domingo, 31 de outubro de 2010
Sobre a Barbárie Imperialista, a Crise do Capital e a Luta dos Povos
III Encontro Civilização ou Barbárie
Comunicação de Miguel Urbano Rodrigues
Sobre a Barbárie Imperialista, A Crise do Capital e a Luta dos Povos
Camaradas e amigos
Nós, participantes neste Encontro, reunidos em Serpa, temos consciência de que o planeta Terra enfrenta uma crise global de civilização que pode ter como desfecho a extinção da Humanidade.
Contribuir para que se difunda a consciência dessa ameaça, inseparável do funcionamento de uma engrenagem monstruosa, é hoje uma tarefa revolucionária.
Difícil de assumir porque na vastidão do mundo as grandes maiorias ainda não se aperceberam de que a superação da actual crise passa pelo desaparecimento do capitalismo.
Na era da informação instantânea, a desinformação alastra. Como o capital controla o sistema mediático a nível quase planetário, a mentira é imposta como verdade aos povos. Nunca a alienação das massas foi tão cientificamente trabalhada por aqueles que as exploram. Uma contra-cultura alienante, exportada pelos EUA, contribui para a passividade das massas e um consumismo irracional, robotizante.
Uma mentira perigosa que diariamente percorre o mundo é a que projecta a imagem dos EUA como vencedores da mal chamada crise financeira.
Embora tecnicamente os EUA não estejam em recessão, é falso que se encaminhem para uma recuperação. Isso porque a crise neles iniciada é uma crise estrutural do capitalismo, simultaneamente económica, ambiental, militar, social, energética, cultural.
Aproximadamente 30 milhões de trabalhadores estão desempregados ou subempregados, mas os lucros das empresas aumentam ali prodigiosamente. O Washington Post, porta-voz do establishment, reconhecia em 30 de Julho, num artigo de Steve Pearlstein, que no mundo real as empresas existem para criar lucros para os accionistas e não empregos. Na mesma semana, o The New YorK Times sublinhava que a queda das vendas é acompanhada por um aumento dos lucros. Um exemplo: a Ford reduziu a metade a sua força de trabalho nos últimos cinco anos. Inicialmente perdeu 20 mil milhões de dólares. Mas este ano anuncia um lucro provável de 5 mil milhões de dólares. Fred Goldstein, do International Action Center, lembra-nos que os capitalistas instalam tecnologias concebidas para destruir empregos, porque a lógica do sistema exige que a produção seja reduzida para as empresas serem rentáveis.
O debate em Washington opõe os que defendem uma maior «austeridade», travando o aumento da astronómica dívida pública, àqueles que exigem mais «estímulos» para a recuperação da banca e das grandes empresas. Mas tudo indica que, esgotados os 787 mil milhões de dólares injectados pelo Estado na economia, o país cairá novamente em recessão.
O presidente Barack Obama hesita. Acossado pela direita republicana, faz concessões, temeroso de uma vitória republicana nas eleições Legislativas de 2 de Novembro. Critica, com suavidade, os banqueiros e outros magnates da Finança, mas na prática assiste passivamente ao seu prodigioso enriquecimento. Os sacerdotes do dinheiro continuam a atribuir-se vencimentos e prémios fabulosos. O secretário do Tesouro, Thimothy Geitner, um neoliberal ligado a Wall Street, goza da total confiança do Presidente.
A reforma da Saúde foi um grande embuste. As Seguradoras vão embolsar centenas de milhares de milhões de dólares, e milhões de imigrantes ilegais não são abrangidos pela nova legislação aprovada pelo Congresso. O orçamento de Defesa é o maior desde a II Guerra Mundial, mas as verbas atribuídas à Educação e aos Transportes foram consideravelmente reduzidas.
A ESTRATÉGIA IMPERIAL
Contrariamente às esperanças suscitadas, a actual Administração não rompeu com a política agressiva de Bush, orientada para a dominação universal e perpétua do imperialismo estadounidense.
Obama manteve no Pentágono o falcão republicano Robert Gates e a secretária de Estado Hillary Clinton têm assumido posições no tocante ao Médio Oriente, à América Latina, à Palestina e à Ásia Oriental ainda mais negativas do que as de Madeleine Albright e Condoleeza Rice.
Em Outubro o Pentágono, com o aval do Presidente Obama, criou o Cibermand, organização cujo objectivo, segundo o general Kevin Chilton, é preparar os EUA para as «confrontações da ciber guerra». Outros generais afirmaram que o controle militar do ciberespaço garantirá aos EUA o domínio perpétuo sobre a Terra.
Outra terrível ameaça à humanidade do sistema imperial são as armas electrónicas que podem atingir um alvo humano a 10 mil quilómetros de distância. Basta carregar num botão algures nos EUA para abater «o inimigo» seleccionado. As novas armas magnéticas são outra inovação do arsenal do terror criado pela tecnologia de a ciência colocadas ao serviço de uma política criminosa.
Na América Latina não houve alteração sensível na politica de hostilidade a Cuba e o regresso da IV Esquadra ao Sul do Hemisfério, o reforço da aliança com o regime neofascista da Colombia, o golpe nas Honduras – organizado na Embaixada dos EUA – e a intentona no Equador comprovam um aumento da agressividade do governo Obama na Região.
A campanha permanente desencadeada pelos media estadounidenses contra os regimes progressistas da Venezuela bolivariana, da Bolívia e do Equador insere-se numa estratégia ambiciosa a médio prazo. Washington chegou à conclusão de que o recurso a golpes militares tradicionais para derrubar esses governos, que contam com forte apoio de massas, seria contraproducente, contribuindo para incentivar em toda a América Latina o sentimento anti-imperialista.
Minar por dentro os governos de Chavez, Evo Morales e Rafael Correa, provocando a sua implosão, é o objectivo pelo qual trabalha a Administração Obama.
Na América Latina o imperialismo, não tenhamos ilusões, está na ofensiva e, com poucas excepções, verifica-se um refluxo da luta de massas.
Obama tenta aprofundar as relações com o Brasil, a Argentina e o Uruguai, consciente de que as políticas desenvolvidas pelos governos desses países não afectam o funcionamento do sistema capitalista, sendo compatíveis com a sua lógica.
Na Colômbia, um governo neofascista mascarado de democrata é o mais íntimo aliado dos EUA no Continente. No final de Setembro o seu presidente recebeu calorosas felicitações de Barack Obama por ter assassinado o comandante Jorge Briceño das FARC numa operação que envolveu 27 helicópteros e 30 aviões de combate.
Os oligarcas que oprimem o povo da Colômbia acusam-no de assassino e terrorista. Mas Jorge Briceño, el Mono Jojoy, passará à Historia como um herói da América Latina. Cumpro um dever, camaradas, prestando aqui homenagem a esse combatente revolucionário tal como a Raul Reyes, também assassinado num bombardeamento pirata, e a Manuel Marulanda, o fundador das FARC.
AS LUTAS NA EUROPA
Na Europa, a crise global atinge os países de maneira desigual.
A estrutura da União Europeia é afectada pelas contradições que se manifestam nos grandes, incapazes de adoptarem uma estratégia comum. Apenas se entendem quando se trata de impor medidas drásticas a países como a Grécia, a Espanha, a Irlanda e Portugal. Os pequenos estados da Europa Oriental, esses são tratados como cobaias. É o caso das Republicas Bálticas, submetidas a receitas ultra liberais de efeito social devastador. Nalguns casos a redução dos salários atinge ali 30%.
O tema das lutas na Europa será tratado em intervenções de outros camaradas. Permito-me apenas registar que em consequência de políticas que descarregam o custo da crise sobre os trabalhadores, concebidas para beneficiar o grande capital, nomeadamente a banca e as transnacionais, se assiste a uma intensificação da luta de massas em muitos países do Continente. Isso é já uma realidade na Grecia, em França, em Espanha e Portugal onde os trabalhadores saem às ruas em protestos gigantescos. Cabe aqui uma referência especial às proporções assumidas pela luta de massas na França e na Grécia. Pela firmeza e combatividade demonstradas frente a uma repressão brutal e pelo nível de consciência política de que dão provas, a classe operária grega e o seu partido de vanguarda, o KKE, tornaram-se nos últimos meses credores do respeito e admiração das forças progressistas em todo o mundo.
Uma conclusão transparente: a crise destruiu a máscara da chamada democracia representativa em toda a Europa. Na União Europeia e fora dela, a soberania dos povos é duramente golpeada por ditaduras da burguesia de fachada democrática.
AS GUERRAS PERDIDAS DOS EUA
Enquanto a NATO, instrumento do poder imperial, estende os seus tentáculos pela Ásia adentro, os EUA implantam-se também militarmente no continente africano. A sua Força Aérea tem bombardeado a Somália, e o Pentágono decidiu manter um grande exército permanente em África, o chamado AFRICOM. Falta apenas decidir qual será o país sede.
No Médio Oriente e na Ásia Central o imperialismo estadounidense enfrenta desafios inseparáveis do seu projecto de controlar as imensas reservas de petróleo e gás da Região.
Envolveu-se em duas guerras de agressão contra os povos do Iraque e do Afeganistão, reafirma o seu apoio incondicional ao Estado neofascista de Israel e ameaça recorrer a armas nucleares tácticas para destruir o Irão.
Uma propaganda perversa, massacrante, apresenta essa escalada militar como exigência da luta mundial contra o terrorismo, assumida pelos EUA alegadamente em defesa de valores eternos da humanidade.
Na realidade os Estados Unidos, com a cumplicidade activa da União Europeia, estão a disseminar o terrorismo e a barbárie pelo planeta.
O professor Petras não exagera. No Iraque e no Afeganistão foram cometidos crimes monstruosos, que trazem à memória os das SS nazis do III Reich alemão. Nessa orgia de barbárie vale tudo desde chacinas colectivas, corte de línguas a prisioneiros, torturas e violações sexuais ate à destruição de aldeias inteiras pelas bombas dos drones, os aviões sem piloto. Mas apesar de nelas terem sido investidos mais de um milhão de milhões de dólares, essas guerras abjectas são guerras perdidas.
Obama, que fez do Afeganistão a primeira prioridade da sua politica externa, mantém nesse país um enorme exército, com efectivos que dobram as forças de ocupação da NATO, e não hesitou em estender a agressão às zonas tribais do Paquistão, alvo agora de bombardeamentos de rotina quase diários.
Outra situação muito incómoda para Washington. O Afeganistão é presentemente o maior produtor mundial de heroína. Antes da invasão, a cultura da papoila do ópio era ali quase residual.
Uma nova agressão se esboça no horizonte. A Casa Branca ao ameaçar o Irão – segundas reservas de hidrocarbonetos da região – repete noutro contexto um folhetim semelhante ao das «armas de destruição massiva», pretexto para a invasão e destruição do Iraque.
Como o governo de Ahmanidejah não se submete, Washington aplicou já vários pacotes de sanções ao Irão – com o ámen do Conselho de Segurança da ONU – e incentiva o aliado fascista israelense a multiplicar as provocações a Teerão.
A irracionalidade dessa estratégia justifica os temores de intelectuais como Chossudovsky para quem um ataque ao Irão poderia ser o prólogo da III Guerra Mundial.
Não se pode esquecer que a maior parte do petróleo importado pelos EUA e pela Europa passa pelo Estreito de Ormuz, que seria imediatamente fechado à navegação se o Irão fosse bombardeado.
Sejamos realistas: a irresponsabilidade da política do presidente Obama está a empurrar a humanidade para uma situação de beira de abismo.
Como reagir? Parece-me óbvio que, independentemente da opinião que se tenha do regime do Ayatolah Kameney, a solidarideadde com o povo do Irão, herdeiro de grandes civilizações, se torna hoje inseparável da defesa da vida humana contra a barbárie.
O desastre das guerras asiáticas da actual Administração dos EUA-continuadora da escalada de Bush – é tão evidente que começou a afectar a coluna vertebral da disciplina nas Forças Armadas.
O ex-comandante chefe no Afeganistão, general Stanley McChrystal, foi demitido por ter criticado duramente numa entrevista a estratégia do Presidente para a Região. Mas o mal-estar prosseguiu. O general David Petraeus, seu sucessor, não esconde também críticas à política militar de Obama. Nelas é acompanhado por oficiais do seu estado-maior. E que aconteceu? Nada. O presidente não reagiu. Esse silêncio foi interpretado por influentes media como indício de que Obama perdeu o controle da política asiática que estaria cada vez mais a ser assumido pelo Pentágono.
Alias, nestas vésperas das eleições norte-americanas a crescente popularidade de movimentos de extrema-direita como o Tea Party de Sarah Palin, suscita algum alarme entre os dirigentes do Partido Democrata e mesmo em meios republicanos.
A complexidade e gravidade da crise financeira, económica e social que atinge os EUA tende a favorecer a ascensão de um populismo profundamente reaccionário que desfralda bandeiras ostensivamente contra-revolucionárias.
Projectos fascistas no horizonte dos EUA? O filipino Walden Bello coloca a pergunta «Fascismo nos EUA?» e responde : «Não é tão implausível como possa pensar-se».
Não sou tão pessimista. Mas o Capitalismo não tem soluções válidas para a sua crise estrutural e por isso mesmo os EUA, baluarte do sistema, procuram com desespero encontrá-las em guerras genocídas e de saque.
Não sendo humanizável, o sistema tem de ser erradicado da Terra.
A sua agonia será lenta e o fim não tem data. A luta dos povos vai ser decisiva para a sua destruição. É minha convicção inabalável de que o socialismo é a única alternativa à barbárie capitalista. Não estarei vivo então. Mas como revolucionário aprendi na luta que as ideias pelas quais vivi e me bati – essas sobrevivem às breves existências individuais.
Serpa, 30 de Outubro de 2010
Comunicação de Miguel Urbano Rodrigues
Sobre a Barbárie Imperialista, A Crise do Capital e a Luta dos Povos
Camaradas e amigos
Nós, participantes neste Encontro, reunidos em Serpa, temos consciência de que o planeta Terra enfrenta uma crise global de civilização que pode ter como desfecho a extinção da Humanidade.
Contribuir para que se difunda a consciência dessa ameaça, inseparável do funcionamento de uma engrenagem monstruosa, é hoje uma tarefa revolucionária.
Difícil de assumir porque na vastidão do mundo as grandes maiorias ainda não se aperceberam de que a superação da actual crise passa pelo desaparecimento do capitalismo.
Na era da informação instantânea, a desinformação alastra. Como o capital controla o sistema mediático a nível quase planetário, a mentira é imposta como verdade aos povos. Nunca a alienação das massas foi tão cientificamente trabalhada por aqueles que as exploram. Uma contra-cultura alienante, exportada pelos EUA, contribui para a passividade das massas e um consumismo irracional, robotizante.
Uma mentira perigosa que diariamente percorre o mundo é a que projecta a imagem dos EUA como vencedores da mal chamada crise financeira.
Embora tecnicamente os EUA não estejam em recessão, é falso que se encaminhem para uma recuperação. Isso porque a crise neles iniciada é uma crise estrutural do capitalismo, simultaneamente económica, ambiental, militar, social, energética, cultural.
Aproximadamente 30 milhões de trabalhadores estão desempregados ou subempregados, mas os lucros das empresas aumentam ali prodigiosamente. O Washington Post, porta-voz do establishment, reconhecia em 30 de Julho, num artigo de Steve Pearlstein, que no mundo real as empresas existem para criar lucros para os accionistas e não empregos. Na mesma semana, o The New YorK Times sublinhava que a queda das vendas é acompanhada por um aumento dos lucros. Um exemplo: a Ford reduziu a metade a sua força de trabalho nos últimos cinco anos. Inicialmente perdeu 20 mil milhões de dólares. Mas este ano anuncia um lucro provável de 5 mil milhões de dólares. Fred Goldstein, do International Action Center, lembra-nos que os capitalistas instalam tecnologias concebidas para destruir empregos, porque a lógica do sistema exige que a produção seja reduzida para as empresas serem rentáveis.
O debate em Washington opõe os que defendem uma maior «austeridade», travando o aumento da astronómica dívida pública, àqueles que exigem mais «estímulos» para a recuperação da banca e das grandes empresas. Mas tudo indica que, esgotados os 787 mil milhões de dólares injectados pelo Estado na economia, o país cairá novamente em recessão.
O presidente Barack Obama hesita. Acossado pela direita republicana, faz concessões, temeroso de uma vitória republicana nas eleições Legislativas de 2 de Novembro. Critica, com suavidade, os banqueiros e outros magnates da Finança, mas na prática assiste passivamente ao seu prodigioso enriquecimento. Os sacerdotes do dinheiro continuam a atribuir-se vencimentos e prémios fabulosos. O secretário do Tesouro, Thimothy Geitner, um neoliberal ligado a Wall Street, goza da total confiança do Presidente.
A reforma da Saúde foi um grande embuste. As Seguradoras vão embolsar centenas de milhares de milhões de dólares, e milhões de imigrantes ilegais não são abrangidos pela nova legislação aprovada pelo Congresso. O orçamento de Defesa é o maior desde a II Guerra Mundial, mas as verbas atribuídas à Educação e aos Transportes foram consideravelmente reduzidas.
A ESTRATÉGIA IMPERIAL
Contrariamente às esperanças suscitadas, a actual Administração não rompeu com a política agressiva de Bush, orientada para a dominação universal e perpétua do imperialismo estadounidense.
Obama manteve no Pentágono o falcão republicano Robert Gates e a secretária de Estado Hillary Clinton têm assumido posições no tocante ao Médio Oriente, à América Latina, à Palestina e à Ásia Oriental ainda mais negativas do que as de Madeleine Albright e Condoleeza Rice.
Em Outubro o Pentágono, com o aval do Presidente Obama, criou o Cibermand, organização cujo objectivo, segundo o general Kevin Chilton, é preparar os EUA para as «confrontações da ciber guerra». Outros generais afirmaram que o controle militar do ciberespaço garantirá aos EUA o domínio perpétuo sobre a Terra.
