistas, a ditadura militar e a redemocratização até hoje incompleta, e os sucessivos presidentes que governaram o país no período e tantas vezes significaram ilusões perdidas de transformação após a volta dos generais aos quartéis. Tudo com muito bom humor.

Como pano de fundo, as opções de cada indivíduo ao longo desse período, a exacerbação do individualismo e da alienação nos últimos 18 anos - impulsionada pelo avanço do modelo neoliberal – e a reflexão sobre o papel de cada um de nós no desenvolvimento histórico.

O espetáculo foi encenado pela primeira vez em 2007 e está em cartaz desde agosto deste ano, em sua segunda etapa de apresentações. A montagem é parte de um projeto intitulado "Por que a esquerda se endireita – um estudo da alma brasileira contemporânea", desenvolvido entre 2005 e 2007, do qual também fez parte a peça "Nonada", que abordava a contradição do Brasil moderno alicerçado sobre as bases conservadoras e ainda em vigor na estrutura sócio-econômica do país.

A Companhia do Feijão existe desde 1998 e já produziu nove espetáculos, em um trabalho sistemático de pesquisa de linguagem cênica, sempre ancorado no trabalho do ator e processos de criação em equipe, com a preocupação de levar o teatro a diversas regiões do país. A companhia também tem por prática a formulação de cursos e oficinas para a difusão do teatro como elemento formativo da sociedade. Encerrada esta temporada, o grupo se dedicará à produção de um novo espetáculo, que deve estrear em maio do ano que vem.

O Correio da Cidadania entrevistou os integrantes da companhia. Confira abaixo como foi a conversa com a Companhia do Feijão.

Companhia do Feijão: Uma ação teatral que germina
Além de repensar historicamente o Brasil e os brasileiros, a Companhia do Feijão é parte da militância por uma política pública estatal de cultura, que se enfrenta com a mercantilização patrocinada por mecanismos de financiamento cultural como a Lei Rouanet. O grupo também participa das mobilizações em defesa do modelo em parte respaldado na Lei Municipal de Fomento ao Teatro de São Paulo. Como a que acontece nesta quarta-feira (10 de novembro), a partir das 12h30, na Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Jacareí, 100 - Bela Vista), na qual os secretários de Cultura, Carlos Augusto Calil, e de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, estão convocados a prestar esclarecimentos à população e artistas sobre a política do governo demo-tucano de privatização da cultura.

A lei municipal de fomento garante, desde 2003, estrutura para a realização de espetáculos e a manutenção de grupos teatrais. No entanto, a gestão do atual prefeito Gilberto Kassab (DEM) vem sistematicamente buscando implementar medidas que desconfiguram a legislação e mercantilizam a cultura.

O principal foco do enfrentamento atual é o decreto 51.300, de fevereiro deste ano, que estabelece o modelo de gestão por meio de parcerias entre o poder público e organizações sociais privadas. O operador dessa privatização cultural é o secretário Carlos Calil, duramente criticado pelos artistas. As mudanças na legislação atingem também o fomento ao programa de Valorização de Iniciativas Culturais – que apóia projetos especialmente de jovens de baixa renda – e à dança.

O risco visto pelos grupos e movimentos teatrais que se mobilizam contra as mudanças é o retrocesso às condições impostas pela Lei Rouanet, que privilegia a destinação de verbas para empresas e produtores que atuam na chamada "cultura do entretenimento", com parâmetros notadamente comerciais, e não com o objetivo da difusão da cultura como parte de uma política de formação do indivíduo.

Informações:

Elenco: Fernanda Haucke, Flávio Pires, Guto Togniazzolo, Patrícia Barros (atriz convidada, atuando no espetáculo em substituição a Fernanda Rapisarda, que acaba de ser mamãe), Pedro Pires e Vera Lamy. Direção, dramaturgia e iluminação: Pedro Pires e Zernesto Pessoa.

Horário: Sextas e sábados às 21 horas, domingos às 19 horas. Endereço: Teatro de Arena Eugênio Kusnet (rua Dr. Teodoro Baima, 68, Praça da República, Centro, São Paulo). Grátis.

Correio da Cidadania: Como foi o processo de formação do grupo, a proposta? O que mudou nessa travessia?

Pedro: Quando eu comecei, com uma companheira, em 1997 pra 1998, com o Feijão, a idéia era montar um grupo, pensado como um coletivo de trabalho estável, que tivesse outro tipo de relação de trabalho, diferente de você contratar pessoas. Isso é fundamental pra gente. Até hoje continuamos nesse movimento de manter as relações na horizontalidade, sem um chefe, um patrão.

