quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Volta a Lenin

Os críticos do marxismo, e em geral de qualquer proposta de esquerda, não poupam esforços para assinalar que as deformações cristalizadas no "marxismo-leninismo" são apenas o produto inevitável das sementes fortemente dogmáticas e autoritárias contidas na obra de Marx e potencializadas pelo "despotismo aiático" supostamente alojado na personalidade de Lenin. Para eles, o stalinismo, com todos os seus horrores, é apenas o resultado natural do totalitarismo inerente ao pensamento de Marx e à teorização e à obra prática de Lenin. Nada mais distente da verdade. Na realidade, o "marxismo-leninismo" é um produto antimarxista e antileninista por natureza. (...)
Uma oportuna e necessária "volta a Lenin" não tem nada a ver, portanto, com um retorno ao leninismo codificado pelos acadêmicos soviéticos, e sim com uma nova releitura do brilhante político, intelectual e estadista que, com a Revolução Russa, inaugurou uma nova etapa na história universal. Voltar a Lenin não significa, pois, o retorno a um texto sagrado, mumificado e encarquilhado, mas o regresso a uma fonte inesgotável de que brotam perguntas e questões que conservam sua atualidade e importância ainda hoje. (...)
Se há algo que caracteriza a obra de Lenin é a inseparável unidade entre sua atividade teórica e sua prática política. Como bem demonstrou Georg Lukács, em seu livro sobre Lenin, o fundador do Estado soviético é o "grande teórico da prática e o grande prático da teoria". Suas contribuições teóricas fundamentais sobre o partido revolucionário, o imperialismo e a aliança operário-camponesa foram, por sua vez, verdadeiros "guias para a ação em três conjunturas políticas muito concretas: no início do século XX, para combater o revisionismo; no período próximo à primeira revolução russa, em 1905; e, é obvio, na crise revolucionária geral que estala em fevereiro de 1917 e culmina com o triunfo da insurreição soviética em outubro do mesmo ano. Essa íntima relação entre os imperativos da ação revolucionária e a reflexão teórica de grande fôlego, realizada em meio à vertigem revolucionária, é que nos dá uma das chaves de sua permanência como um clássico do pensamento não só marxista, mas também do pensamento político em seu sentido mais amplo.

Fonte: Boron, Atilio A. "Estudo introdutório - Atualidade de Que fazer?". In: LENIN, V.I. Que fazer?: a organização do sujeito político. São Paulo: Martins, 2006. pp. 20, 21 e 73.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Não quero ser mártir nem herói


"Alguns me consideram um demônio, outros quase um santo. Não
quero ser mártir nem herói. Acredito ser simplesmente um homem médio,
que tem suas convicções profundas e não as troca por nada no mundo."

Carta de Gramsci, do cárcere, a seu irmão Carlo, em 12 de
setembro de 1927.

Nunca experimente o crack. Ele causa dependência e mata

Campanha Nacional de Alerta e Prevenção do Uso do Crack
Ministério da Saúde


O objetivo é colocar o tema em debate e chamar a atenção para os riscos e conseqüências do crack, droga derivada da cocaína e que possui alto grau de dependência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Nietzsche, o Rebelde Aristocrata

Nietzsche visto hoje

Giovanni Semeraro*


Uma analise da obra de Nietzsche justificaria por si só o volume de páginas deste livro [Nietzsche, o Rebelde Aristocrata: Biografia intelectual e Balanço Crítico, de Domenico Losurdo, Editora Revan, 1.108 páginas]. Mas Domenico Losurdo vai além dessa tarefa. Situa o estudo dos textos e das diversas fases do itinerário intelectual de Nietzsche no contexto do século XIX, um período histórico que ele domina como poucos.