Outra terrível ameaça à humanidade do sistema imperial são as armas electrónicas que podem atingir um alvo humano a 10 mil quilómetros de distância. Basta carregar num botão algures nos EUA para abater «o inimigo» seleccionado. As novas armas magnéticas são outra inovação do arsenal do terror criado pela tecnologia de a ciência colocadas ao serviço de uma política criminosa.
Na América Latina não houve alteração sensível na politica de hostilidade a Cuba e o regresso da IV Esquadra ao Sul do Hemisfério, o reforço da aliança com o regime neofascista da Colombia, o golpe nas Honduras – organizado na Embaixada dos EUA – e a intentona no Equador comprovam um aumento da agressividade do governo Obama na Região.
A campanha permanente desencadeada pelos media estadounidenses contra os regimes progressistas da Venezuela bolivariana, da Bolívia e do Equador insere-se numa estratégia ambiciosa a médio prazo. Washington chegou à conclusão de que o recurso a golpes militares tradicionais para derrubar esses governos, que contam com forte apoio de massas, seria contraproducente, contribuindo para incentivar em toda a América Latina o sentimento anti-imperialista.
Minar por dentro os governos de Chavez, Evo Morales e Rafael Correa, provocando a sua implosão, é o objectivo pelo qual trabalha a Administração Obama.
Na América Latina o imperialismo, não tenhamos ilusões, está na ofensiva e, com poucas excepções, verifica-se um refluxo da luta de massas.
Obama tenta aprofundar as relações com o Brasil, a Argentina e o Uruguai, consciente de que as políticas desenvolvidas pelos governos desses países não afectam o funcionamento do sistema capitalista, sendo compatíveis com a sua lógica.
Na Colômbia, um governo neofascista mascarado de democrata é o mais íntimo aliado dos EUA no Continente. No final de Setembro o seu presidente recebeu calorosas felicitações de Barack Obama por ter assassinado o comandante Jorge Briceño das FARC numa operação que envolveu 27 helicópteros e 30 aviões de combate.
Os oligarcas que oprimem o povo da Colômbia acusam-no de assassino e terrorista. Mas Jorge Briceño, el Mono Jojoy, passará à Historia como um herói da América Latina. Cumpro um dever, camaradas, prestando aqui homenagem a esse combatente revolucionário tal como a Raul Reyes, também assassinado num bombardeamento pirata, e a Manuel Marulanda, o fundador das FARC.
AS LUTAS NA EUROPA
Na Europa, a crise global atinge os países de maneira desigual.
A estrutura da União Europeia é afectada pelas contradições que se manifestam nos grandes, incapazes de adoptarem uma estratégia comum. Apenas se entendem quando se trata de impor medidas drásticas a países como a Grécia, a Espanha, a Irlanda e Portugal. Os pequenos estados da Europa Oriental, esses são tratados como cobaias. É o caso das Republicas Bálticas, submetidas a receitas ultra liberais de efeito social devastador. Nalguns casos a redução dos salários atinge ali 30%.
O tema das lutas na Europa será tratado em intervenções de outros camaradas. Permito-me apenas registar que em consequência de políticas que descarregam o custo da crise sobre os trabalhadores, concebidas para beneficiar o grande capital, nomeadamente a banca e as transnacionais, se assiste a uma intensificação da luta de massas em muitos países do Continente. Isso é já uma realidade na Grecia, em França, em Espanha e Portugal onde os trabalhadores saem às ruas em protestos gigantescos. Cabe aqui uma referência especial às proporções assumidas pela luta de massas na França e na Grécia. Pela firmeza e combatividade demonstradas frente a uma repressão brutal e pelo nível de consciência política de que dão provas, a classe operária grega e o seu partido de vanguarda, o KKE, tornaram-se nos últimos meses credores do respeito e admiração das forças progressistas em todo o mundo.
Uma conclusão transparente: a crise destruiu a máscara da chamada democracia representativa em toda a Europa. Na União Europeia e fora dela, a soberania dos povos é duramente golpeada por ditaduras da burguesia de fachada democrática.
AS GUERRAS PERDIDAS DOS EUA
Enquanto a NATO, instrumento do poder imperial, estende os seus tentáculos pela Ásia adentro, os EUA implantam-se também militarmente no continente africano. A sua Força Aérea tem bombardeado a Somália, e o Pentágono decidiu manter um grande exército permanente em África, o chamado AFRICOM. Falta apenas decidir qual será o país sede.
No Médio Oriente e na Ásia Central o imperialismo estadounidense enfrenta desafios inseparáveis do seu projecto de controlar as imensas reservas de petróleo e gás da Região.
Envolveu-se em duas guerras de agressão contra os povos do Iraque e do Afeganistão, reafirma o seu apoio incondicional ao Estado neofascista de Israel e ameaça recorrer a armas nucleares tácticas para destruir o Irão.
Uma propaganda perversa, massacrante, apresenta essa escalada militar como exigência da luta mundial contra o terrorismo, assumida pelos EUA alegadamente em defesa de valores eternos da humanidade.
Na realidade os Estados Unidos, com a cumplicidade activa da União Europeia, estão a disseminar o terrorismo e a barbárie pelo planeta.
O professor Petras não exagera. No Iraque e no Afeganistão foram cometidos crimes monstruosos, que trazem à memória os das SS nazis do III Reich alemão. Nessa orgia de barbárie vale tudo desde chacinas colectivas, corte de línguas a prisioneiros, torturas e violações sexuais ate à destruição de aldeias inteiras pelas bombas dos drones, os aviões sem piloto. Mas apesar de nelas terem sido investidos mais de um milhão de milhões de dólares, essas guerras abjectas são guerras perdidas.
Obama, que fez do Afeganistão a primeira prioridade da sua politica externa, mantém nesse país um enorme exército, com efectivos que dobram as forças de ocupação da NATO, e não hesitou em estender a agressão às zonas tribais do Paquistão, alvo agora de bombardeamentos de rotina quase diários.
Outra situação muito incómoda para Washington. O Afeganistão é presentemente o maior produtor mundial de heroína. Antes da invasão, a cultura da papoila do ópio era ali quase residual.
Uma nova agressão se esboça no horizonte. A Casa Branca ao ameaçar o Irão – segundas reservas de hidrocarbonetos da região – repete noutro contexto um folhetim semelhante ao das «armas de destruição massiva», pretexto para a invasão e destruição do Iraque.
Como o governo de Ahmanidejah não se submete, Washington aplicou já vários pacotes de sanções ao Irão – com o ámen do Conselho de Segurança da ONU – e incentiva o aliado fascista israelense a multiplicar as provocações a Teerão.
A irracionalidade dessa estratégia justifica os temores de intelectuais como Chossudovsky para quem um ataque ao Irão poderia ser o prólogo da III Guerra Mundial.
Não se pode esquecer que a maior parte do petróleo importado pelos EUA e pela Europa passa pelo Estreito de Ormuz, que seria imediatamente fechado à navegação se o Irão fosse bombardeado.
Sejamos realistas: a irresponsabilidade da política do presidente Obama está a empurrar a humanidade para uma situação de beira de abismo.
Como reagir? Parece-me óbvio que, independentemente da opinião que se tenha do regime do Ayatolah Kameney, a solidarideadde com o povo do Irão, herdeiro de grandes civilizações, se torna hoje inseparável da defesa da vida humana contra a barbárie.
O desastre das guerras asiáticas da actual Administração dos EUA-continuadora da escalada de Bush – é tão evidente que começou a afectar a coluna vertebral da disciplina nas Forças Armadas.
O ex-comandante chefe no Afeganistão, general Stanley McChrystal, foi demitido por ter criticado duramente numa entrevista a estratégia do Presidente para a Região. Mas o mal-estar prosseguiu. O general David Petraeus, seu sucessor, não esconde também críticas à política militar de Obama. Nelas é acompanhado por oficiais do seu estado-maior. E que aconteceu? Nada. O presidente não reagiu. Esse silêncio foi interpretado por influentes media como indício de que Obama perdeu o controle da política asiática que estaria cada vez mais a ser assumido pelo Pentágono.
Alias, nestas vésperas das eleições norte-americanas a crescente popularidade de movimentos de extrema-direita como o Tea Party de Sarah Palin, suscita algum alarme entre os dirigentes do Partido Democrata e mesmo em meios republicanos.
A complexidade e gravidade da crise financeira, económica e social que atinge os EUA tende a favorecer a ascensão de um populismo profundamente reaccionário que desfralda bandeiras ostensivamente contra-revolucionárias.
Projectos fascistas no horizonte dos EUA? O filipino Walden Bello coloca a pergunta «Fascismo nos EUA?» e responde : «Não é tão implausível como possa pensar-se».
Não sou tão pessimista. Mas o Capitalismo não tem soluções válidas para a sua crise estrutural e por isso mesmo os EUA, baluarte do sistema, procuram com desespero encontrá-las em guerras genocídas e de saque.
Não sendo humanizável, o sistema tem de ser erradicado da Terra.
A sua agonia será lenta e o fim não tem data. A luta dos povos vai ser decisiva para a sua destruição. É minha convicção inabalável de que o socialismo é a única alternativa à barbárie capitalista. Não estarei vivo então. Mas como revolucionário aprendi na luta que as ideias pelas quais vivi e me bati – essas sobrevivem às breves existências individuais.
Serpa, 30 de Outubro de 2010
sábado, 30 de outubro de 2010
Alturas de La Habana
Alturas de La Habana. Caricatura de LAZ.
Autor: LAZ
Autor: LAZ
http://www.juventudrebelde.cu/multimedia/caricaturas/caricaturas-generales/alturas-de-la-habana/
A questão do aborto 2
Por ANTONIO CICERO
NA SEMANA passada, João Pereira Coutinho escreveu em sua coluna ("A questão do aborto, revisitada", Ilustrada, Folha de São Paulo, 19/10) um artigo em que apresentava uma veemente objeção à tese que eu havia antes defendido de que o aborto deve ser descriminalizado.
Lembro sucintamente que, tomando por base os escritos do filósofo francês Francis Kaplan, eu havia chamado a atenção para a distinção entre "estar vivo" e "ser um ser vivo". Um olho, na medida em que faculta a um ser humano enxergar, está vivo, mas não é um ser vivo pois não tem todas as funções necessárias para estar vivo. Ele precisa obter essas funções do ser vivo que é o ser humano. Assim ocorre com o embrião, que obtém do ser vivo que é a mãe todas as funções necessárias para estar vivo e para se desenvolver.
O mais importante, porém, é constatar que hoje se sabe que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, o embrião não tem atividade cerebral. Dado que um ser humano sem atividade cerebral é, como lembra Kaplan, considerado clinicamente morto, sustento que não tem o menor sentido comparar o aborto -sobretudo se efetuado até o terceiro mês da concepção- com o assassinato de uma criança; e que é um absurdo a tese de que a vida da mãe não vale mais que a do embrião. Por isso, defendo que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, a descriminalização do aborto deve ser incondicional.
Coutinho objeta que eu propositadamente excluo da minha argumentação "um pormenor fundamental: o que existe de "potencialidade" no embrião humano". Segundo ele, citando Stephen Schwarz, o aborto "significa a morte de um "ser vivo" em potência; significa, em linguagem prosaica, o roubo de um futuro pela autonomia do presente". Ora, para Coutinho, "uma sociedade será tão mais civilizada quanto maior for a proteção jurídica concedida a esse "ser vivo em potência'". E arremata: "Porque, como diria Henry Miller, escritor americano que está longe de ser um beato, "não conheço maior crime do que matar o que luta para nascer'".
Coutinho escreve bem e reconheço ser bonito esse arremate; no entanto, creio que exatamente o seu uso no presente contexto trai a falácia em que se baseia essa defesa da criminalização do aborto.
Dizer que o embrião "luta para nascer" é dizer que ele deseja intensamente nascer. Desse modo, ele é transformado numa pessoa.
A possibilidade puramente objetiva de que o feto nasça passa a ser concebida como o desejo do embrião, assim como a possibilidade de vir a ser um médico é o desejo do estudante de medicina. E, assim como impedir que o estudante se forme e exerça a medicina constituiria a maldade de frustrá-lo de seu maior sonho, assim também o aborto constituiria a maldade de frustrar o sonho de nascer -o direito de nascer- do pobre embrião.
Mas a verdade é que essa novela se desfaz quando nos lembramos de que, pelo menos nos três primeiros meses, quando ainda não tem sequer atividade cerebral, o embrião constitui uma unidade apenas para os outros, mas não para si.
Na verdade, nem sequer possui um "si". Sem sentir, pensar ou ter um "si", o embrião não chega a ser uma pessoa, não poderia ter projeto, desejo ou ambição: sem falar de um futuro que lhe pudesse ser "roubado". Ora, que sentido teria falar de "direitos" ou de "proteção jurídica" de um ser que nem sequer pensa, sente ou tem um "si"?
As possibilidades que o embrião encarna, portanto, não são possibilidades que ele mesmo contemple. Elas são, em primeiro lugar, possibilidades objetivas: no caso em questão, a possibilidade trivial de que o mundo adquira mais um habitante. Não vejo sentido, neste mundo superpopulado em que vivemos, em lutar para aumentar a população.
Em segundo lugar, porém, as possibilidades que o embrião encarna afetam diretamente algumas pessoas: em particular seus pais e, em primeiríssimo lugar, a mãe que o carrega no útero. Em última análise é, portanto, a ela que deve caber o direito de escolher entre abortar ou não. Não se pode, em nome de nenhuma ideologia -religiosa ou laica- roubá-la esse direito.
A mim parece que uma sociedade será tanto mais civilizada quanto maior for a proteção jurídica concedida a tais sujeitos reais -em oposição a sujeitos fictícios- de direitos.
NA SEMANA passada, João Pereira Coutinho escreveu em sua coluna ("A questão do aborto, revisitada", Ilustrada, Folha de São Paulo, 19/10) um artigo em que apresentava uma veemente objeção à tese que eu havia antes defendido de que o aborto deve ser descriminalizado.
Lembro sucintamente que, tomando por base os escritos do filósofo francês Francis Kaplan, eu havia chamado a atenção para a distinção entre "estar vivo" e "ser um ser vivo". Um olho, na medida em que faculta a um ser humano enxergar, está vivo, mas não é um ser vivo pois não tem todas as funções necessárias para estar vivo. Ele precisa obter essas funções do ser vivo que é o ser humano. Assim ocorre com o embrião, que obtém do ser vivo que é a mãe todas as funções necessárias para estar vivo e para se desenvolver.
O mais importante, porém, é constatar que hoje se sabe que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, o embrião não tem atividade cerebral. Dado que um ser humano sem atividade cerebral é, como lembra Kaplan, considerado clinicamente morto, sustento que não tem o menor sentido comparar o aborto -sobretudo se efetuado até o terceiro mês da concepção- com o assassinato de uma criança; e que é um absurdo a tese de que a vida da mãe não vale mais que a do embrião. Por isso, defendo que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, a descriminalização do aborto deve ser incondicional.
Coutinho objeta que eu propositadamente excluo da minha argumentação "um pormenor fundamental: o que existe de "potencialidade" no embrião humano". Segundo ele, citando Stephen Schwarz, o aborto "significa a morte de um "ser vivo" em potência; significa, em linguagem prosaica, o roubo de um futuro pela autonomia do presente". Ora, para Coutinho, "uma sociedade será tão mais civilizada quanto maior for a proteção jurídica concedida a esse "ser vivo em potência'". E arremata: "Porque, como diria Henry Miller, escritor americano que está longe de ser um beato, "não conheço maior crime do que matar o que luta para nascer'".
Coutinho escreve bem e reconheço ser bonito esse arremate; no entanto, creio que exatamente o seu uso no presente contexto trai a falácia em que se baseia essa defesa da criminalização do aborto.
Dizer que o embrião "luta para nascer" é dizer que ele deseja intensamente nascer. Desse modo, ele é transformado numa pessoa.
A possibilidade puramente objetiva de que o feto nasça passa a ser concebida como o desejo do embrião, assim como a possibilidade de vir a ser um médico é o desejo do estudante de medicina. E, assim como impedir que o estudante se forme e exerça a medicina constituiria a maldade de frustrá-lo de seu maior sonho, assim também o aborto constituiria a maldade de frustrar o sonho de nascer -o direito de nascer- do pobre embrião.
Mas a verdade é que essa novela se desfaz quando nos lembramos de que, pelo menos nos três primeiros meses, quando ainda não tem sequer atividade cerebral, o embrião constitui uma unidade apenas para os outros, mas não para si.
Na verdade, nem sequer possui um "si". Sem sentir, pensar ou ter um "si", o embrião não chega a ser uma pessoa, não poderia ter projeto, desejo ou ambição: sem falar de um futuro que lhe pudesse ser "roubado". Ora, que sentido teria falar de "direitos" ou de "proteção jurídica" de um ser que nem sequer pensa, sente ou tem um "si"?
As possibilidades que o embrião encarna, portanto, não são possibilidades que ele mesmo contemple. Elas são, em primeiro lugar, possibilidades objetivas: no caso em questão, a possibilidade trivial de que o mundo adquira mais um habitante. Não vejo sentido, neste mundo superpopulado em que vivemos, em lutar para aumentar a população.
Em segundo lugar, porém, as possibilidades que o embrião encarna afetam diretamente algumas pessoas: em particular seus pais e, em primeiríssimo lugar, a mãe que o carrega no útero. Em última análise é, portanto, a ela que deve caber o direito de escolher entre abortar ou não. Não se pode, em nome de nenhuma ideologia -religiosa ou laica- roubá-la esse direito.
A mim parece que uma sociedade será tanto mais civilizada quanto maior for a proteção jurídica concedida a tais sujeitos reais -em oposição a sujeitos fictícios- de direitos.
FONTE: Folha de São Paulo, 30/10/2010.