E começamos já com esse intuito de montar um grupo com alguns parâmetros importantes. Primeiro, falar sobre as questões que nos tocassem, enquanto pessoas, paulistanos, paulistas e brasileiros, as coisas que nos incomodavam. Aí já vem um dos tripés da Companhia, que é falar sobre a realidade brasileira, numa perspectiva contemporânea e histórica. Fazer uma pesquisa de linguagem cênica, que não é só a questão do tema, pois sem a pesquisa da forma o conteúdo tende a ficar didático, já dado e ultrapassado. E pensar que a gente poderia se deslocar e ir para lugares em que o teatro não vai.

Hoje, com o repertório que temos, por ser um grupo, temos espetáculos que podemos fazer em qualquer lugar. Então, vira e mexe a gente está viajando e indo para lugares, cidades, que não têm estrutura teatral. Em 2000, o Zé entrou. E foi uma batalha até 2002, 2003, porque até aí a gente não conseguiu montar um grupo de fato. As pessoas entravam, saíam... Se bem que a gente nunca chamava alguém para ser contratado, sempre chamávamos as pessoas para manter esse tipo de parceria. A partir de 2003, a gente conseguiu criar um núcleo, eu, o Zé, a Fê, a Vera; o Flávio já gravitava fazendo alguns trabalhos técnicos e começou a entrar na parte de direção musical; o Petrônio (Nascimento), que faleceu (em setembro deste ano, vítima de câncer); e o Guto, que entrou em 2005 para 2006. E a Fernanda acabou de ter neném.

Portanto, há essa trajetória. Acho que a pesquisa foi coerente desde o início e, a partir de 2002, a gente começou a encontrar pessoas com as quais todo mundo combinava e que tinham o mesmo objetivo de vida. Porque não é uma vida fácil trabalhar em grupo. Tanto porque as pessoas não têm mais esse hábito de viver no coletivo, como pelo fato de o coletivo dar trabalho. É por isso que as bandeiras têm a dificuldade de emplacar, porque o individualismo é mais solitário, mas, para a estrutura econômica que temos, acaba sendo mais "viável". E, logicamente - não foi por causa disso que a gente conseguiu, mas ajudou para a manutenção do grupo, a partir de 2003 -, cito a Lei Municipal de Fomento ao Teatro, pela qual, aliás, a gente está brigando agora na Câmara, porque o Calil está querendo detoná-la outra vez.

Logicamente, durante esse tempo todo, a gente entrou na militância política por um teatro público, junto com o "Arte contra a Barbárie" (movimento que reúne diversos grupos desde 1999 em defesa de uma política pública de cultura), do qual eu participei desde 1998, um pouco em função dessa consciência da necessidade de uma política pública para a cultura, do investimento do Estado numa política de Estado e não de governo, que também tem de olhar para a realidade do seu trabalho e se posicionar. Isso também veio fortalecer e embasar mais a necessidade de se trabalhar em grupo.

CC: O grupo integra atualmente outros movimentos de defesa do teatro público?

Pedro: No momento não. Existem alguns movimentos dos quais a gente não está participando diretamente, mas estamos sempre na militância quando preciso.

CC: O 27 de Março...

Pedro: Eu fui um dos formadores do 27, mas aí houve outros problemas, em que acho que não vale a pena entrar agora, mas estamos num momento meio desarticulado. A gente perdeu algumas figuras meio históricas. É difícil essa questão do teatro porque a categoria é muito dividida. Mesmo dentro dessas divisões, brigamos por questões republicanas, para ser bem claro. E temos, de certa forma, algumas infiltrações de movimentos de esquerda que querem levar o movimento, que nem amadureceu nessas questões de teatro, e detonam, desagregam. Portanto, é um momento meio complicado.

CC: É um momento difícil para os movimentos em geral, não é?

Zernesto: É, mas o teatro tem uma coisa, que a gente se pergunta há muito tempo e não sei se conseguimos responder ainda, que é essa maturação, até onde o cidadão comum sente falta do teatro. O quanto ele está acostumado a isso e o que as nossas brigas dizem para a população. Porque é só pensar em uma greve de bancários, ou de qualquer elo produtivo mais evidente dentro do sistema...

Mas o teatro tem um trabalho extra, que a gente vai ter de carregar a vida inteira: o do convencimento. Então, se você está dividido na base, esse convencimento fica mais complicado pro cidadão. Se nos temas já estabelecidos, vide a campanha eleitoral, cada um conta a mesma história do seu jeito, e já é uma bagunça, que dirá de um tema que não tem sido vital para a formação do cidadão no Brasil.