O levantamento de uma impressionante documentação sobre Nietzsche e o seu tempo, desconhecida para muitos analistas, permite ao autor descobrir as profundas ligações políticas e culturais que o filosofo alemão cultivava. Ao situá-lo no contexto da sua época e recuperar a sua interlocução com diversos personagens e correntes de pensamento, Losurdo chega a uma compreensão mais penetrante dos conceitos centrais e das posições de Nietzsche, como ninguém tem ousado até hoje.

O resultado que emerge dessa tão gigantesca quanto solitária tarefa é inédito e admirável. Na contracorrente das leituras idílicas e estereotipadas, uma outra imagem de Nietzsche toma corpo ao longo das páginas deste livro. Com o rigor da investigação e a acuidade da argumentação que o caracterizam, Losurdo desconstrói a paradigmática meta-narrativa que se veio formando e difundindo em torno do pensamento de Nietzsche.

Sai desmascarada não apenas a despolitização operada pela interpretação seminal que Heidegger começou a fazer em seus cursos no início do século passado, mas fica também evidenciada a manipulação que a escola pós-modernista francesa e italiana conferiu às idéias de Nietzsche. Sobram também críticas e reparos à edição oficial da obra de Nietzsche organizada por G. Colli e M. Montinari, surpreendidos com falhas de tradução e remoções suspeitas.

Os que ainda tentam leituras libertárias e esquerdistas de Nietzsche não vão gostar de ver dissolvido o anarquismo reacionário e elitista do autor de Assim falou Zaratustra. Ao contrário do lugar comum de um filósofo apresentado como a-político e a-sistemático, Losurdo descobre que o elemento de unidade do pensamento inatual e aforismático de Nietzsche é exatamente sua plataforma política.

O autor de Para além do bem e do mal é revelado como um intelectual totus politicus que não se limita a enaltecer a guerra, a propor o aniquilamento das raças decadentes, a defender a escravidão, a atacar o sufrágio universal, a emancipação da mulher e a socialização dos direitos, mas desenha um claro projeto anti-moderno, anti-democrático, anti-socialista e anti-revolucionário.

Quando não bastam o manto do recurso à alegoria e o expediente da metáfora para explicar os aspectos mais inquietantes e repugnantes de Nietzsche, muitos autores se dedicam a selecionar textos, a encobrir a violência e a depurar as dimensões políticas e sociais determinantes na sua proposta niilista. A velada hermenêutica da inocência e a pureza do devir divulgadas pelo catecismo nietzscheano não convencem a epistemologia da suspeita de Losurdo que, ao contrário, mostra um autor que desde jovem foi sempre fiel ao seu radicalismo aristocrático, que pregou abertamente a repressão das revoluções que vulgarizavam a Europa, que combateu a corrente plebéia e subversiva subjacente à linha histórica Sócrates-judaísmo-cristianismo-socialismo e que contrastou a perigosa propagação da questão social, séria ameaça para a nobre estirpe dos super-homens.

Presos à vulgata predominante, alguns leitores já familiarizados com Nietzsche, podem discordar mas não ignorar os resultados deste trabalho de Losurdo. Trata-se de um método incomum de pesquisa, de uma filologia rigorosa e de um indispensável campo de estudo que impedem a filosofia de evadir-se dos fatos e da história. Mas, acima de tudo, de um desafio posto pelo poderoso embate entre contrapostas concepções filosóficas e políticas que o autor desvela e coloca corajosamente na mesa.

A Editora Revan, ao empreender no Brasil a edição dessa obra monumental, teve em vista especialmente a juventude. Cabe agora aos jovens universitários, a quem interessa particularmente esse imenso campo de estudo e pesquisa, acolher o desafio de levar adiante as múltiplas fronteiras do conhecimento e das indagações aqui descortinadas.

Não se espante também o leitor não especializado. Pode ter certeza de que, uma vez iniciada a leitura, não vai conseguir parar. As numerosas páginas vão lhe parecer poucas diante da riqueza dos dados e das descobertas que vai encontrar, da leveza e da clareza da linguagem, da finura da argumentação e da urdidura envolvente do discurso de conjunto. Mais do que uma leitura, trata-se da escola de um mestre de indagação que reconhece a grandeza e fascínio de Nietzsche e enfrenta com perspicácia e radicalidade sua alma mais recôndita e ocultada.