Visita coletiva à ENFF
Data: Sab, 13/11/2010 - 09:00 - 16:00
Local: ENFF, Guararema, SP
Local: ENFF, Guararema, SP
A Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes está organizando a próxima visita coletiva à Escola, no dia 13 de novembro 2010, sábado.
Para quem ainda não conhece esse projeto, a visita vai colocá-lo diante de uma nova realidade concreta, construída, de forma voluntária e coletiva, pelos próprios alunos, que aponta para um futuro no qual a dignidade do ser humano não será mais privilégio de poucos.
Além disso, você vai compreender que a Escola não é um projeto acabado, é um projeto em construção e sua visita tem também a intencionalidade de convidá-lo a participar dessa construção. Sem você, sem todos nós, esse projeto não é possível.
O custo da visita é de R$ 30,00, valor repassado para a ENFF para contemplar custos com café da manhã e almoço.
Para quem quiser ir com seu próprio carro, enviaremos as informações necessárias de como chegar ao local. Haverá um ônibus para o transporte São Paulo-ENFF-São Paulo, com um custo de R$ 20,00 por pessoa. O ponto de encontro será na Estação de Metrô Armenia, saída Av. do Estado esquina com Rua Pedro Vicente, 7:30 horas.
Para que todos tenham um bom proveito desse passeio, que será monitorado por companheir@s da ENFF, o grupo será de no máximo 90 pessoas. Assim, solicitamos que você confirme sua presença, enviando nome completo, RG e informação se irá com transporte próprio ou no onibus da ENFF, para o endereço eletrônico associacao@amigosenff.org.br, até o dia 05 de novembro.
Programação na ENFF:
9 às 9:30 horas: Chegada e recepção (todos deverão se identificar na portaria)
9:30 às 10 horas: Café
10 às 10:40 horas: Exibição do vídeo "ENFF – Uma Escola em Construção"
Apresentação do projeto da ENFF e relato de experiências.
10:40 às 11 horas: Apresentação da Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes
10 às 12 horas: Debate
12 às 13 horas: Almoço
13 às 14:30 horas: Visita monitorada às instalações da ENFF.
14:30 às 15 horas: Momento de solidariedade
15 às16 horas: Depoimentos e mística de encerramento
16 horas: Volta para São Paulo
Contamos com a presença de todos!!!
Siderúrgica TKCSA é o novo matadouro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro
Escrito por Marcelo Badaró Mattos
19-Out-2010
Na virada dos anos 1920 para 1930, época de crise capitalista e da trágica ascensão dos fascismos, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht escreveu a peça Santa Joana dos Matadouros*. Nela, está implícita a comparação entre o produto das grandes indústrias de carne – as salsichas, por exemplo – e os trabalhadores, que também são moídos por suas engrenagens. Ou explícita, no coro dos trabalhadores às portas fechadas dos frigoríficos, que se comparam à matéria-prima bovina daquelas fábricas ao expressarem toda a contradição entre recusarem aquelas condições indignas e a necessidade do emprego para a sobrevivência:
Somos setenta mil trabalhadores nas Indústrias de Carne Lennox
E não podemos viver nem mais um dia com este salário de fome
Que ontem, por cima, voltou a baixar.
(...)
Não é de hoje que este trabalho nos repugna
Que esta fábrica nos suplicia, e jamais
Não fosse a soma de horrores da fria Chicago
Nós estaríamos aqui. (...)
Eles estão pensando o quê? Pensam
Que somos gado
Que aceitamos tudo? Nós
Somos trouxas? Antes de morrer! Nós
Vamos embora daqui imediatamente
silêncio
Já não são seis horas?
Porque não abrem os portões, seus exploradores
Aqui
Está o seu gado, seus carniceiros, abram!
(...)
No dia 17 de setembro passado, participei de uma missão de solidariedade e investigação de denúncias que esteve em Santa Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, nas imediações da recém-inaugurada Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). De capital majoritariamente alemão, ligada ao grupo transnacional Tyssen Krupp, com participação da Vale do Rio Doce, a CSA foi projetada para operar com dois imensos altos-fornos, além de uma termoelétrica e um terminal marítimo próprios, para se transformar na maior siderúrgica da América Latina, produzindo chapas de aço para exportação. Já foram anunciados planos de expansão das instalações, com o objetivo de dobrar a planta e a produção originalmente prevista.
Nos últimos anos, durante a construção da planta industrial, foram feitas diversas denúncias de agressão ao meio ambiente, desrespeito às normas de licenciamento ambiental e desrespeito à legislação trabalhista, como na contratação de trabalhadores chineses ilegalmente trazidos ao Brasil. Foram registradas também perseguições e ameaças aos pescadores que, tendo perdido as condições de pescar e alimentar suas 8.000 famílias na região da Baía de Sepetiba, foram dos primeiros (logo após o acampamento de trabalhadores rurais sem-terra despejado) a sofrer mais diretamente com a empresa e a se organizarem para denunciá-la. Um desses pescadores, inclusive, está hoje distante dos seus, em um programa de proteção a testemunhas, após vários atos concretos de ameaça à sua vida.
Ainda antes da entrada em operação da companhia, foi noticiado que ela seria responsável pela elevação em 76% da emissão de gás carbônico nos céus do Rio de Janeiro.
O fato novo é que desde meados de junho a siderúrgica entrou em fase experimental de funcionamento (fase de operação pré-assistida), com apenas um alto-forno em funcionamento, e logo surgiram na imprensa as notícias de que a população de Santa Cruz fora surpreendida com uma forte carga de poeira prateada, recheada de resíduos metálicos, que dia após dia tornava mais "pesado" o ar no entorno da empresa. Os executivos da TKCSA afirmaram que se tratava de um problema passageiro que já estaria sendo solucionado, mas, a cada dia, os moradores da região percebem que novas nuvens prateadas cobrem os céus a seu redor.
Fomos a Santa Cruz em um grupo de cerca 40 pessoas, oriundas de movimentos sociais, ONGs, Universidades, Institutos de Pesquisa como a Fiocruz, entre outras entidades, além de uma deputada alemã do Parlamento Europeu, única pessoa da missão a quem a empresa aceitou receber. E o que encontramos por lá?
Eu vi uma UPA, construída a partir de "doação" da empresa (entre aspas mesmo, porque a TKCSA tem ampla isenção de tributos, ou seja, ao invés de pagar cerca de R$150 milhões por ano em impostos para que o Estado decida onde aplicar, a título de "contrapartida" de suas isenções, usa uma pequena parcela do que deveria pagar e ainda escolhe como). Nela, os moradores afirmaram que raramente encontram médicos (como, aliás, também ocorre, ainda segundo eles, no posto de saúde local, distante poucas centenas de metros da UPA). Vi na porta da UPA algumas pessoas com os olhos muito vermelhos e irritados. Uma delas nos disse que procurava atendimento havia dias para esse problema que começara semanas antes, depois da entrada em operação da empresa.
Visitei uma escola municipal nas proximidades. Lá constatei que a companhia – a mesma que destruiu vários hectares de manguezais durante as obras de construção e dragagem da baía para a construção da ponte de 4 quilômetros de extensão, que suporta seu porto privado para os navios cargueiros de grande calado que transportarão o aço ali fabricado – agora distribui folhetos em material de primeira, voltados para "educação ambiental", defendendo, quem diria!, a preservação dos manguezais. Descobri também que a empresa promove cursos de "educação ambiental" para professores das escolas da região, em fins de semana em hotéis fazenda na Região Serrana, quando apresenta suas versões de que traz progresso ao Rio e que controla em limites toleráveis suas emissões de poluentes. Mas também aprendi que os professores questionam o discurso da empresa, interagem com os estudantes de forma a conhecerem melhor o que estão vivendo, produzindo com isso o que é mais difícil de encontrar nessa situação: informações pautadas na experiência real dos homens, mulheres e crianças comuns que sofrem os impactos desse processo, e não nos dados "oficiais" da empresa e dos governos.
Vi, ouvi e aprendi muito mais conversando com os moradores da área. Mães que nos mostraram seus filhos pequenos, tomados de erupções cutâneas, que apareceram a partir de junho, e que se transformam em marcas como de queimaduras após serem coçadas. Donas de casa que nos mostraram o pó prateado – nitidamente resíduo metálico – que varrem todos os dias de suas moradias. Pessoas com problemas nos olhos. E pescadores que, com muita dignidade, relataram suas dificuldades, alguns deles mostrando como passaram a viver a ameaça constante da fome, depois que perderam a possibilidade de trabalhar na região, pela restrição à circulação de suas pequenas embarcações e em função da diminuição do pescado face às obras de construção do porto, que revolveram antigos resíduos de desastres ambientais passados, já há muito depositados no fundo da baía.
Vi de perto, ainda, que não parecem ser apenas rumores as denúncias que vêm sendo publicadas desde 2008, pelo menos, de que muitos acidentes de trabalho ocorreram no canteiro de obras e continuam a ocorrer na planta já em operação, como parecem indicar as ambulâncias que entram e saem dos seus portões. Observei que as estações de controle da emissão de poluentes são operadas pela própria empresa, não pelo órgão estadual responsável. Percebi ali que a ameaça ao pescador que hoje se encontra abrigado pelo programa de proteção a testemunhas não é um caso isolado. Conforme já vem sendo apurado pela Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, são muito fortes os indícios de associação da empresa com a milícia que opera na região.
Mas vi também algumas coisas que mantêm acesa a chama da esperança entre os moradores, trabalhadores e trabalhadoras que vivem naquela área. Ouvi mulheres dizendo com firmeza que iriam atrás de "seus direitos", coletivamente; ouvi pescadores dizendo que agora não estavam mais sozinhos na luta contra a empresa; vi pessoas juntas afirmando que, com a união de todos e todas e a força da sua mobilização, a luta contra os danos sociais, à saúde e ambientais que a empresa vem causando seria vitoriosa. E lembrei de outra passagem da Santa Joana dos Matadouros de Brecht, quando os trabalhadores dos matadouros de Chicago, diante da derrota em seu movimento de resistência, massacrado pela repressão encomendada pelos donos de fábricas, lembram a importância da perseverança na luta, ainda que sem horizonte imediato de conquista:
Se vocês ficarem ombro a ombro
Eles vão massacrar vocês.
O nosso conselho é ficar ombro a ombro!
Se vocês lutarem
Os tanques vão massacrar vocês.
O nosso conselho é lutar!
Essa luta será perdida
E talvez a próxima também
Seja perdida.
Mas vocês aprendem a luta
E ficam sabendo
Que, se não for à força, não vai
Nem vai se a força não for de vocês.
Santa Cruz já foi conhecido como o bairro que abrigava o matadouro municipal do Rio de Janeiro. Aquele matadouro deixou de operar em meados do século passado. Mas os novos "matadouros" industriais continuam a ser instalados ali. A CSA é apenas o maior deles (está prevista a instalação na região de mais terminais de carga, siderúrgicas e estaleiros). Um investimento dos conterrâneos de Brecht em terras brasileiras, pois na Europa este tipo de mega-empreendimento e seus mega-impactos já não são mais permitidos. Mas, em Santa Cruz, como na Chicago imaginária (imaginária?) da peça de Brecht, outros coros de trabalhadores já começam a ser ouvidos. É da força deles que podemos esperar algum limite aos desastres que acompanham uma empresa desse tipo. E o coro será ouvido mais longe e sua força será maior se mais vozes se juntarem às dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem em Santa Cruz e na região da Baía de Sepetiba.
Engrossemos esse coro.
*Bertolt Brecht, Santa Joana dos Matadouros, São Paulo, Paz e Terra, 1996.
19-Out-2010
Na virada dos anos 1920 para 1930, época de crise capitalista e da trágica ascensão dos fascismos, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht escreveu a peça Santa Joana dos Matadouros*. Nela, está implícita a comparação entre o produto das grandes indústrias de carne – as salsichas, por exemplo – e os trabalhadores, que também são moídos por suas engrenagens. Ou explícita, no coro dos trabalhadores às portas fechadas dos frigoríficos, que se comparam à matéria-prima bovina daquelas fábricas ao expressarem toda a contradição entre recusarem aquelas condições indignas e a necessidade do emprego para a sobrevivência:
Somos setenta mil trabalhadores nas Indústrias de Carne Lennox
E não podemos viver nem mais um dia com este salário de fome
Que ontem, por cima, voltou a baixar.
(...)
Não é de hoje que este trabalho nos repugna
Que esta fábrica nos suplicia, e jamais
Não fosse a soma de horrores da fria Chicago
Nós estaríamos aqui. (...)
Eles estão pensando o quê? Pensam
Que somos gado
Que aceitamos tudo? Nós
Somos trouxas? Antes de morrer! Nós
Vamos embora daqui imediatamente
silêncio
Já não são seis horas?
Porque não abrem os portões, seus exploradores
Aqui
Está o seu gado, seus carniceiros, abram!
(...)
No dia 17 de setembro passado, participei de uma missão de solidariedade e investigação de denúncias que esteve em Santa Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, nas imediações da recém-inaugurada Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). De capital majoritariamente alemão, ligada ao grupo transnacional Tyssen Krupp, com participação da Vale do Rio Doce, a CSA foi projetada para operar com dois imensos altos-fornos, além de uma termoelétrica e um terminal marítimo próprios, para se transformar na maior siderúrgica da América Latina, produzindo chapas de aço para exportação. Já foram anunciados planos de expansão das instalações, com o objetivo de dobrar a planta e a produção originalmente prevista.
Nos últimos anos, durante a construção da planta industrial, foram feitas diversas denúncias de agressão ao meio ambiente, desrespeito às normas de licenciamento ambiental e desrespeito à legislação trabalhista, como na contratação de trabalhadores chineses ilegalmente trazidos ao Brasil. Foram registradas também perseguições e ameaças aos pescadores que, tendo perdido as condições de pescar e alimentar suas 8.000 famílias na região da Baía de Sepetiba, foram dos primeiros (logo após o acampamento de trabalhadores rurais sem-terra despejado) a sofrer mais diretamente com a empresa e a se organizarem para denunciá-la. Um desses pescadores, inclusive, está hoje distante dos seus, em um programa de proteção a testemunhas, após vários atos concretos de ameaça à sua vida.
Ainda antes da entrada em operação da companhia, foi noticiado que ela seria responsável pela elevação em 76% da emissão de gás carbônico nos céus do Rio de Janeiro.
O fato novo é que desde meados de junho a siderúrgica entrou em fase experimental de funcionamento (fase de operação pré-assistida), com apenas um alto-forno em funcionamento, e logo surgiram na imprensa as notícias de que a população de Santa Cruz fora surpreendida com uma forte carga de poeira prateada, recheada de resíduos metálicos, que dia após dia tornava mais "pesado" o ar no entorno da empresa. Os executivos da TKCSA afirmaram que se tratava de um problema passageiro que já estaria sendo solucionado, mas, a cada dia, os moradores da região percebem que novas nuvens prateadas cobrem os céus a seu redor.
Fomos a Santa Cruz em um grupo de cerca 40 pessoas, oriundas de movimentos sociais, ONGs, Universidades, Institutos de Pesquisa como a Fiocruz, entre outras entidades, além de uma deputada alemã do Parlamento Europeu, única pessoa da missão a quem a empresa aceitou receber. E o que encontramos por lá?
Eu vi uma UPA, construída a partir de "doação" da empresa (entre aspas mesmo, porque a TKCSA tem ampla isenção de tributos, ou seja, ao invés de pagar cerca de R$150 milhões por ano em impostos para que o Estado decida onde aplicar, a título de "contrapartida" de suas isenções, usa uma pequena parcela do que deveria pagar e ainda escolhe como). Nela, os moradores afirmaram que raramente encontram médicos (como, aliás, também ocorre, ainda segundo eles, no posto de saúde local, distante poucas centenas de metros da UPA). Vi na porta da UPA algumas pessoas com os olhos muito vermelhos e irritados. Uma delas nos disse que procurava atendimento havia dias para esse problema que começara semanas antes, depois da entrada em operação da empresa.
Visitei uma escola municipal nas proximidades. Lá constatei que a companhia – a mesma que destruiu vários hectares de manguezais durante as obras de construção e dragagem da baía para a construção da ponte de 4 quilômetros de extensão, que suporta seu porto privado para os navios cargueiros de grande calado que transportarão o aço ali fabricado – agora distribui folhetos em material de primeira, voltados para "educação ambiental", defendendo, quem diria!, a preservação dos manguezais. Descobri também que a empresa promove cursos de "educação ambiental" para professores das escolas da região, em fins de semana em hotéis fazenda na Região Serrana, quando apresenta suas versões de que traz progresso ao Rio e que controla em limites toleráveis suas emissões de poluentes. Mas também aprendi que os professores questionam o discurso da empresa, interagem com os estudantes de forma a conhecerem melhor o que estão vivendo, produzindo com isso o que é mais difícil de encontrar nessa situação: informações pautadas na experiência real dos homens, mulheres e crianças comuns que sofrem os impactos desse processo, e não nos dados "oficiais" da empresa e dos governos.
Vi, ouvi e aprendi muito mais conversando com os moradores da área. Mães que nos mostraram seus filhos pequenos, tomados de erupções cutâneas, que apareceram a partir de junho, e que se transformam em marcas como de queimaduras após serem coçadas. Donas de casa que nos mostraram o pó prateado – nitidamente resíduo metálico – que varrem todos os dias de suas moradias. Pessoas com problemas nos olhos. E pescadores que, com muita dignidade, relataram suas dificuldades, alguns deles mostrando como passaram a viver a ameaça constante da fome, depois que perderam a possibilidade de trabalhar na região, pela restrição à circulação de suas pequenas embarcações e em função da diminuição do pescado face às obras de construção do porto, que revolveram antigos resíduos de desastres ambientais passados, já há muito depositados no fundo da baía.