Pedro: E por essa carência de movimentos da sociedade civil, a tentativa de se apropriar do movimento de teatro é fazer com que seja um movimento de massa. E não é, pois ainda é rachado, dividido, de pessoas que estão ali por outro motivo. E tentar mudar esse rumo só divide.

CC: Dentro do processo de mudanças que vocês viveram, imagino que isso teve muito a ver com a falta de uma política cultural no Brasil. Muitas pessoas devem ter saído porque precisavam viver a vida de outra forma, do ponto de vista financeiro. Qual leitura vocês fazem do processo desde a Lei Rouanet, Lei de Fomento, conferências? Que avanços houve e o que vocês propõem?

Pedro: A partir da lei de fomento a gente não conseguiu avançar na implementação de outras políticas públicas. Esse é um dos problemas. Tanto no fundo estadual de arte e cultura que... aquele lá, o secretário que virou suco, esqueci o nome dele...

Zernesto: João Batista...

Pedro: João Batista (de Andrade, secretário estadual de Cultura na gestão de Geraldo Alckmin - PSDB). Engavetou e lançou um projetinho de edital vagabundo que tem um recurso mínimo de R$ 70 milhões para todas as artes. O que a gente percebe é que a política pública é muito mais no sentido de uma assistência social, para neutralizar possíveis pontos de tensão social, do que uma política que tenha recursos suficientes e voltada aos fazedores de arte, aquelas pessoas que vão agir criticamente, fazer pesquisa estética, trabalhar a formação do cidadão.

CC: Fora a gestão mercadológica.

Pedro: Na questão global, a gente tem um diagnóstico que o "Arte contra a Barbárie" já fez lá atrás: a Lei Rouanet foi uma privatização de recursos públicos pura e simples, que vão para as grandes empresas, que agem segundo as suas necessidades de marketing, descaradamente. Elas não pensam na arte, mas em "como a minha imagem vai ser melhor perante a sociedade e como eu vou vender mais o meu produto". E a gente já viu lá atrás que não temos acesso (aos recursos para grupos pequenos e independentes). A não ser que a gente se venda a esse modelo - que não é crítico e, se começar a sê-lo, vai acontecer o mesmo que ocorreu com a Maria Rita Kehl (demitida do Estadão por um artigo que criticava os preconceitos da elite em relação ao voto nordestino), você não tem mais verba.

Desta maneira, a gente não aprovou o Fundo Estadual de Arte e Cultura, e o governo Lula foi de certa forma uma grande decepção, porque até agora eles não conseguiram. O primeiro ministro da Cultura (Gilberto Gil) é casado com uma mulher que movimenta muito recurso através da lei Rouanet, então não mexeu nisso no primeiro governo Lula. O Juca Ferreira (atual ministro da pasta) começou a querer mexer, mas bateu de frente com os donos do capital: Rede Globo e mais cinco, seis, Itaú, Bradesco, que são os grandes beneficiários da Lei Rouanet, fora as estatais, que também agem de acordo com o marketing, como a Petrobrás etc.

Assim, até a invasão da Funarte aconteceu no ano passado por conta disso, porque a gente mandou uma carta pro Juca e pro Lula falando "pô, oito anos, o que vocês fizeram?". E a gente vê, conversando com os parlamentares, que eles realmente não têm força, porque o nosso parlamento foi muito fragilizado nos últimos anos. Portanto, em qualquer nível de parlamento, é por decreto que se legisla no Brasil.

CC: E tem os lobbies parlamentares.

Pedro: É, que também estão ligados à oligarquia. Por isso, agora a gente votou na Dilma, porque a perspectiva Serra era terrível, o que eles fazem em São Paulo a gente não quer porque é terra arrasada.

CC: E que avaliação vocês fazem da conferência de cultura? Avançou ou ficou, como a Conferência de Comunicação, num lindo caderno de resoluções não implementadas?

Fernanda: Eu participei de uma conferência estadual. Você se sente totalmente logrado. Você vai lá, trabalha, levanta as propostas, concretas, discute de uma forma super democrática, o que também é complicado com realidades tão diferentes, imagine no Brasil...

Depois de tudo aquilo que a gente falou, cadê? Faz oito meses. A gente vai lá e pergunta ao senhor André Sturm (coordenador da unidade de fomento e difusão da produção cultural da Secretaria de Estado de Cultura) e ouvimos "ah, veja bem...". É uma mentira, profundamente decepcionante.