Vi de perto, ainda, que não parecem ser apenas rumores as denúncias que vêm sendo publicadas desde 2008, pelo menos, de que muitos acidentes de trabalho ocorreram no canteiro de obras e continuam a ocorrer na planta já em operação, como parecem indicar as ambulâncias que entram e saem dos seus portões. Observei que as estações de controle da emissão de poluentes são operadas pela própria empresa, não pelo órgão estadual responsável. Percebi ali que a ameaça ao pescador que hoje se encontra abrigado pelo programa de proteção a testemunhas não é um caso isolado. Conforme já vem sendo apurado pela Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, são muito fortes os indícios de associação da empresa com a milícia que opera na região.
Mas vi também algumas coisas que mantêm acesa a chama da esperança entre os moradores, trabalhadores e trabalhadoras que vivem naquela área. Ouvi mulheres dizendo com firmeza que iriam atrás de "seus direitos", coletivamente; ouvi pescadores dizendo que agora não estavam mais sozinhos na luta contra a empresa; vi pessoas juntas afirmando que, com a união de todos e todas e a força da sua mobilização, a luta contra os danos sociais, à saúde e ambientais que a empresa vem causando seria vitoriosa. E lembrei de outra passagem da Santa Joana dos Matadouros de Brecht, quando os trabalhadores dos matadouros de Chicago, diante da derrota em seu movimento de resistência, massacrado pela repressão encomendada pelos donos de fábricas, lembram a importância da perseverança na luta, ainda que sem horizonte imediato de conquista:
Se vocês ficarem ombro a ombro
Eles vão massacrar vocês.
O nosso conselho é ficar ombro a ombro!
Se vocês lutarem
Os tanques vão massacrar vocês.
O nosso conselho é lutar!
Essa luta será perdida
E talvez a próxima também
Seja perdida.
Mas vocês aprendem a luta
E ficam sabendo
Que, se não for à força, não vai
Nem vai se a força não for de vocês.
Santa Cruz já foi conhecido como o bairro que abrigava o matadouro municipal do Rio de Janeiro. Aquele matadouro deixou de operar em meados do século passado. Mas os novos "matadouros" industriais continuam a ser instalados ali. A CSA é apenas o maior deles (está prevista a instalação na região de mais terminais de carga, siderúrgicas e estaleiros). Um investimento dos conterrâneos de Brecht em terras brasileiras, pois na Europa este tipo de mega-empreendimento e seus mega-impactos já não são mais permitidos. Mas, em Santa Cruz, como na Chicago imaginária (imaginária?) da peça de Brecht, outros coros de trabalhadores já começam a ser ouvidos. É da força deles que podemos esperar algum limite aos desastres que acompanham uma empresa desse tipo. E o coro será ouvido mais longe e sua força será maior se mais vozes se juntarem às dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem em Santa Cruz e na região da Baía de Sepetiba.
Engrossemos esse coro.
*Bertolt Brecht, Santa Joana dos Matadouros, São Paulo, Paz e Terra, 1996.
Marcelo Badaró Mattos é professor titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense.
FONTE: Correio da Cidadania
terça-feira, 26 de outubro de 2010
FAO realça combate à fome na Venezuela
Resultado da revolução bolivariana
FAO realça combate à fome na Venezuela
Avante (Redação)
FAO realça combate à fome na Venezuela
Avante (Redação)
A Venezuela, «se continuar assim, vai poder anunciar ao mundo, no ano de 2015, que superou amplamente um dos "Objetivos do Milénio" estabelecidos pela ONU, considerou Alfredo Roberto Missair, delegado da FAO naquele país»… Por mais que o imperialismo norte-americano e europeu, secundados pelas câmaras de eco que são os meios de comunicação ditos de referência, mintam e manipulem, a realidade sobrepõe-se à sua campanha de desinformação.
A Venezuela reduziu drasticamente a subnutrição no país, admite a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO). As políticas implementadas pela revolução bolivariana são exemplares, diz ainda a agência das Nações Unidas.
«Se continuar assim, [a Venezuela] vai poder anunciar ao mundo, no ano de 2015, que superou amplamente um dos "Objectivos do Milénio" estabelecidos pela ONU, considerou Alfredo Roberto Missair, delegado da FAO naquele país.
Participando numa iniciativa do governo a propósito do Dia Mundial da Alimentação, o responsável sublinhou que «o que a Venezuela está a conseguir na área da alimentação é um exemplo que tem de ser tido em conta na região», aproveitando ainda para lembrar que em alguns países da América Latina a subnutrição persiste em cerca de metade da população infantil.
«Estamos a falar de um direito fundamental, de algo inerente à condição humana e ao bem-estar, de uma necessidade fundamental que a Venezuela está a cumprir», insistiu Missair, citado pela AFP.
Na mesma iniciativa, o vice-presidente venezuelano Elías Jaua frisou que graças a programas sociais lançados pelo executivo «quase 5 milhões de pessoas comem gratuitamente». A afirmação é sustentada pelas estatísticas.
De acordo com dados oficiais, desde o início da revolução bolivariana, a taxa de pobreza extrema na Venezuela foi reduzida de 17,1 por cento, em 1998, para 7,9 por cento em 2008. Quanto ao défice nutricional entre os menores de cinco anos, o índice caiu de 7,7 por cento para 3,7 por cento no mesmo período.
Política soberana
A contribuir para o bom desempenho da Venezuela no combate à fome estão as políticas públicas de distribuição de produtos básicos. Empresas como a Mercal, Corporación Venezolana de Alimentos, Bicentenario, Corporación de Mercados Socialistas ou Corporación de Abastecimiento y Servicios Agrícolas, entre outras, integram uma rede de abastecimento de gêneros a preços populares.
Mas na base do sucesso estão as orientações soberanas levadas a cabo no âmbito não apenas da distribuição, mas também da produção de alimentos. «Ir desmontando os monopólios, oligopólios e os latifúndios para controlar a produção e distribuição de alimentos é um mandato constitucional, pois naqueles modelos radica a especulação e a limitação da capacidade produtiva», frisou Elías Jaua, que notou igualmente que na última década a Venezuela aumentou em 21 por cento a superfície cultivada.
Medidas como a recente nacionalização da privada Agroisleña, agora chamada Agropatria, visam «facultar aos nossos produtores uma redução da sua estrutura de custo, portanto, [permite-lhes] obterem maior rendimento e reforçar capacidade produtiva». Com a Agropátria «temos garantidos 51 por cento da capacidade de armazenamento de cereais básicos», destacou ainda.
Quando da passagem da empresa a propriedade estatal, o presidente Hugo Chávez recordou que «durante muitos anos, a Agroisleña obstaculizou o desenvolvimento agrícola do país especulando sobre o preço dos fertilizantes». Ao preço de compra ao Estado acresciam 500 por cento de margem de lucro, explicou.
Antes da nacionalização da Agroisleña, o governo bolivariano passou para o setor público as empresas de produtos químicos, petroquímicos e fertilizantes dos grupos Venoco e Fertinitro. Esta última onerava os derivados de amônio quatro a cinco vezes face ao valor de aquisição junto da estatal PVDSA.
Sistema de miséria
Contrastando com o combate à fome desenvolvido na Venezuela (o Brasil também foi dado como um exemplo positivo), ao nível mundial o flagelo continua a atingir quase mil milhões de seres humanos. Nunca houve tanta gente a passar fome, admite a FAO.
Embora em relação a 2009 a organização estime uma queda do total de famintos em quase 10 por cento – ao qual não está alheio o fato da produção de alimentos, este ano, poder crescer 4,2 por cento face à contração de 0,6 por cento verificada o ano passado –, para a FAO continua a ser «inaceitável» que cerca de 925 milhões de indivíduos não tenham o que comer e que a cada seis segundos uma criança morra em resultado da desnutrição.
A maioria dos desnutridos crônicos sobrevive com menos de 1 dólar por dia e habita na Ásia e no Pacífico e na África Subsaariana.
A agência das Nações Unidas falou de um «problema estrutural» no Dia Mundial da Alimentação, e, no dia seguinte, a propósito do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, a ONU divulgou números que corroboram tal afirmação.
A precariedade laboral atinge mais de metade da população ativa mundial. Neste contexto, não ganham o suficiente para se sustentarem a si e às respectivas famílias, nem dispõem de garantidas de proteção social.
De acordo com informações oficiais, desde o início da atual fase da crise capitalista, outros 64 milhões de pessoas foram lançadas na pobreza e o desemprego cresceu em mais 30 milhões. Os jovens têm sido particularmente afetados com um recorde de 81 milhões de desempregados em 2009.
Já segundo o Banco Mundial, mais de 41 por cento da população mundial vive com menos de 2 dólares por dia, mais de metade dos quais trabalham mas não obtêm um salário que lhes permita superar o limiar da pobreza.
Este texto foi publicado no Avante nº 1.925 de 21 de Outubro de 2010.
domingo, 24 de outubro de 2010
Tributo à Rosa Parks (1913-2005)
Símbolo da luta antirracista nos EUA
Em 24 de outubro de 2005 morria a costureira norte-americana Rosa Parks, considerada uma das principais responsáveis pelo movimento pela igualdade pelos direitos civis nos Estados Unidos. Em dezembro de 1955, Parks ficou famosa e ganhou o título de "mãe do movimento pelos direitos civis" ao se negar a ceder seu lugar para um passageiro branco em um ônibus em Montgomery, no Estado do Alabama. Na época, leis de segregação racial eram permitidas nos Estados Unidos. Era permitido, por exemplo, a separação entre negros e brancos em transportes e acomodações públicas ou restaurantes.
Ao recusar a ordem do passageiro branco, apesar das leis que a obrigavam a ceder sua vaga, Parks foi presa e multada, o que provocou a reação da comunidade negra local.
Durante uma entrevista em 1992, Parks tentou explicar seu ato: "Meus pés estavam doendo, e eu não sei bem a causa pela qual me recusei a levantar. Mas creio que a verdadeira razão foi que eu senti que tinha o direito de ser tratada de forma igual a qualquer outro passageiro. Nós já havíamos suportado aquele tipo de tratamento durante muito tempo".
Sua prisão provocou um boicote de 381 dias contra as companhias de ônibus locais, liderado por um então desconhecido pastor, o Reverendo Martin Luther King, que nos anos seguintes liderou o movimento pela igualdade de direitos civis.
O boicote, que ocorreu um ano depois do fim da segregação racial em escolas, marcou o início do movimento pela igualdade dos direitos civis, e que atingiu o auge em 1964, com a Lei Federal dos Direitos Civis, que baniu discriminação racial em todos os estabelecimentos públicos.
Em 1965, os 500 participantes de uma marcha pacífica rumo a Montgomery foram bombardeados com gás lacrimogêneo e depois violentamente espancados pela polícia.
Três semanas depois, Luther King conseguiu juntar 25 mil pessoas em uma nova marcha rumo à capital do Estado, pedindo o direito ao voto. Quatro meses depois, o presidente Lyndon Johnson assinou uma lei garantindo que os negros não fossem impedidos de se inscrever nas listas eleitorais.
Ao recusar a ordem do passageiro branco, apesar das leis que a obrigavam a ceder sua vaga, Parks foi presa e multada, o que provocou a reação da comunidade negra local.
Durante uma entrevista em 1992, Parks tentou explicar seu ato: "Meus pés estavam doendo, e eu não sei bem a causa pela qual me recusei a levantar. Mas creio que a verdadeira razão foi que eu senti que tinha o direito de ser tratada de forma igual a qualquer outro passageiro. Nós já havíamos suportado aquele tipo de tratamento durante muito tempo".
Sua prisão provocou um boicote de 381 dias contra as companhias de ônibus locais, liderado por um então desconhecido pastor, o Reverendo Martin Luther King, que nos anos seguintes liderou o movimento pela igualdade de direitos civis.
O boicote, que ocorreu um ano depois do fim da segregação racial em escolas, marcou o início do movimento pela igualdade dos direitos civis, e que atingiu o auge em 1964, com a Lei Federal dos Direitos Civis, que baniu discriminação racial em todos os estabelecimentos públicos.
Em 1965, os 500 participantes de uma marcha pacífica rumo a Montgomery foram bombardeados com gás lacrimogêneo e depois violentamente espancados pela polícia.
Três semanas depois, Luther King conseguiu juntar 25 mil pessoas em uma nova marcha rumo à capital do Estado, pedindo o direito ao voto. Quatro meses depois, o presidente Lyndon Johnson assinou uma lei garantindo que os negros não fossem impedidos de se inscrever nas listas eleitorais.
sábado, 23 de outubro de 2010
Mensagem de Fidel contra a Guerra Nuclear
http://www.cubadebate.cu/fidel-castro-ruz/2010/10/21/mensaje-comandante-jefe-fidel-castro-contra-guerra-nuclear/
Mensagem do Comandante-em-Chefe Fidel Castro Ruz contra a Guerra Nuclear
O uso das armas nucleares em uma nova guerra implicaria o fim da humanidade. Assim foi previsto pelo cientista Albert Einstein, que foi capaz de medir sua capacidade destruidora de gerar milhões de graus de calor que tudo o volatiliza em um amplo rádio de ação. O genial investigador foi impulsionador do desenvolvimento desta arma antes que o regime nazi de genocídio dispusesse dela.
Qualquer governo do mundo está obrigado a respeitar o direito à vida de qualquer nação e do conjunto de todos os povos do planeta.
Hoje existe um risco iminente de guerra com o emprego deste tipo de armas e não albergo a menor dúvida de que um ataque dos Estados Unidos e Israel contra a República Islâmica do Irão, tornar-se-ia, inevitavelmente, em um conflito nuclear global.
Os povos estão no dever de exigir aos líderes políticos seu direito a viver. Quando a vida de sua espécie, de seu povo e dos seus seres mais queridos correm semelhante risco, ninguém pode dar-se ao luxo de ser indiferente, nem se pode perder um minuto em exigir o respeito por esse direito; amanhã seria tarde demais.
O próprio Albert Einstein afirmou textualmente: “Sei lá quais serão as armas que se utilizarão na Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta Guerra Mundial usarão paus e pedras”. Sabemos o que quis expressar, e tinha toda a razão, só que já não existiriam os que manejem os paus e as pedras.
Haveria prejuízos colaterais, como afirmam sempre os líderes políticos e militares norte-americanos, para justificar a morte de pessoas inocentes.
Em uma guerra nuclear o prejuízo colateral seria a vida da humanidade.
Tenhamos o valor de proclamar que todas as armas nucleares ou convencionais, tudo o que sirva para fazer guerra, devem desaparecer!
Fidel Castro Ruz
15 de outubro de 2010
O uso das armas nucleares em uma nova guerra implicaria o fim da humanidade. Assim foi previsto pelo cientista Albert Einstein, que foi capaz de medir sua capacidade destruidora de gerar milhões de graus de calor que tudo o volatiliza em um amplo rádio de ação. O genial investigador foi impulsionador do desenvolvimento desta arma antes que o regime nazi de genocídio dispusesse dela.
Qualquer governo do mundo está obrigado a respeitar o direito à vida de qualquer nação e do conjunto de todos os povos do planeta.
Hoje existe um risco iminente de guerra com o emprego deste tipo de armas e não albergo a menor dúvida de que um ataque dos Estados Unidos e Israel contra a República Islâmica do Irão, tornar-se-ia, inevitavelmente, em um conflito nuclear global.
Os povos estão no dever de exigir aos líderes políticos seu direito a viver. Quando a vida de sua espécie, de seu povo e dos seus seres mais queridos correm semelhante risco, ninguém pode dar-se ao luxo de ser indiferente, nem se pode perder um minuto em exigir o respeito por esse direito; amanhã seria tarde demais.
O próprio Albert Einstein afirmou textualmente: “Sei lá quais serão as armas que se utilizarão na Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta Guerra Mundial usarão paus e pedras”. Sabemos o que quis expressar, e tinha toda a razão, só que já não existiriam os que manejem os paus e as pedras.
Haveria prejuízos colaterais, como afirmam sempre os líderes políticos e militares norte-americanos, para justificar a morte de pessoas inocentes.
Em uma guerra nuclear o prejuízo colateral seria a vida da humanidade.
Tenhamos o valor de proclamar que todas as armas nucleares ou convencionais, tudo o que sirva para fazer guerra, devem desaparecer!
Fidel Castro Ruz
15 de outubro de 2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Palestra sobre a Coluna Prestes na UERJ
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Primavera dos Livros do Rio de Janeiro
Primavera dos Livros homenageia o Rio de Janeiro em sua 10ª edição
Evento acontece entre 21 e 24 de outubro, no Museu da República, com cerca de 90 editoras e 10 mil títulos à disposição do público
Entre 21 e 24 de outubro, o Museu da República será cenário da 10ª Primavera dos Livros, o maior encontro de editoras independentes do país. O evento, que acontece pela quarta vez consecutiva nos jardins do Palácio do Catete, terá como tema principal o Rio de Janeiro, em um momento em que olhares do mundo inteiro estão voltados para a cidade.
Promovida pela Libre (Liga Brasileira de Editoras), a Primavera dos Livros busca fomentar a troca de ideias e contribuir para o fortalecimento da cultura nacional. Ao todo, serão cerca de 90 editoras independentes participantes e um catálogo de 10 mil títulos à disposição do público. A expectativa da organização é que 30 mil pessoas circulem pelos jardins do Palácio do Catete nos quatro dias de evento. Além de oferecer descontos de até 40% sobre o preço de capa, a Primavera dos Livros contará com a presença dos editores nos estandes, possibilitando uma maior integração com o público.
"A Primavera dos Livros oferecerá aos seus visitantes um encontro de encantamento com o universo do livro. Serão quatro dias dedicados ao prazer de ler, ouvir, contar e declamar", afirma Cristina Warth, presidente da Libre, organizadora do evento.
Com curadoria de Suzana Vargas, o tradicional fórum de debates da Primavera dos Livros contará com oito mesas-redondas e palestras que vão apresentar uma série de temas ligados ao Rio de Janeiro, como urbanismo, arquitetura, literatura, música, violência urbana e economia. Entre os palestrantes confirmados estão o economista Sergio Besserman, o escritor Ferreira Gullar (que será homenageado e lançará um livro pela Casa da Palavra), o teólogo Leonardo Boff, o sociólogo Michel Misse e o jornalista Sergio Cabral.
Na abertura da Primavera dos Livros, quinta-feira, dia 21, às 18h30m, a OrquestráRio, composta por 37 músicos oriundos de várias orquestras da cidade, fará uma apresentação pública nos jardins do Museu. Quem perder terá outra chance de ver o concerto, sábado, dia 23, na hora do almoço.
Na sexta-feira, dia 22, o dia será dedicado aos professores. Um seminário discutirá a importância da leitura na aprendizagem escolar, com as participações do historiador Chico Alencar, da escritora Ninfa Parreiras, do escritor Joel Rufino e do jornalista e escritor Galeno Amorim, entre outros. Além de receberem certificado pela participação no seminário, os professores terão 50% de desconto na compra dos livros. As inscrições para o seminário poderão ser feitas no site da Libre (http://www.libre.org.br/professor.asp).
Também na sexta, entre 11h e 13h, a Libre promoverá um seminário sobre Livro Digital para profissionais do livro e estudantes da área. No programa, um panorama do mercado, com Carlo Carrenho, editor da Publishnews, Alonso Alvarez, editor da Ficções Editora e webmaster no site da Libre, e com Eduardo Ernany, representante da livraria virtual Gato Sabito e da plataforma de distribuição de e-books (Xeriph). Além disso, Georgina Stanek, coordenadora do Livro e da Leitura da Biblioteca Nacional, vai apresentar o programa de apoio à tradução da instituição.
No sábado, 23, as crianças terão uma tarde especial na Primavera. Das 16h às 17h, haverá oficinas e contação de histórias com o escritor Solano Gudes, autor de "A história dos três pontinhos", da editora Vieira & Lent. Às 20h, acontece o 4º Festival de Poesia da Primavera, com a participação de poetas de todas as editoras da Libre, entre eles Chacal, Geraldo Carneiro, Tavinho Paes, Mano Melo e Henrique Rodrigues. Haverá também performances com apresentações do Organismo, grupo que interpreta e canta poemas sem instrumentos, e do grupo do espetáculo Amor Bardo que canta e recita sonetos de Shakespeare a partir da tradução de 154 Sonetos (livro editado em 2009 pela Ibis Libris).
Ficha técnica
Patrocínio: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional e Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura do Rio
Apoio: Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Museu da República, Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura do Rio, Rádio Roquete Pinto
Produção e Impressão: Imprensa Oficial de SP
Produção: Vertigo Produção Cultural
Realização: Libre (Liga Brasileira de Editoras)
Serviço
Primavera dos Livros
Dia 21 de outubro (quinta-feira), das 18h30m às 22h.
De 22 a 24 de outubro (sexta a domingo), das 10h às 22h.
Museu da República - Rua do Catete 153, em frente à estação Catete do Metrô
Entrada franca
Informações: http://www.libre.org.br/
Evento acontece entre 21 e 24 de outubro, no Museu da República, com cerca de 90 editoras e 10 mil títulos à disposição do público
Entre 21 e 24 de outubro, o Museu da República será cenário da 10ª Primavera dos Livros, o maior encontro de editoras independentes do país. O evento, que acontece pela quarta vez consecutiva nos jardins do Palácio do Catete, terá como tema principal o Rio de Janeiro, em um momento em que olhares do mundo inteiro estão voltados para a cidade.
Promovida pela Libre (Liga Brasileira de Editoras), a Primavera dos Livros busca fomentar a troca de ideias e contribuir para o fortalecimento da cultura nacional. Ao todo, serão cerca de 90 editoras independentes participantes e um catálogo de 10 mil títulos à disposição do público. A expectativa da organização é que 30 mil pessoas circulem pelos jardins do Palácio do Catete nos quatro dias de evento. Além de oferecer descontos de até 40% sobre o preço de capa, a Primavera dos Livros contará com a presença dos editores nos estandes, possibilitando uma maior integração com o público.
"A Primavera dos Livros oferecerá aos seus visitantes um encontro de encantamento com o universo do livro. Serão quatro dias dedicados ao prazer de ler, ouvir, contar e declamar", afirma Cristina Warth, presidente da Libre, organizadora do evento.
Com curadoria de Suzana Vargas, o tradicional fórum de debates da Primavera dos Livros contará com oito mesas-redondas e palestras que vão apresentar uma série de temas ligados ao Rio de Janeiro, como urbanismo, arquitetura, literatura, música, violência urbana e economia. Entre os palestrantes confirmados estão o economista Sergio Besserman, o escritor Ferreira Gullar (que será homenageado e lançará um livro pela Casa da Palavra), o teólogo Leonardo Boff, o sociólogo Michel Misse e o jornalista Sergio Cabral.
Na abertura da Primavera dos Livros, quinta-feira, dia 21, às 18h30m, a OrquestráRio, composta por 37 músicos oriundos de várias orquestras da cidade, fará uma apresentação pública nos jardins do Museu. Quem perder terá outra chance de ver o concerto, sábado, dia 23, na hora do almoço.
Na sexta-feira, dia 22, o dia será dedicado aos professores. Um seminário discutirá a importância da leitura na aprendizagem escolar, com as participações do historiador Chico Alencar, da escritora Ninfa Parreiras, do escritor Joel Rufino e do jornalista e escritor Galeno Amorim, entre outros. Além de receberem certificado pela participação no seminário, os professores terão 50% de desconto na compra dos livros. As inscrições para o seminário poderão ser feitas no site da Libre (http://www.libre.org.br/professor.asp).
Também na sexta, entre 11h e 13h, a Libre promoverá um seminário sobre Livro Digital para profissionais do livro e estudantes da área. No programa, um panorama do mercado, com Carlo Carrenho, editor da Publishnews, Alonso Alvarez, editor da Ficções Editora e webmaster no site da Libre, e com Eduardo Ernany, representante da livraria virtual Gato Sabito e da plataforma de distribuição de e-books (Xeriph). Além disso, Georgina Stanek, coordenadora do Livro e da Leitura da Biblioteca Nacional, vai apresentar o programa de apoio à tradução da instituição.
No sábado, 23, as crianças terão uma tarde especial na Primavera. Das 16h às 17h, haverá oficinas e contação de histórias com o escritor Solano Gudes, autor de "A história dos três pontinhos", da editora Vieira & Lent. Às 20h, acontece o 4º Festival de Poesia da Primavera, com a participação de poetas de todas as editoras da Libre, entre eles Chacal, Geraldo Carneiro, Tavinho Paes, Mano Melo e Henrique Rodrigues. Haverá também performances com apresentações do Organismo, grupo que interpreta e canta poemas sem instrumentos, e do grupo do espetáculo Amor Bardo que canta e recita sonetos de Shakespeare a partir da tradução de 154 Sonetos (livro editado em 2009 pela Ibis Libris).
Ficha técnica
Patrocínio: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional e Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura do Rio
Apoio: Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Museu da República, Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura do Rio, Rádio Roquete Pinto
Produção e Impressão: Imprensa Oficial de SP
Produção: Vertigo Produção Cultural
Realização: Libre (Liga Brasileira de Editoras)
Serviço
Primavera dos Livros
Dia 21 de outubro (quinta-feira), das 18h30m às 22h.
De 22 a 24 de outubro (sexta a domingo), das 10h às 22h.
Museu da República - Rua do Catete 153, em frente à estação Catete do Metrô
Entrada franca
Informações: http://www.libre.org.br/
domingo, 17 de outubro de 2010
Análises das situações. Correlações de forças
Antonio Gramsci (1891-1937)
Nota escrita a propósito dos estudos das situações e do que se entende por "correlações de forças". O estudo de como analisar "situações", isto é, de como estabelecer os diversos graus de correlações de forças, pode se prestar a uma exposição elementar de ciência e arte políticas, entendidas como um conjunto de regras práticas de pesquisas e observações particulares destinadas a despertar o interesse pela realidade efetiva e suscitar intuições políticas mais rigorosas e vigorosas. Deve-se acrescentar à exposição o que se entende em política por estratégia e tática, por "plano" estratégico, por propaganda e agitação, por orgânico ou ciência da organização e da administração em política. Esses elementos de observação empírica que são expostos confusamente nos tratados de ciência política (pode-se tomar como exemplo a obra de G. Mosca: Elementos de ciência política) deveriam, na medida em que não são questões abstratas ou construções sem fundamento, encontrar seu lugar nos variados graus das correlações de forças, a começar pela correlação de forças internacionais (nas quais teriam lugar as notas escritas sobre o que é uma grande potência, sobre os reagrupamentos de Estados em sistemas hegemônicos e por conseguinte sobre o conceito de independência e de soberania no que diz respeito a pequenas e médias potências) para passar às correlações objetivas sociais, isto é, aos graus de desenvolvimento das forças produtivas, às correlações de forças políticas e de partidos (sistema hegemônico no interior do Estado) e às correlações políticas imediatas (ou ainda, potencialmente militares).
As correlações internacionais precedem ou seguem (logicamente) as relações sociais fundamentais? Seguem, indubitavelmente. Qualquer inovação orgânica na estrutura modifica organicamente as correlações absolutas e relativas no campo internacional, através de suas expressões técnico-militares. Mesmo a posição geográfica de um Estado nacional não precede mas segue (logicamente) as inovações estruturais, ao mesmo tempo que reagem sobre elas numa certa medida (precisamente na medida em que as superestruturas reagem sobre as estruturas, à política sobre a economia, etc.). Por outro lado, as correlações internacionais reagem passiva e ativamente sobre as correlações políticas (de hegemonia dos partidos). Quanto mais a vida econômica imediata de uma nação é subordinada às correlações internacionais, tanto mais um determinado partido representa esta situação e a explora para impedir o avanço dos partidos adversários (recordar o famoso discurso de Nitti sobre a revolução italiana tecnicamente impossível!). Dessa série de fatos pode-se chegar à conclusão que o partido que se chama de "partido do estrangeiro"1 não é propriamente aquele que como tal vem vulgarmente indicado, mas exatamente o partido mais nacionalista, o que, mais que representar a força vital do próprio país, representa a subordinação e a subserviência econômica às nações ou a um grupo de nações hegemônicas (um aceno a este elemento internacional "repressivo" da energia interna se encontra nos artigos publicados por G. Volpe no "Corriere della Sera" de 22 e 23 de março de 1932).
[1932-1933]
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que é preciso colocar exatamente e resolver para se chegar a uma análise justa das forças que operam na história de um determinado período e determinar suas correlações. É preciso mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se coloca problemas para a solução dos quais já não existam as condições necessárias e suficientes ou que não estariam ao menos em vias de aparecimento e de desenvolvimento; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve ou pode ser substituída se antes não desenvolveu todas as formas de vida que estão implícitas nas suas relações (controlar o enunciado exato destes princípios).
"Uma formação social não perece antes de desenvolver toda a força produtiva de que ainda é capaz e de que uma nova relação de produção mais elevada não lhe tenha tomado o lugar, antes que as condições materais de existência desta última não tenham surgido no seio esgotado da velha sociedade. Por isso, a humanidade se coloca sempre apenas os problemas que está a ponto de resolver; quando se observa com mais acuidade, se verificará sempre que a questão só se coloca depois que já existam as condições materiais de sua resolução ou estas estejam em vias de surgir." (Introdução à Contribuição à crítica da economia política).
A partir da reflexão sobre esses dois cânones, pode se chegar a desenvolver toda uma série de outros princípios de metodologia histórica. Entretanto, no estudo de uma estrutura é preciso distinguir os movimentos orgânicos (relativamente permanentes) dos movimentos que se pode chamar de conjuntura2 (e se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais). Os movimentos de conjuntura certamente também são dependentes dos movimentos orgânicos, mas sua significação não tem um vasto alcance histórico: propiciam uma crítica política mesquinha, do dia a dia, que se prende aos pequenos grupos dirigentes e às personalidades imediatamente responsáveis pelo poder. Os fenômenos orgânicos dão lugar à crítica histórico-social, que se preocupa com os grandes agrupamentos, para além das pessoas imediatamente responsáveis e para além do pessoal dirigente. No curso do estudo de um período histórico, aparece a grande importância desta distinção. Às vezes, aparece uma crise que se prolonga por dezenas de anos. Essa duração excepcional significa que na estrutura se revelaram (chegaram à maturidade) contradições insanáveis e que a força política que opera positivamente a conservação e a defesa da estrutura ainda está se esforçando para saneá-las dentro de certos limites e superá-las. Estes esforços incessantes e perseverantes (pois nenhuma força social vai confessar que está superada) formam o terreno do "ocasional" sobre o qual se organizam as forças antagonistas que tendem a demonstrar (demonstração que em última análise só é "verdadeira" se faz surgir uma nova realidade, quando as forças antagonistas triunfam, mais imediatamente se desenvolve uma série de polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas etc., cuja concretude pode ser avaliada pela maneira como conseguem convencer e pela maneira como deslocam o antigo dispositivo de forças sociais) que já existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas possam e devam estar então em vias de serem resolvidas historicamente (devam, porque ficar aquém do dever histórico aumenta a desordem necessária e prepara catástrofes mais grave).
O erro em que se cai constantemente nas análises histórico-políticas consiste em não saber encontrar a justa relação entre o que é orgânico e o que é ocasional. Arrisca-se assim a expor como imediatamente operantes causas que, ao contrário, são operantes de uma maneira mediata, ou a afirmar que as causas imediatas são as únicas causas eficientes; num caso há excesso de "economismo" ou doutrinarismo pedante, noutro excesso de "ideologismo"; num caso se superestrima a causa mecânica, no outro se exalta o elemento voluntarista e individual. (A distinção entre "movimentos" e fatos orgânicos e movimentos e fatos de "conjuntura" ou ocasionais deve ser aplicada a todos os tipos de situações, não só àquelas em que se verifica um desenvolvimento regressivo ou de crise aguda, mas àquelas em que se verifica um desenvolvimento progressivo ou de prosperidade e àquelas em que se verifica uma estagnação da força produtiva.) O nexo dialético entre as duas ordens de movimentos e, por conseguinte, de pesquisas dificilmente pode ser estabelecido com exatidão, e, se o erro é grave em historiografia, ainda mais grave será na arte política, quando se trata não de reconstruir a história passada, mas de construir a do presente e futuro: os próprios desejos e as paixões deterioradas e imediatas são a causa do erro, na medida em que substituem a análise objetiva e imparcial e em que os veem não como "meio" concebido para estimular a ação, mas como auto-engano. A serpente , neste caso, morde o charlatão, ou seja, o demagogo é a primeira vítima da sua demagogia.
O não haver considerado o momento imediato das "correlações de forças" está ligado aos resíduos da concepção liberal vulgar, da qual o sindicalismo é uma manifestação que acreditava ir mais à frente quando na realidade dava um passo atrás. De fato, a concepção liberal vulgar dando importância à correlação das forças políticas organizadas nas diversas formas de partido (leitores de jornais, eleições parlamentáres e locais, organizações de massas dos partidos e dos sindicatos em senso estrito) era mais avançada do que o sindicalismo que dava importância primordial à correlação fundamental econômico-social e só a ela. A concepção liberal vulgar também levava em conta implicitamente tal correlação (como aparece em tantos sinais), mas insistia mais sobre a correlação da força política que era uma expressão do outro e, na realidade, o continha. Este resíduo da concepção liberal vulgar pode ser rastreado em toda uma série de tratativas que se consideravam relacionadas à filosofia da práxis e que logo deram lugar a formas infantis de otimismo e de loucura.
Esses critérios metodológicos podem alcançar visível e didaticamente todo o seu significado quando aplicados ao exame dos fatos históricos concretos. Poder-se-ia fazê-lo utilmente com os acontecimentos que se desenrolaram na França de 1789 a 1870. Parece-me que para uma maior clareza de exposição seja verdadeiramente necessário abarcar todo esse período. Com efeito, foi só em 1870-1871, com a tentativa da Comuna, que se exaurem historicamente todos os germes nascidos em 1789, vale dizer, que não só a nova classe que luta pelo poder esmaga os representantes da velha sociedade que não quer se confessar decisivamente superada, mas esmaga também os grupos novíssimos, que pretendem que já está superada a nova estrutura saída da sublevação iniciada em 1789, e demonstra assim sua vitalidade em confronto com o velho e em confronto com o novíssimo. De outra parte, em 1870-1871, perde eficácia o conjunto de princípios de estratégia e tática políticas nascido praticamente em 1789 e desenvolvidos ideologicamente em torno de 1848 (e que se resume na fórmula da "revolução permanente": seria interessante estudar quando tal fórmula fica ultrapassada na estratégia mazziniana - por exemplo na insurreição de Milão de 18533 - e se isso se produziu conscientemente ou não).
Um elemento que mostra a justeza desse ponto de vista é o fato de que os historiadores não estão em absoluto de acordo (e é impossível que o estejam) quando se trata de fixar os limites a esse conjunto de acontecimentos que constituem a Revolução Francesa. Para alguns (por exemplo, Salvemini), a Revolução está completa em Valmy: a França criou um novo Estado e soube organizar a força político-militar que afirma e defende a soberania territorial. Para outros, a Revolução continua até o Termidor, assim falam de mais revoluções (o 10 de agosto seria uma revolução em si, etc.; cf. A Revolução Francesa de A. Mathiez na coleção A. Collin). O modo de interpretar o Termidor e a obra de Napoleão oferece as mais ásperas contradições: trata-se de revolução ou de contra-revolução? etc. Para outros ainda, a história da Revolução continua em 1830, 1848, 1870 e persiste até a guerra mundial de 1914.