Pedro: E, voltando à Lei de Fomento, esse é o grande trunfo. É uma lei. Ou a gente tem uma lei que tem de ser cumprida ou cada governo que chegar vai fazer do seu jeito.

CC: E como está hoje o processo de mobilização em relação às dificuldades? Uma peça como a de vocês, de teor mais crítico, é de se imaginar que tenha dificuldades até para conseguir o financiamento legal.

Zernesto: Eles nem chegam na questão do teor mais crítico. O Calil poderia invocar a paternidade da criança da Lei de Fomento e dizer: "olha o que nós estamos fazendo". Porque ela é modelo para o Brasil inteiro. Todo mundo que vai batalhar nos outros estados está usando a lei daqui como modelo. Ela precisa ser aprimorada, mas como está hoje já é um modelo.

CC: E o movimento?

Pedro: Há uma mobilização permanente, que agora juntou também o pessoal da dança e do VAI (programa Valorização de Iniciativas Culturais, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo), tem o vereador José Américo, que como autor da lei da dança está mobilizando os outros parlamentares. E está sendo tentada a reversão desse quadro pela via da mobilização, que ocorre toda quarta-feira na Câmara Municipal de São Paulo. E o Calil vai ser obrigado a comparecer lá e dar explicações.

Fernanda: Existe a lei e ele lança editais e decretos que vão contra o espírito da lei. Todo ano ele faz isso.

Pedro: E numa visão bem "onguizadora", estão fora desses decretos as ONGs, que são outro problema grave, uma profissionalização do movimento social, que atrela ao Estado o movimento social e, então, você já não age com a liberdade que agia antes porque depende dessa verbinha, em todos os níveis. Tanto as ONGs como as OSCIPs da prefeitura, ou que trabalham com a prefeitura, como os pontos de cultura, de certa forma, são uma forma de o poder ir se apropriando dos movimentos ou das possibilidades de surgimento dos movimentos locais, dando o ‘cala a boca’.

Essa é uma crítica geral, mais ampla, não significa que não existam pessoas bem intencionadas, bons projetos. É o modelo. Se tivéssemos um Estado forte na cultura, com recursos e funcionários gabaritados, as iniciativas iam surgir e ser respaldadas por uma verba pública, e não o contrário, com um Estado que bota no cabresto qualquer tipo de mobilização artística ou cultural.

Portanto, a perspectiva não é boa porque há uma privatização de toda forma, uma pulverização. E com relação a essas conferências, no "Arte contra a Barbárie", a gente falou ‘vamos agir no município’, porque é o mais concreto. E ainda é difícil se articular, quando a gente chega nas outras conferências, que para o cidadãos e os movimentos são mais "virtuais", ou quando você junta o Brasil inteiro um dia e diz "e aí? O que é que vai resultar disso?". Nada. No máximo um vai conhecer a realidade do outro. É fácil jogar fogo nesse caldeirão, pela desmobilização social e a falta de representação.

Guto: De vez em quando eu também tenho a sensação de que alguns políticos que nos apoiavam, por essas épocas, somem mesmo. Assim, às vezes a gente precisa de tais apoios lá dentro, difícil de encontrar, salvo do José Américo, porque é muito do breu dele, mas com as outras pessoas é difícil.

Pedro: Eu não conheço o PSOL, mas a cultura não gera dividendos políticos. E a maior parte dos nossos políticos, em bom português, está cagando e andando para a cultura.

Zernesto: Por isso digo que eles nem chegam na questão da abordagem crítica. Mesmo porque há essas peças críticas tanto no nosso nível do teatro de grupo quanto no nível comercial.

CC: Mas financiar um grande grupo inserido na lógica do mercado deve ser mais fácil, até para legitimar o argumento de que 'somos democráticos', 'tem pra todo mundo'...

Zernesto: Talvez seja um pouquinho.

Pedro: E que não são grupos, são produtores. A diferença é essa. Vai pro produtor, que vai escolher o diretor ou às vezes é o próprio diretor, que vai escolher o elenco, vai remunerar e ponto. É uma empresa.

Zernesto: Portanto, é interesse financeiro simples, porque geralmente essas grandes produções movem um dinheiro muito maior do que a gente. Contra vinte grupos, um só desses bate fácil.

Pedro: Inclusive ouvimos de produtores que "ah, esse negócio da lei de fomento piorou nossa situação porque agora os grupos trabalham com muito menos dinheiro do que a gente".