Em todos esses modos de ver há uma parte de verdade. Na realidade, as contradições internas da estrutura social francesa que se desenvolve desde 1789 só encontra sua composição relativa com a Terceira República, e a França tem 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas sempre mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870. É justamente o estudo dessas "ondas" com diferentes oscilações que permite reconstruir a correlação entre estrutura e superestrutura de uma parte à outra entre o desenvolvimento do movimento orgânico e o do movimento de conjuntura da estrutura. Em todo caso, pode-se dizer que a mediação dialética entre os dois princípios metodológicos enunciados no início dessa nota pode ser encontrado na fórmula político-histórica de revolução permanente.
Um aspecto desse mesmo problema é a dita questão das correlações de forças. Seguidamente se lê nas narrativas históricas a expressão genérica: correlações de forças favoráveis, desfavoráveis a esta ou àquela tendência. Assim, abstratamente, essa formulação não explica nada ou quase nada, porque não se faz que repetir o fato que se deve explicar, apresentando-o uma vez como fato e outra como lei abstrata e como explicação. O erro histórico consiste então em dar uma regra de pesquisa e de interpretação como "causa histórica".
No entanto, nas "correlações de forças" é preciso distinguir diversos momentos ou graus, que são fundamentalmente estes:
1) Uma correlação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mesurada com os sistemas das ciências exatas ou físicas. Sobre a base do grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, se dão os reagrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma posição dada na própria produção. Essa correlação é a que é, uma realidade rebelde: ninguém pode modificar o número de empresas e de seus funcionários, o número de cidades e da população urbana, etc. Essa disposição fundamental permite estudar se na sociedade existem as condições necessárias e suficientes para sua transformação, permite assim controlar o grau de realismo e de oportunidade das diversas ideologias que nasceram sobre esse mesmo terreno, no terreno das contradições que foram geradas durante o seu desenvolvimento.
2) Um momento seguinte é a correlação de forças políticas, quer dizer, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconfiança e de organização atingido pelos diferentes grupos sociais. Esse momento, por sua vez, pode ser analisado e distinguido em diferentes e vários graus, que correspondem aos diferentes momentos da consciência política coletiva, tal como se manifestaram até agora na história. O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo: um comerciante sente que deve ser solidário com outro comerciante, um fabricante com outro fabricante, etc., mas o comerciante não se sente ainda solidário como o fabricante; sente-se aí a unidade homogênea, e o dever de organizá-la, do grupo profissional, mas ainda não do grupo social mais vasto. Um segundo momento é o que alcança a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Nesse momento já se coloca a questão do Estado, mas só no terreno de alcançar uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, pois se reivindica o direito de participar na legislação e na administração, e nas oportunidades de modificá-los, de reformá-los, mas no quadro fundamental existente. Um terceiro momento é aquele em que se alcança a consciência de que os próprios interesses corporativos, no seu desenvolvimento atual e futuro, ultrapassam os limites da corporação, do grupo meramente econômico, e podem e devem vir a ser os interesses de outros grupos subordinados. Essa é a fase mais francamente política, que marca a passagem da estrutura às superestruturas complexas, é a fase na qual as ideologias que anteriormente germinaram tornam-se "partidos", se confrontam e entram em luta até que um só deles, ou ao menos uma só combinação deles, tenda a prevalecer, a se impor, a se difundir sobre toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, colocando todas as questões em torno dos quais se intensifica a luta não sobre o plano corporativo, mas sobre um plano "universal", e criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo, mas esse desenvolvimento e essa expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de toda a energia "nacional", quer dizer, o grupo dominante vem coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal vem concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e dos grupos subordinados, equilíbrios nos quais os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até certo ponto, não até o estreito interesse econômico-corporativo. Na história real, esses momentos se implicam reciprocamente, pode se dizer horizontal e verticalmente, isto é, segundo a atividade econômico-social (horizontalmente) e segundo o território (verticalmente), combinando-se e cindindo-se de forma variada: cada uma dessas combinações pode ser representada por sua própria expressão organizada econômica e política. Deve-se levar em conta ainda que as relações internas de um Estado-nação se entrelaçam com as relações internacionais, criando novas combinações originais e historicamente concretas. Uma ideologia nascida num país mais desenvolvido se difunde em países menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações. (A religião, por exemplo, sempre foi de tais combinações ideológico-políticas nacionais e internacionais, e como a religião outras formações internacionais, a maçonaria, o Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carreira, que sugerem experiências políticas de origens históricas diferentes e as fazem triunfar em determinados países, funcionando como partido político internacional que opera em cada nação com toda a sua força internacional concentrada; mas religião, maçonaria, Rotary, judeus etc. podem reentrar na categoria social dos "intelectuais", cuja função, em escala internacional, é a de mediar os extremos, de "socializar" os expedientes técnicos que fazem funcionar cada atividade de direção, de selar compromissos e achar os meios de escapar das soluções extremas.) Essa correlação entre forças internacionais e forças nacionais complica-se ainda pela existência no interior de cada Estado de várias seções territoriais de estruras diferentes e de diferentes correlações de forças em todos os graus (assim a Vandea estava aliada com a força internacional reacionária e a representava no seio da unidade territorial francesa; assim Lion na Revolução Francesa apresentava um núcleo particular de relações, etc.).
3) O terceiro momento é o da correlação de forças militares, imediatamente decisivo segundo a ocasião. (O desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo.) Mas tampouco isso é qualquer coisa instintiva e identificável imediatamente de forma esquemática; pode-se ainda aí distinguir dois graus: o militar em sentido estrito ou técnico-militar e o grau que se pode chamar de político-militar. No desenvolvimento da história esses dois graus se apresentaram numa grande variedade de combinações. Um exemplo típico que pode servir como demonstração-limite é o da relação de opressão militar de um Estado sobre uma nação que está tentando alcançar a sua independência estatal. A correlação não é puramente militar, mas político-militar, e de fato tal tipo de opressão seria impensável sem o estado de desagregação social do povo oprimido e a passividade de sua maioria; portanto, a independência não poderá ser alcançada com forças puramente militares, mas militares e político-militares. Se a nação oprimida, de fato, para iniciar a luta pela independência devesse esperar que o estado hegemônico lhe permita organizar um exército próprio, no sentido estrito e técnico da palavra, teria de esperar por um bom tempo (pode acontecer de a reivindicação de ter um exército próprio seja satisfeita pela nação hegemônica, mas isso significa que uma grande parte da luta já foi travada e ganha no terreno político-militar). A nação oprimida oporá então inicialmente à força militar hegemônica uma força que é só "político-militar", isto é, oporá uma forma de ação política que tem a virtude de reflexos de caráter militar no sentido: 1) que seja eficaz para desagregar intimamente a eficiência bélica da nação hegemônica; 2) que constranja a força militar hegemônica a se diluir num grande território, anulando-lhe grande parte da eficiência bélica. No Renascimento Italiano, se pode notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar, especialmente no Partido de Ação (por incapacidade congênita), mas também no partido piamontês-moderado, antes e depois de 1848, não certamente por incapacidade, mas por "maltusianismo econômico-político", isto é, porque nunca se quis acenar à possibilidade de uma reforma agrária e porque não se queria a convocação de uma assembleia nacional constituinte, mas se tentava apenas que a monarquia piamontesa, sem condições ou limitações de origem popular, se estendesse a toda a Itália, com a pura sanção dos plebicitos regionais.
Outra questão conexa à precedente é a de ver se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente pelas crises econômicas. A resposta à questão está contida implicitamente nos parágrafos precedentes, que são um outro modo de apresentar o que se trata agora, embora seja sempre necessário, por razões didáticas, dado o público particular, examinar cada modo de se apresentar uma mesma questão como se fosse um problema independente e novo. Se pode excluir que, por si mesma, a crise econômica imediata produza eventos fundamentais; só pode criar um terreno mais favorável à difusão de certos modos de pensar, de definir e resolver as questões que envolvem todo o ulterior desenvolvimento da vida estatal. De resto, todas as afirmações que concernem os períodos de crise ou de prosperidade podem dar lugar a juízos unilaterais. No seu compêndio de história da Revolução Francesa (ed. Colin), Mathiez, opondo-se à história vulgar tradicional, que aprioristicamente "encontra" uma crise em coincidência com as grandes rupturas dos equilíbrios sociais, afirma que por volta de 1789 a situação econômica era mais que tudo boa imediatamente, pelo qual não se pode dizer que a catástrofe do Estado absoluto fosse devido a uma crise de empobrecimento (cf. a afirmação exata de Mathiez). Deve-se observar que o Estado era presa de uma mortal crise financeira e se colocava a questão de sobre qual das três ordens sociais privilegiadas deveria recair o sacrifício e o peso para recolocar em ordem as finanças estatais e reais. Dito de outro modo: se a posição econômica da burguesia era florescente, certamente não era boa a situação das classes populares da cidade e do campo, especialmente destas, atormentadas pela miséria endêmica. Em cada caso, a ruptura do equilíbrio de forças não ocorreu por causa mecânica imediata de empobrecimento do grupo social que tinha interesse em romper o equilíbrio e de fato o rompeu, mas ocorreu no quadro dos conflitos superiores ao mundo econômico imediato, relacionados ao "prestígio" das classes (interesses econômicos futuros), uma exasperação do sentimento de independência, de autonomia e de poder. A questão particular do mal-estar ou do bem-estar econômico como causa das novas realidades históricas é um aspecto parcial da questão das correlações de forças nos seus vários graus. Podem-se produzir novidades seja porque uma situação de bem-estar está ameaçada pelo egoísmo mesquinho do grupo adversário, como porque o mal-estar tornou-se intolerável e não se vê na velha sociedade nenhuma força que seja capaz de mitigá-lo e de restabelecer uma normalidade por meios legais. Pode-se dizer, portanto, que todos esses elementos são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das correlações sociais de forças, em cujo terreno se faz delas as correlações políticas de forças para culminar na correlação militar decisiva. Se falta esse processo de desenvolvimento de um momento em outro, e esse é essencialmente um processo que tem por atores os homens, e a vontade e a capacidade dos homens, a situação fica inoperante e podem ocorrer conclusões contraditórias: a velha sociedade resiste e se dá o tempo de "respirar", exterminando fisicamente a elite adversária e aterrorizando as massas de reserva, ou ainda a destruição recíproca das forças em conflito, com a instauração da paz dos cemitérios, sob a guarda de um sentinela estrangeiro.
Mas a observação mais importante a fazer a propósito de toda análise concreta das correlações de forças é esta: que tais análises não podem e não devem ser um fim em si mesmas (a menos que não se escreva senão um capítulo de história do passado), mas que só adquire um significado se serve para justificar uma atividade prática, uma iniciativa da vontade. Elas mostram quais são os pontos de menor resistência, sobre os quais a força da vontade pode ser aplicada com maior proveito, sugerindo as operações táticas imediatas, indicando como se pode lançar melhor uma campanha de agitação política, que linguagem será melhor compreendida pela multidão, etc. O elemento decisivo de cada situação é a força permanentemente organizada e de longa data predisposta, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável quando essa força exista e esteja plena de ardor combativo); porque a tarefa essencial é a de cuidar sistemática e pacientemente a formar, desenvolver, tornar sempre mais homogênea, compacta, consciente essa força. Isso é visto na história militar e na preparação com que em todos os tempos estão predispostos os exércitos para iniciar uma guerra a qualquer momento. Os grandes Estados foram grandes Estados exatamente porque a cada momento estavam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis, que eram tais porque havia a possibilidade concreta deles se inserirem eficazmente nelas.
[1932-1933]
Notas:
1 Ver a subordinação do fascismo italiano à Alemanha hitlerista, apesar de sua fraseologia nacionalista, e a política de demissão nacional dos partidos franceses ditos "nacionalistas".
2 "Conjuntura. Pode-se definir a conjuntura como o conjunto de circunstâncias que determinam o mercado numa dada fase, desde que essa circunstância seja concebida em movimento, isto é, como um conjunto que sempre dá lugar a um processo de novas combinações, processo que é o ciclo econômico. Estuda-se a conjuntura para prever e, mais ainda, dentro de certos limites, determinar o ciclo econômico no sentido favorável aos negócios. Assim a conjuntura foi definida como a oscilação da situação econômica ou o conjunto das oscilações.
"Origem da expressão: serve para compreender melhor o conceito. Em italiano = flutuação econômica. Ligado aos fenômenos do pós-guerra, muito rápidos no tempo. (Em italiano, o significado de 'ocasião econômica favorável ou desfavorável' está ligado à palavra 'conjuntura'; diferença entre 'situação' e 'conjuntura'; a conjuntura apreende o complexo das características imediatas e transitórias da situação econômica, e por isso aquele conceito precisa agora entender as características mais fundamentais e permanentes.da situação mesma. O estudo da conjuntura fica ligado mais estreitamente à política imediata, à 'tática' e à agitação, enquanto que a 'situação' à 'estratégia' e à propaganda, etc.)" [GRAMSCI, Antonio. Passato e presente. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 194-195]
3 Uma sublevação estoura em Milão em 6 de fevereiro de 1853 contra o regime austríaco restabelecido após o fracasso das revoluções de 1848. Animado pelos membros de sociedades secretas, notadamente mazzinianas, ela foi duramente reprimida (24 condenações à morte). O sequestro pela Áustria dos bens dos milaneses emigrados em seguida aos acontecimentos, dá lugar a uma crise diplomática entre a Áustria e o governo sardo dirigido por Cavour.
Fonte primária: GRAMSCI, Antonio. Note sul Machiavelli. Organização de Valentino Gerratana. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 49-61
Fonte secundária: GRAMSCI, Antonio. Gramsci dans le texte. Organização de François Riccie e Jean Bramant. Tradução de Jean Bramant e outros. Paris: Editions Sociales, 1975, pp. 489-504
Tradução: Sergio Granja
Revisão: Silvia Mundstock
[1932-1933]
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que é preciso colocar exatamente e resolver para se chegar a uma análise justa das forças que operam na história de um determinado período e determinar suas correlações. É preciso mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se coloca problemas para a solução dos quais já não existam as condições necessárias e suficientes ou que não estariam ao menos em vias de aparecimento e de desenvolvimento; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve ou pode ser substituída se antes não desenvolveu todas as formas de vida que estão implícitas nas suas relações (controlar o enunciado exato destes princípios).
"Uma formação social não perece antes de desenvolver toda a força produtiva de que ainda é capaz e de que uma nova relação de produção mais elevada não lhe tenha tomado o lugar, antes que as condições materais de existência desta última não tenham surgido no seio esgotado da velha sociedade. Por isso, a humanidade se coloca sempre apenas os problemas que está a ponto de resolver; quando se observa com mais acuidade, se verificará sempre que a questão só se coloca depois que já existam as condições materiais de sua resolução ou estas estejam em vias de surgir." (Introdução à Contribuição à crítica da economia política).
A partir da reflexão sobre esses dois cânones, pode se chegar a desenvolver toda uma série de outros princípios de metodologia histórica. Entretanto, no estudo de uma estrutura é preciso distinguir os movimentos orgânicos (relativamente permanentes) dos movimentos que se pode chamar de conjuntura2 (e se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais). Os movimentos de conjuntura certamente também são dependentes dos movimentos orgânicos, mas sua significação não tem um vasto alcance histórico: propiciam uma crítica política mesquinha, do dia a dia, que se prende aos pequenos grupos dirigentes e às personalidades imediatamente responsáveis pelo poder. Os fenômenos orgânicos dão lugar à crítica histórico-social, que se preocupa com os grandes agrupamentos, para além das pessoas imediatamente responsáveis e para além do pessoal dirigente. No curso do estudo de um período histórico, aparece a grande importância desta distinção. Às vezes, aparece uma crise que se prolonga por dezenas de anos. Essa duração excepcional significa que na estrutura se revelaram (chegaram à maturidade) contradições insanáveis e que a força política que opera positivamente a conservação e a defesa da estrutura ainda está se esforçando para saneá-las dentro de certos limites e superá-las. Estes esforços incessantes e perseverantes (pois nenhuma força social vai confessar que está superada) formam o terreno do "ocasional" sobre o qual se organizam as forças antagonistas que tendem a demonstrar (demonstração que em última análise só é "verdadeira" se faz surgir uma nova realidade, quando as forças antagonistas triunfam, mais imediatamente se desenvolve uma série de polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas etc., cuja concretude pode ser avaliada pela maneira como conseguem convencer e pela maneira como deslocam o antigo dispositivo de forças sociais) que já existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas possam e devam estar então em vias de serem resolvidas historicamente (devam, porque ficar aquém do dever histórico aumenta a desordem necessária e prepara catástrofes mais grave).
O erro em que se cai constantemente nas análises histórico-políticas consiste em não saber encontrar a justa relação entre o que é orgânico e o que é ocasional. Arrisca-se assim a expor como imediatamente operantes causas que, ao contrário, são operantes de uma maneira mediata, ou a afirmar que as causas imediatas são as únicas causas eficientes; num caso há excesso de "economismo" ou doutrinarismo pedante, noutro excesso de "ideologismo"; num caso se superestrima a causa mecânica, no outro se exalta o elemento voluntarista e individual. (A distinção entre "movimentos" e fatos orgânicos e movimentos e fatos de "conjuntura" ou ocasionais deve ser aplicada a todos os tipos de situações, não só àquelas em que se verifica um desenvolvimento regressivo ou de crise aguda, mas àquelas em que se verifica um desenvolvimento progressivo ou de prosperidade e àquelas em que se verifica uma estagnação da força produtiva.) O nexo dialético entre as duas ordens de movimentos e, por conseguinte, de pesquisas dificilmente pode ser estabelecido com exatidão, e, se o erro é grave em historiografia, ainda mais grave será na arte política, quando se trata não de reconstruir a história passada, mas de construir a do presente e futuro: os próprios desejos e as paixões deterioradas e imediatas são a causa do erro, na medida em que substituem a análise objetiva e imparcial e em que os veem não como "meio" concebido para estimular a ação, mas como auto-engano. A serpente , neste caso, morde o charlatão, ou seja, o demagogo é a primeira vítima da sua demagogia.
O não haver considerado o momento imediato das "correlações de forças" está ligado aos resíduos da concepção liberal vulgar, da qual o sindicalismo é uma manifestação que acreditava ir mais à frente quando na realidade dava um passo atrás. De fato, a concepção liberal vulgar dando importância à correlação das forças políticas organizadas nas diversas formas de partido (leitores de jornais, eleições parlamentáres e locais, organizações de massas dos partidos e dos sindicatos em senso estrito) era mais avançada do que o sindicalismo que dava importância primordial à correlação fundamental econômico-social e só a ela. A concepção liberal vulgar também levava em conta implicitamente tal correlação (como aparece em tantos sinais), mas insistia mais sobre a correlação da força política que era uma expressão do outro e, na realidade, o continha. Este resíduo da concepção liberal vulgar pode ser rastreado em toda uma série de tratativas que se consideravam relacionadas à filosofia da práxis e que logo deram lugar a formas infantis de otimismo e de loucura.
Esses critérios metodológicos podem alcançar visível e didaticamente todo o seu significado quando aplicados ao exame dos fatos históricos concretos. Poder-se-ia fazê-lo utilmente com os acontecimentos que se desenrolaram na França de 1789 a 1870. Parece-me que para uma maior clareza de exposição seja verdadeiramente necessário abarcar todo esse período. Com efeito, foi só em 1870-1871, com a tentativa da Comuna, que se exaurem historicamente todos os germes nascidos em 1789, vale dizer, que não só a nova classe que luta pelo poder esmaga os representantes da velha sociedade que não quer se confessar decisivamente superada, mas esmaga também os grupos novíssimos, que pretendem que já está superada a nova estrutura saída da sublevação iniciada em 1789, e demonstra assim sua vitalidade em confronto com o velho e em confronto com o novíssimo. De outra parte, em 1870-1871, perde eficácia o conjunto de princípios de estratégia e tática políticas nascido praticamente em 1789 e desenvolvidos ideologicamente em torno de 1848 (e que se resume na fórmula da "revolução permanente": seria interessante estudar quando tal fórmula fica ultrapassada na estratégia mazziniana - por exemplo na insurreição de Milão de 18533 - e se isso se produziu conscientemente ou não).
Um elemento que mostra a justeza desse ponto de vista é o fato de que os historiadores não estão em absoluto de acordo (e é impossível que o estejam) quando se trata de fixar os limites a esse conjunto de acontecimentos que constituem a Revolução Francesa. Para alguns (por exemplo, Salvemini), a Revolução está completa em Valmy: a França criou um novo Estado e soube organizar a força político-militar que afirma e defende a soberania territorial. Para outros, a Revolução continua até o Termidor, assim falam de mais revoluções (o 10 de agosto seria uma revolução em si, etc.; cf. A Revolução Francesa de A. Mathiez na coleção A. Collin). O modo de interpretar o Termidor e a obra de Napoleão oferece as mais ásperas contradições: trata-se de revolução ou de contra-revolução? etc. Para outros ainda, a história da Revolução continua em 1830, 1848, 1870 e persiste até a guerra mundial de 1914.
Em todos esses modos de ver há uma parte de verdade. Na realidade, as contradições internas da estrutura social francesa que se desenvolve desde 1789 só encontra sua composição relativa com a Terceira República, e a França tem 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas sempre mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870. É justamente o estudo dessas "ondas" com diferentes oscilações que permite reconstruir a correlação entre estrutura e superestrutura de uma parte à outra entre o desenvolvimento do movimento orgânico e o do movimento de conjuntura da estrutura. Em todo caso, pode-se dizer que a mediação dialética entre os dois princípios metodológicos enunciados no início dessa nota pode ser encontrado na fórmula político-histórica de revolução permanente.
Um aspecto desse mesmo problema é a dita questão das correlações de forças. Seguidamente se lê nas narrativas históricas a expressão genérica: correlações de forças favoráveis, desfavoráveis a esta ou àquela tendência. Assim, abstratamente, essa formulação não explica nada ou quase nada, porque não se faz que repetir o fato que se deve explicar, apresentando-o uma vez como fato e outra como lei abstrata e como explicação. O erro histórico consiste então em dar uma regra de pesquisa e de interpretação como "causa histórica".
No entanto, nas "correlações de forças" é preciso distinguir diversos momentos ou graus, que são fundamentalmente estes:
1) Uma correlação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mesurada com os sistemas das ciências exatas ou físicas. Sobre a base do grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, se dão os reagrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma posição dada na própria produção. Essa correlação é a que é, uma realidade rebelde: ninguém pode modificar o número de empresas e de seus funcionários, o número de cidades e da população urbana, etc. Essa disposição fundamental permite estudar se na sociedade existem as condições necessárias e suficientes para sua transformação, permite assim controlar o grau de realismo e de oportunidade das diversas ideologias que nasceram sobre esse mesmo terreno, no terreno das contradições que foram geradas durante o seu desenvolvimento.
2) Um momento seguinte é a correlação de forças políticas, quer dizer, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconfiança e de organização atingido pelos diferentes grupos sociais. Esse momento, por sua vez, pode ser analisado e distinguido em diferentes e vários graus, que correspondem aos diferentes momentos da consciência política coletiva, tal como se manifestaram até agora na história. O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo: um comerciante sente que deve ser solidário com outro comerciante, um fabricante com outro fabricante, etc., mas o comerciante não se sente ainda solidário como o fabricante; sente-se aí a unidade homogênea, e o dever de organizá-la, do grupo profissional, mas ainda não do grupo social mais vasto. Um segundo momento é o que alcança a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Nesse momento já se coloca a questão do Estado, mas só no terreno de alcançar uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, pois se reivindica o direito de participar na legislação e na administração, e nas oportunidades de modificá-los, de reformá-los, mas no quadro fundamental existente. Um terceiro momento é aquele em que se alcança a consciência de que os próprios interesses corporativos, no seu desenvolvimento atual e futuro, ultrapassam os limites da corporação, do grupo meramente econômico, e podem e devem vir a ser os interesses de outros grupos subordinados. Essa é a fase mais francamente política, que marca a passagem da estrutura às superestruturas complexas, é a fase na qual as ideologias que anteriormente germinaram tornam-se "partidos", se confrontam e entram em luta até que um só deles, ou ao menos uma só combinação deles, tenda a prevalecer, a se impor, a se difundir sobre toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, colocando todas as questões em torno dos quais se intensifica a luta não sobre o plano corporativo, mas sobre um plano "universal", e criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo, mas esse desenvolvimento e essa expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de toda a energia "nacional", quer dizer, o grupo dominante vem coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal vem concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e dos grupos subordinados, equilíbrios nos quais os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até certo ponto, não até o estreito interesse econômico-corporativo. Na história real, esses momentos se implicam reciprocamente, pode se dizer horizontal e verticalmente, isto é, segundo a atividade econômico-social (horizontalmente) e segundo o território (verticalmente), combinando-se e cindindo-se de forma variada: cada uma dessas combinações pode ser representada por sua própria expressão organizada econômica e política. Deve-se levar em conta ainda que as relações internas de um Estado-nação se entrelaçam com as relações internacionais, criando novas combinações originais e historicamente concretas. Uma ideologia nascida num país mais desenvolvido se difunde em países menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações. (A religião, por exemplo, sempre foi de tais combinações ideológico-políticas nacionais e internacionais, e como a religião outras formações internacionais, a maçonaria, o Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carreira, que sugerem experiências políticas de origens históricas diferentes e as fazem triunfar em determinados países, funcionando como partido político internacional que opera em cada nação com toda a sua força internacional concentrada; mas religião, maçonaria, Rotary, judeus etc. podem reentrar na categoria social dos "intelectuais", cuja função, em escala internacional, é a de mediar os extremos, de "socializar" os expedientes técnicos que fazem funcionar cada atividade de direção, de selar compromissos e achar os meios de escapar das soluções extremas.) Essa correlação entre forças internacionais e forças nacionais complica-se ainda pela existência no interior de cada Estado de várias seções territoriais de estruras diferentes e de diferentes correlações de forças em todos os graus (assim a Vandea estava aliada com a força internacional reacionária e a representava no seio da unidade territorial francesa; assim Lion na Revolução Francesa apresentava um núcleo particular de relações, etc.).
3) O terceiro momento é o da correlação de forças militares, imediatamente decisivo segundo a ocasião. (O desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo.) Mas tampouco isso é qualquer coisa instintiva e identificável imediatamente de forma esquemática; pode-se ainda aí distinguir dois graus: o militar em sentido estrito ou técnico-militar e o grau que se pode chamar de político-militar. No desenvolvimento da história esses dois graus se apresentaram numa grande variedade de combinações. Um exemplo típico que pode servir como demonstração-limite é o da relação de opressão militar de um Estado sobre uma nação que está tentando alcançar a sua independência estatal. A correlação não é puramente militar, mas político-militar, e de fato tal tipo de opressão seria impensável sem o estado de desagregação social do povo oprimido e a passividade de sua maioria; portanto, a independência não poderá ser alcançada com forças puramente militares, mas militares e político-militares. Se a nação oprimida, de fato, para iniciar a luta pela independência devesse esperar que o estado hegemônico lhe permita organizar um exército próprio, no sentido estrito e técnico da palavra, teria de esperar por um bom tempo (pode acontecer de a reivindicação de ter um exército próprio seja satisfeita pela nação hegemônica, mas isso significa que uma grande parte da luta já foi travada e ganha no terreno político-militar). A nação oprimida oporá então inicialmente à força militar hegemônica uma força que é só "político-militar", isto é, oporá uma forma de ação política que tem a virtude de reflexos de caráter militar no sentido: 1) que seja eficaz para desagregar intimamente a eficiência bélica da nação hegemônica; 2) que constranja a força militar hegemônica a se diluir num grande território, anulando-lhe grande parte da eficiência bélica. No Renascimento Italiano, se pode notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar, especialmente no Partido de Ação (por incapacidade congênita), mas também no partido piamontês-moderado, antes e depois de 1848, não certamente por incapacidade, mas por "maltusianismo econômico-político", isto é, porque nunca se quis acenar à possibilidade de uma reforma agrária e porque não se queria a convocação de uma assembleia nacional constituinte, mas se tentava apenas que a monarquia piamontesa, sem condições ou limitações de origem popular, se estendesse a toda a Itália, com a pura sanção dos plebicitos regionais.
Outra questão conexa à precedente é a de ver se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente pelas crises econômicas. A resposta à questão está contida implicitamente nos parágrafos precedentes, que são um outro modo de apresentar o que se trata agora, embora seja sempre necessário, por razões didáticas, dado o público particular, examinar cada modo de se apresentar uma mesma questão como se fosse um problema independente e novo. Se pode excluir que, por si mesma, a crise econômica imediata produza eventos fundamentais; só pode criar um terreno mais favorável à difusão de certos modos de pensar, de definir e resolver as questões que envolvem todo o ulterior desenvolvimento da vida estatal. De resto, todas as afirmações que concernem os períodos de crise ou de prosperidade podem dar lugar a juízos unilaterais. No seu compêndio de história da Revolução Francesa (ed. Colin), Mathiez, opondo-se à história vulgar tradicional, que aprioristicamente "encontra" uma crise em coincidência com as grandes rupturas dos equilíbrios sociais, afirma que por volta de 1789 a situação econômica era mais que tudo boa imediatamente, pelo qual não se pode dizer que a catástrofe do Estado absoluto fosse devido a uma crise de empobrecimento (cf. a afirmação exata de Mathiez). Deve-se observar que o Estado era presa de uma mortal crise financeira e se colocava a questão de sobre qual das três ordens sociais privilegiadas deveria recair o sacrifício e o peso para recolocar em ordem as finanças estatais e reais. Dito de outro modo: se a posição econômica da burguesia era florescente, certamente não era boa a situação das classes populares da cidade e do campo, especialmente destas, atormentadas pela miséria endêmica. Em cada caso, a ruptura do equilíbrio de forças não ocorreu por causa mecânica imediata de empobrecimento do grupo social que tinha interesse em romper o equilíbrio e de fato o rompeu, mas ocorreu no quadro dos conflitos superiores ao mundo econômico imediato, relacionados ao "prestígio" das classes (interesses econômicos futuros), uma exasperação do sentimento de independência, de autonomia e de poder. A questão particular do mal-estar ou do bem-estar econômico como causa das novas realidades históricas é um aspecto parcial da questão das correlações de forças nos seus vários graus. Podem-se produzir novidades seja porque uma situação de bem-estar está ameaçada pelo egoísmo mesquinho do grupo adversário, como porque o mal-estar tornou-se intolerável e não se vê na velha sociedade nenhuma força que seja capaz de mitigá-lo e de restabelecer uma normalidade por meios legais. Pode-se dizer, portanto, que todos esses elementos são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das correlações sociais de forças, em cujo terreno se faz delas as correlações políticas de forças para culminar na correlação militar decisiva. Se falta esse processo de desenvolvimento de um momento em outro, e esse é essencialmente um processo que tem por atores os homens, e a vontade e a capacidade dos homens, a situação fica inoperante e podem ocorrer conclusões contraditórias: a velha sociedade resiste e se dá o tempo de "respirar", exterminando fisicamente a elite adversária e aterrorizando as massas de reserva, ou ainda a destruição recíproca das forças em conflito, com a instauração da paz dos cemitérios, sob a guarda de um sentinela estrangeiro.
Mas a observação mais importante a fazer a propósito de toda análise concreta das correlações de forças é esta: que tais análises não podem e não devem ser um fim em si mesmas (a menos que não se escreva senão um capítulo de história do passado), mas que só adquire um significado se serve para justificar uma atividade prática, uma iniciativa da vontade. Elas mostram quais são os pontos de menor resistência, sobre os quais a força da vontade pode ser aplicada com maior proveito, sugerindo as operações táticas imediatas, indicando como se pode lançar melhor uma campanha de agitação política, que linguagem será melhor compreendida pela multidão, etc. O elemento decisivo de cada situação é a força permanentemente organizada e de longa data predisposta, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável quando essa força exista e esteja plena de ardor combativo); porque a tarefa essencial é a de cuidar sistemática e pacientemente a formar, desenvolver, tornar sempre mais homogênea, compacta, consciente essa força. Isso é visto na história militar e na preparação com que em todos os tempos estão predispostos os exércitos para iniciar uma guerra a qualquer momento. Os grandes Estados foram grandes Estados exatamente porque a cada momento estavam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis, que eram tais porque havia a possibilidade concreta deles se inserirem eficazmente nelas.
[1932-1933]
Notas:
1 Ver a subordinação do fascismo italiano à Alemanha hitlerista, apesar de sua fraseologia nacionalista, e a política de demissão nacional dos partidos franceses ditos "nacionalistas".
2 "Conjuntura. Pode-se definir a conjuntura como o conjunto de circunstâncias que determinam o mercado numa dada fase, desde que essa circunstância seja concebida em movimento, isto é, como um conjunto que sempre dá lugar a um processo de novas combinações, processo que é o ciclo econômico. Estuda-se a conjuntura para prever e, mais ainda, dentro de certos limites, determinar o ciclo econômico no sentido favorável aos negócios. Assim a conjuntura foi definida como a oscilação da situação econômica ou o conjunto das oscilações.
"Origem da expressão: serve para compreender melhor o conceito. Em italiano = flutuação econômica. Ligado aos fenômenos do pós-guerra, muito rápidos no tempo. (Em italiano, o significado de 'ocasião econômica favorável ou desfavorável' está ligado à palavra 'conjuntura'; diferença entre 'situação' e 'conjuntura'; a conjuntura apreende o complexo das características imediatas e transitórias da situação econômica, e por isso aquele conceito precisa agora entender as características mais fundamentais e permanentes.da situação mesma. O estudo da conjuntura fica ligado mais estreitamente à política imediata, à 'tática' e à agitação, enquanto que a 'situação' à 'estratégia' e à propaganda, etc.)" [GRAMSCI, Antonio. Passato e presente. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 194-195]
3 Uma sublevação estoura em Milão em 6 de fevereiro de 1853 contra o regime austríaco restabelecido após o fracasso das revoluções de 1848. Animado pelos membros de sociedades secretas, notadamente mazzinianas, ela foi duramente reprimida (24 condenações à morte). O sequestro pela Áustria dos bens dos milaneses emigrados em seguida aos acontecimentos, dá lugar a uma crise diplomática entre a Áustria e o governo sardo dirigido por Cavour.
Fonte primária: GRAMSCI, Antonio. Note sul Machiavelli. Organização de Valentino Gerratana. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 49-61
Fonte secundária: GRAMSCI, Antonio. Gramsci dans le texte. Organização de François Riccie e Jean Bramant. Tradução de Jean Bramant e outros. Paris: Editions Sociales, 1975, pp. 489-504
Tradução: Sergio Granja
Revisão: Silvia Mundstock
A questão do aborto
POR ANTONIO CICERO
Se não me engano, algum tempo atrás Lula previu que, nas eleições deste ano, todos os candidatos à Presidência seriam de esquerda. De fato, os três mais votados candidatos do primeiro turno, logo, os dois do segundo, são considerados de esquerda.
Serão mesmo? Pensaria o contrário quem, sem nada saber dos candidatos, visse as fotos diárias que a imprensa publica de cada um deles a assistir à missa; ou suas declarações de fé; ou suas confraternizações com pastores e políticos evangélicos; ou as promessas de obediência que fazem a líderes religiosos; ou suas renegações da proposta da descriminalização do aborto...
Dois dias atrás, afirmando que uma eleição é o pior momento para debater qualquer questão que seja, Contardo Calligaris postergou uma discussão sobre o aborto. Acho que ele estava certo. Contudo, tendo lido inúmeros ataques à tese de que o aborto deve ser descriminalizado, mas nenhum argumento a favor dela, resolvi lembrar aqui alguns que me parecem decisivos.
E, para mim, os argumentos mais decisivos são os do filósofo francês Francis Kaplan no seu livro "O Embrião É um Ser Vivo?", por ele resumidos em entrevista que a Folha publicou em abril de 2008.