Zernesto: "E os atores agora chegam aqui pra trabalhar comigo e não querem mais os duzentos reais que eu pagava, agora querem 350".

Pedro: O grupo inverte a lógica do mercado, e isso é perigoso. Porque a gente não produz mercadoria, não tem uma relação de exploração. Isso tudo é pequeno, mas os caras que estão lá antenados falam: "não, o que é isso? Vamos acabar com esse negócio de ser todo mundo igual!".

CC: Conta um pouco como surgiu o "Pálido Colosso" e a revisão que vocês fizeram nele.

Pedro: Surgiu de uma pesquisa nossa chamada "Porque a esquerda se endireita". Tudo isso está organizado já, mas o nosso processo de trabalho não é tese acadêmica. A gente tem um tema e vai escarafunchar as coisas e as necessidades que o próprio processo vai trazendo, tanto de linguagem quanto do que vai para a cena. A gente vai escrevendo o texto ao longo desse tempo. Então, começamos a investigar as nossas memórias pessoais dos últimos 50 anos, que no caso eram do Petrônio, e o que aconteceu no Brasil, pessoalmente e num nível maior, da nação.

Ele veio exatamente dessa fricção entre o que estava acontecendo na minha vida e o grande que estava acontecendo por fora. E, logicamente, o Petrônio era a pessoa mais velha e trazia memórias que ninguém aqui tinha. Memórias do golpe militar e de antes do golpe. Por acaso, o pai dele era primo do Prestes e chegou a ser preso, como o próprio espetáculo narra. Existe um texto do Walter Benjamim, "O narrador", que fala justamente da função do narrador; por isso ele trabalha com narrativa, que dá outra dimensão. O narrador conta o que ele viu ou ouviu, com uma propriedade muito grande, e acrescenta em quem escuta a experiência. A gente vai muito atrás dessa transmissão da experiência, que toca realmente a pessoa. E o final do espetáculo era o câncer do Petrônio, mas foi revisto - a cirurgia pela qual ele passou e a enfermeira que chegava porque ele via um cara morrer do lado e falava: "olha, essa história não é sua".

De certa forma, a primeira versão terminava de uma maneira mais angustiante. E quando revimos, até porque a gente estava vivendo a passagem do Petrônio e era preciso rever isso, eu acho que ganhou uma grande potência de mobilização individual ao fazermos um final mais abrangente, mais provocador no sentido positivo.

Zernesto: Mesmo quem não conhecia a história do Petrônio fazia a ligação: "ah, o Brasil é um paciente terminal", que até contaminou a gente. Daí pra frente, nós nos recusamos a acreditar nisso, mas o espetáculo era maior, estava ali e era assim. E agora achamos que ficou melhor.

Pedro: E essa revisão tem a ver com o nosso processo também, porque depois do "Pálido Colosso" a gente começou a investigar a Utopia (o projeto de pesquisa "Utopia, pra que te quero!", uma revisão dos projetos até então desenvolvidos pelo grupo e também de questionamento da ação humana diante da realidade brasileira), que deu um projeto, o "Veleidades Tropicais", barra pesada. Termina com um nó górdio pendurado e a gente falando para o público: "E aí? Vocês vão se matar? Mas para se matar precisa coragem, precisa uma causa. Não é tão simples assim". Depois, abrimos para uma outra pesquisa que a gente está fazendo agora, ‘Qui.me.ra s’, que fala: "a gente precisa avançar, olhar para outro lugar, arriscar". Não arriscar cagando regras, mas por possibilidades. E eu acho que o primeiro resultado já vem no final desse espetáculo. As pessoas que viram a primeira versão e estão vendo de novo falam: "agora termina e, não é que me mobiliza, eu levo mais coisa pra casa"; provoca. "Essa história não é sua? Vai ficar aí parado que nem um bonequinho de lama? Só com o olho assustado?".

Essa pequena revisão final é resultado da nossa pesquisa atual, que é "vamos olhar pra frente, sem esquecer o que aconteceu?". É até por isso que esse nosso próximo processo está entrando numa investigação que entra na literatura fantástica, dos loucos.

CC: Vocês já estão ensaiando?

Zernesto: Estamos em processo de criação. Não é um ensaio convencional, porque não existe um texto. Estamos investigando ainda um material inicial, de onde vão sair os que ficarão na cena, e que passará por uma estruturação. Os nossos textos finais ficam prontos praticamente junto com o espetáculo.

CC: E quando entra em temporada?

Zernesto: A previsão é que entre em maio.

Luciana Araujo é jornalista.