Segundo Kaplan, deve-se distinguir entre "estar vivo" e "ser um ser vivo". Um ser vivo não é apenas um ser que tem funções (pois várias partes do ser vivo têm funções), mas um ser que tem todas as funções necessárias para estar vivo. Assim é um ser humano, por exemplo. Já o olho do ser humano, na medida em que lhe faculta enxergar, está vivo, mas não é um ser vivo. O olho está vivo somente na medida em que faz parte do ser vivo que é o ser humano.
Assim também o embrião está vivo somente enquanto parte de outro ser vivo, que é a sua mãe. Por si mesmo, "as funções vitais de que ele precisa para estar vivo são as da mãe. É graças à função digestiva da mãe que ele recebe o alimento, que pode usar somente por lhe chegar previamente digerido pela mãe; é graças à função glicogênica do fígado da mãe que ele recebe a glicose; é graças à função respiratória da mãe que os glóbulos vermelhos de seu sangue recebem o oxigênio; é graças à função excretória da mãe que ele expulsa materiais prejudiciais, dejetos que, de outro modo, o envenenariam".
E mais: "Não é o embrião que se desenvolve: é a mãe que, por meio da produção da serotonina periférica no sangue, determina, durante mais da metade da gestação, o desenvolvimento neurobiológico e a viabilidade futura do organismo que carrega".
Kaplan explica, ademais, que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, o feto não tem atividade cerebral. Acontece que, como ele observa, "um homem sem atividade cerebral é considerado clinicamente morto". Ora, "o prazo de três meses é o prazo dentro do qual a maioria das mulheres que quer abortar aborta, mesmo que possam legalmente fazê-lo mais tarde".
Dito isso, vê-se que não é totalmente verdadeiro, como se supõe às vezes, que o embrião esteja para uma criança como uma semente para uma árvore ou um ovo para uma ave. Uma semente largada na terra pode tornar-se uma árvore; e um ovo pode, sendo incubado, tornar-se uma ave; um embrião, porém, não é capaz de se tornar uma criança fora do corpo da mãe.
Se, portanto, não se pode comparar a destruição de uma semente com a derrubada de uma árvore nem se pode comparar quebrar um ovo com matar uma ave, menos ainda se pode comparar o aborto, como querem alguns religiosos, com o assassinato de uma pessoa. Que pensar então da tese de que a vida da mãe não vale mais que a do feto?
Diga-se a verdade: quem se opõe à descriminalização do aborto defende não a vida, como alega, mas sim uma crença religiosa segundo a qual nem o prazer sexual pode ser um fim em si mesmo nem o ser humano é dono de si próprio ou do seu corpo.
Ora, cada qual tem o direito à crença religiosa que bem entender, mas o Estado, que deve ser laico, não pode adotar nenhuma delas em particular.
Nenhuma mulher recorre ao aborto por prazer, mas por sofrimento e para evitar ainda maior sofrimento para si, para sua família e para a criança que nasceria.
É uma grande crueldade que o Estado penalize ainda mais justamente as mulheres pobres que, sem recursos, são obrigadas a praticar o aborto nas piores condições imagináveis.
Fonte: Folha de São Paulo, 16/10/2010.
Serão mesmo? Pensaria o contrário quem, sem nada saber dos candidatos, visse as fotos diárias que a imprensa publica de cada um deles a assistir à missa; ou suas declarações de fé; ou suas confraternizações com pastores e políticos evangélicos; ou as promessas de obediência que fazem a líderes religiosos; ou suas renegações da proposta da descriminalização do aborto...
Dois dias atrás, afirmando que uma eleição é o pior momento para debater qualquer questão que seja, Contardo Calligaris postergou uma discussão sobre o aborto. Acho que ele estava certo. Contudo, tendo lido inúmeros ataques à tese de que o aborto deve ser descriminalizado, mas nenhum argumento a favor dela, resolvi lembrar aqui alguns que me parecem decisivos.
E, para mim, os argumentos mais decisivos são os do filósofo francês Francis Kaplan no seu livro "O Embrião É um Ser Vivo?", por ele resumidos em entrevista que a Folha publicou em abril de 2008.
Segundo Kaplan, deve-se distinguir entre "estar vivo" e "ser um ser vivo". Um ser vivo não é apenas um ser que tem funções (pois várias partes do ser vivo têm funções), mas um ser que tem todas as funções necessárias para estar vivo. Assim é um ser humano, por exemplo. Já o olho do ser humano, na medida em que lhe faculta enxergar, está vivo, mas não é um ser vivo. O olho está vivo somente na medida em que faz parte do ser vivo que é o ser humano.
Assim também o embrião está vivo somente enquanto parte de outro ser vivo, que é a sua mãe. Por si mesmo, "as funções vitais de que ele precisa para estar vivo são as da mãe. É graças à função digestiva da mãe que ele recebe o alimento, que pode usar somente por lhe chegar previamente digerido pela mãe; é graças à função glicogênica do fígado da mãe que ele recebe a glicose; é graças à função respiratória da mãe que os glóbulos vermelhos de seu sangue recebem o oxigênio; é graças à função excretória da mãe que ele expulsa materiais prejudiciais, dejetos que, de outro modo, o envenenariam".
E mais: "Não é o embrião que se desenvolve: é a mãe que, por meio da produção da serotonina periférica no sangue, determina, durante mais da metade da gestação, o desenvolvimento neurobiológico e a viabilidade futura do organismo que carrega".
Kaplan explica, ademais, que, pelo menos até o terceiro mês da concepção, o feto não tem atividade cerebral. Acontece que, como ele observa, "um homem sem atividade cerebral é considerado clinicamente morto". Ora, "o prazo de três meses é o prazo dentro do qual a maioria das mulheres que quer abortar aborta, mesmo que possam legalmente fazê-lo mais tarde".
Dito isso, vê-se que não é totalmente verdadeiro, como se supõe às vezes, que o embrião esteja para uma criança como uma semente para uma árvore ou um ovo para uma ave. Uma semente largada na terra pode tornar-se uma árvore; e um ovo pode, sendo incubado, tornar-se uma ave; um embrião, porém, não é capaz de se tornar uma criança fora do corpo da mãe.
Se, portanto, não se pode comparar a destruição de uma semente com a derrubada de uma árvore nem se pode comparar quebrar um ovo com matar uma ave, menos ainda se pode comparar o aborto, como querem alguns religiosos, com o assassinato de uma pessoa. Que pensar então da tese de que a vida da mãe não vale mais que a do feto?
Diga-se a verdade: quem se opõe à descriminalização do aborto defende não a vida, como alega, mas sim uma crença religiosa segundo a qual nem o prazer sexual pode ser um fim em si mesmo nem o ser humano é dono de si próprio ou do seu corpo.
Ora, cada qual tem o direito à crença religiosa que bem entender, mas o Estado, que deve ser laico, não pode adotar nenhuma delas em particular.
Nenhuma mulher recorre ao aborto por prazer, mas por sofrimento e para evitar ainda maior sofrimento para si, para sua família e para a criança que nasceria.
É uma grande crueldade que o Estado penalize ainda mais justamente as mulheres pobres que, sem recursos, são obrigadas a praticar o aborto nas piores condições imagináveis.
Fonte: Folha de São Paulo, 16/10/2010.
sábado, 16 de outubro de 2010
Entre o seis ou a meia dúzia: os dilemas da esquerda brasileira
por Justino de Sousa Junior [*] e Antonio Julio de Menezes Neto [**]
Presume-se construir um caráter progressista em torno de Dilma através do artifício de mostrar o conservadorismo reacionário de Serra e de acusar Marina Silva de ter se pintado de "azul-tucano". Tal como no costume antigo, os marqueteiros de Dilma usam a carantonha de seu adversário para espantar os espíritos maus. Abriremos um parêntese para deixar claro que não vamos nos ocupar, por ora, de Serra e de sua gente, pois o consideramos o que de pior temos no quadro político brasileiro, representantes de uma direita retrógrada e de triste lembrança para os brasileiros. Assim, centraremos no "outro lado".
Se buscarmos parâmetro para verificar quem representa quem nesse quadro eleitoral através do financiamento das campanhas, verificaremos que, "nos últimos sete meses, o PT arrecadou R$ 44 milhões, enquanto a coligação PSDB, DEM, PPS, PMN e PT do B arrecadou R$ 19,4 milhões" ( Brasil de Fato, 26/08-01/09). Serão os pobres que estão financiando a campanha de Dilma?
Lembremos que o governo Lula foi o governo do "valerioduto"; da reforma da previdência; que colocou Meirelles no Banco Central e o "blindou", apesar das inúmeras denúncias de crime contra o sistema financeiro que o perseguiam; que contrariou setores progressistas ao favorecer o agronegócio, inclusive beneficiando as práticas produtivas que utilizam abusivamente agrotóxicos (o governo destinará 120 mil milhões ao agronegócio em 2010/2011 e cerca de 20 mil milhões para a agricultura camponesa); que elevou a produção do superávit primário ao longo do seu mandato para agradar ao FMI e à banca internacional; que recusou a avançar em medidas como a auditoria da dívida, o fim da DRU (a derrubada da CPMF passou a contragosto); elevação do percentual do PIB investido na educação (permaneceu praticamente o mesmo da era FHC); derrubada dos vetos de FHC ao Plano Nacional de Educação de 2001; regulamentação do Imposto sobre as Grandes Fortunas, e muitas outras.
Por outro lado, sobre aquele que seria o traço progressista distintivo do governo Lula, os números mostram que a "inclusão" dos pobres, ou as políticas assistencialistas, focalizadas, de "combate" (superficial) da pobreza, não afetam em nada a dinâmica da acumulação do grande capital; por isso devem ser vistas muito mais como concessões (além de irrisórias) necessárias e funcionais para a manutenção da ordem cada vez mais favorável ao grande capital.
Além de tudo, e o mais grave, Lula tem sido um dos maiores responsáveis pela desarticulação da esquerda e de qualquer projeto social anticapitalista, pela desmobilização, despolitização e cooptação dos movimentos sociais (vejam-se os casos da CUT, UNE etc.).
Para se ter uma idéia do favorecimento ao grande capital como contraface do "auxílio" à pobreza do atual governo, "só no primeiro mandato de Lula, os empresários tiveram um aumento de 400% dos seus lucros. Já o salário mínimo teve um aumento de 57% nesses oito anos" ( Brasil de Fato 30/07). Por sua vez, na era FHC os bancos lucraram R$ 34,3 mil milhões, enquanto que nos dois mandatos de Lula a previsão é de algo em torno de R$ 170 mil milhões, ou seja, cinco vezes mais (idem).
As prioridades do governo Lula podem ser vistas na proporção em que se distribuem os gastos sociais e os gastos com pagamento da dívida pública. Segundo dados do IPEA, nos últimos sete anos, o governo gastou 1,27 milhão de milhões de reais com juros. "Os gastos com juros (apenas com o pagamento dos juros), portanto, superam em oito vezes o que foi aplicado em educação e em 10 vezes os investimentos para o país crescer". Entre 2000 e 2007, o total de gastos da União com saúde, educação e investimento correspondeu a somente 43,8% do total das despesas com juros.
Em 2009, segundo a PNAD, o Brasil possuía 14,5 milhões de analfabetos e mais da metade dos domicílios não possuíam rede de esgoto. No entanto, o governo destinou 35,57% de seus recursos para amortizar a dívida contra 2,88% para a educação e 0,08% para saneamento. Seria aconselhável, também, darmos uma volta pelas periferias de nossas cidades e vermos a vergonha de nossas favelas e sabermos que o governo destinou 0,01% para habitação ( Brasil de Fato, 04/10/2010).
No ensino superior, criou o PROUNI (Programa Universidade para Todos), talvez inspirado num dos pais do neoliberalismo Milton Friedman, que propunha que o Estado pagasse bolsas para alunos pobres em escolas privadas. E fez muito marketing nos dois últimos anos com o Reuni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), quando passou os outros seis sem maiores investimentos. Tanto que o governo FHC, de tristíssima lembrança para a educação, conseguiu abrir mais vagas para alunos em seus oito anos de governo do que Lula em seus oito (ver INEP, Censo da Educação Superior).
Ao tempo em que se comemora a diminuição da pobreza no Brasil, cabe observar que a desigualdade entre rendimento do trabalho e os ganhos de propriedade no Brasil são maiores hoje do que no fim da década de 1980. O principal motor a acelerar essa disparidade são as altas taxas de juros que levam mais água aos moinhos do capital. O ex-presidente do IPEA, Marcio Pochmann, afirma que esses dados são incompatíveis com um país civilizado. "Nas nações com menor desigualdade, o rendimento do trabalho varia entre 60% e 70% do PIB e, conseqüentemente, a remuneração da propriedade fica entre 30% e 40%" ( http://www.brasildefato.com.br/node/2239 ).
A diminuição da desigualdade social é resultado basicamente do Programa Bolsa Família (1% dos recursos da União), cujo investimento anual não atinge 10% dos recursos destinados ao pagamento apenas dos juros da dívida pública (que foi duplicada no governo Lula e já beira os 2 milhões de milhões de reais). Estima-se que este ano o pagamento de juros ficará em torno dos R$ 160 mil milhões, quase 14 vezes mais do que o consumido pelo Bolsa Família, que atende mais de 11 milhões de famílias – todos sabem a quem beneficiam esses juros! Além do mais, a "diminuição da desigualdade" é medida entre maiores e menores salários e não entre o rendimento do capital e o rendimento do trabalho.
Antes de nos contentarmos com o fato de que os outrora miseráveis foram elevados à categoria de pobres – ao mesmo tempo em que ajudam a consolidar o atual estado de coisas por gratidão aos benefícios recebidos e cruzam os braços, tornando-se uma massa dócil –, seria interessante observar como funciona o mecanismo sócio-econômico nas suas diversas facetas.
Descartada qualquer possibilidade de cogitação de Serra e sua turma reacionária (vide o seu vice), esse texto não pretende demover ninguém do voto na candidata Dilma, até porque na disputa com o tucano ela parece ser uma opção melhor. Sua pretensão é qualificar o debate, questionar as falácias que envolvem os argumentos que defendem a candidatura Dilma e afirmar que, em última instância, as duas candidaturas se encontram nos limites estreitos dos interesses do grande capital.
Trata-se, para os trabalhadores, para os "de baixo", de escolher, dentre os feitores, aquele que lhes pareça menos malvado e o chicote mais brando.
15/Outubro/2010
[*] Doutor em Educação e professor na Universidade Federal do Ceará;
[**] Doutor em Educação e professor na Universidade Federal de Minas Gerais.
O original encontra-se em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/5118/9
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
A respeito do abaixo-assinado: “Documentos de Luiz Carlos Prestes devem ser entregues ao Instituto Luiz Carlos Prestes”
Em nome do Instituto Luiz Carlos Prestes venho agradecer de público, aos cerca de 800 signatários do abaixo-assinado dirigido ao embaixador da Rússia no Brasil, o apoio declarado à demanda de que os documentos de Prestes disponibilizados pelo Governo russo fossem entregues ao Instituto Luiz Carlos Prestes, entidade legalmente registrada e voltada para a preservação, divulgação e pesquisa do legado do Cavaleiro da Esperança.
Devo assinalar que a entrega dessa documentação ao Arquivo Nacional resultou da pressão da opinião pública nacional e internacional, exercida através do referido abaixo-assinado, uma vez que, conforme foi registrado pela imprensa, apenas dois dias antes dessa entrega foi tomada tal decisão. A documentação corria, portanto, o risco de ficar em mãos de particulares.
Devo assinalar ainda a ilegalidade jurídica de tal ação, uma vez que, sendo eu filha e herdeira legal de Luiz Carlos Prestes, não poderia ser desconsiderada ao tomar-se decisões sobre seus bens. Repetiu-se a ilegalidade cometida pela viúva do meu pai, quando destinou à Universidade de Campinas uma parte dos documentos que haviam pertencido a Prestes. Na ocasião, devidamente assessorada por competentes advogados, cogitei de ação judicial, da qual tive que desistir devido ao alto custo de tal empreendimento.
Cabe registrar também a descortesia do embaixador da Rússia no Brasil, que, transcorridas mais de duas semanas, não considerou necessário responder à carta que lhe dirigi em nome do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Reiterando os agradecimentos pelo apoio amplamente concedido ao Instituto Luiz Carlos Prestes, venho manifestar em nome dos seus fundadores o compromisso de dar continuidade aos esforços voltados para o resgate e a preservação do legado do Cavaleiro da Esperança.
Devo assinalar que a entrega dessa documentação ao Arquivo Nacional resultou da pressão da opinião pública nacional e internacional, exercida através do referido abaixo-assinado, uma vez que, conforme foi registrado pela imprensa, apenas dois dias antes dessa entrega foi tomada tal decisão. A documentação corria, portanto, o risco de ficar em mãos de particulares.
Devo assinalar ainda a ilegalidade jurídica de tal ação, uma vez que, sendo eu filha e herdeira legal de Luiz Carlos Prestes, não poderia ser desconsiderada ao tomar-se decisões sobre seus bens. Repetiu-se a ilegalidade cometida pela viúva do meu pai, quando destinou à Universidade de Campinas uma parte dos documentos que haviam pertencido a Prestes. Na ocasião, devidamente assessorada por competentes advogados, cogitei de ação judicial, da qual tive que desistir devido ao alto custo de tal empreendimento.
Cabe registrar também a descortesia do embaixador da Rússia no Brasil, que, transcorridas mais de duas semanas, não considerou necessário responder à carta que lhe dirigi em nome do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Reiterando os agradecimentos pelo apoio amplamente concedido ao Instituto Luiz Carlos Prestes, venho manifestar em nome dos seus fundadores o compromisso de dar continuidade aos esforços voltados para o resgate e a preservação do legado do Cavaleiro da Esperança.
Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2010
Anita Leocádia Prestes