*(Professor de Filosofia na Universidade Federal Fluminense – UFF)

Herança escravocrata x direitos humanos

Por Osvaldo Russo*

Neste centenário da morte de Joaquim Nabuco, O Abolicionista, lembramos que este importante homem público, primeiro defensor da Reforma Agrária no Brasil, dizia que o fim da escravidão no Brasil era inseparável da democratização do solo rural pátrio. A elite imperial não lhe deu ouvidos: proclamou a abolição da escravatura sem distribuir terra aos escravos e sem garantir-lhes trabalho, casa ou escola.
Aos novos homens e mulheres livres – afrodescendentes - restaram apenas os quilombos, os mocambos, as favelas, as prisões, a tortura, a fome e a dura e corajosa luta pela sobrevivência.Porta-vozes dessa elite colonial, travestidos de republicanos modernos, escrevem que os sem-terra, acampados ou assentados são como baldes medievais e gente arruaceira. Concede-se até dar um pedaço de terra e pequena ajuda financeira a eles se assim o país puder se voltar inteiramente para o agro rico, com uso indiscriminado de sementes transgênicas e lucros fabulosos dos seus negócios. Nenhuma palavra sobre o latifúndio improdutivo ou agronegócio predador, como se estes fossem obra da imaginação e do radicalismo dos sem-terra e de suas organizações.
É possível avançar ainda mais no apoio à agricultura familiar e acelerar a reforma agrária, aprofundando o diálogo democrático com as organizações sindicais e os movimentos sociais, no sentido de garantir conquistas específicas do setor, respeitando-se o meio ambiente e os direitos humanos. Esse é o sentido do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 – aprovado pelo Presidente da República e isso não tem nada de medieval ou esquerdista: apenas resgata uma dívida social - colonial e escravista - com cinco séculos de exploração e violação de direitos dos camponeses no Brasil.
Diante da crise mundial do capital e dos resultados revelados pelo Censo Agropecuário 2006, não era de se espantar ou surpreender que um dos objetivos estratégicos do PNDH-3 fosse o fortalecimento de modelos de agricultura familiar e agroecológica, de modo a garantir que nos projetos de reforma agrária e agricultura familiar sejam incentivados os modelos de produção agroecológica e a inserção produtiva nos mercados formais; fortalecer a agricultura familiar camponesa e a pesca artesanal, com ampliação do crédito, do seguro, da assistência técnica, extensão rural e da infra-estrutura para a comercialização.Contemporâneo com o novo século, o PNDH-3 também visa garantir pesquisa e programas voltados à agricultura familiar e pesca artesanal, com base nos princípios da agroecologia; fortalecer a legislação e a fiscalização para evitar a contaminação dos alimentos e danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos; promover o debate com as instituições de ensino superior e a sociedade civil para a implementação de cursos e realização de pesquisas tecnológicas voltados à temática sócio-ambiental, agroecologia e produção orgânica, respeitando as especificidades de cada região.
Em contraposição à política de repressão e criminalização dos movimentos sociais, um outro objetivo estratégico estabelecido pelo PNDH-3 constitui a utilização de modelos alternativos de solução de conflitos, de modo a, entre outras ações programáticas, fomentar iniciativas de mediação e conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados à maior pacificação social e menor judicialização. Recomenda ainda aos estados, ao Distrito Federal, aos municípios, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à sociedade civil o desenvolvimento e incentivo à utilização de formas e técnicas negociadas de resolução de conflitos. Isso é radicalmente democrático.
Em pleno século 21, entretanto, com o Brasil afirmando-se como nação soberana e garantidora de direitos, os novos escravocratas reagem ao PNDH-3 olhando pelo retrovisor conservador da história. Em vez de se guiarem pelo exemplo de Nabuco, buscando a universalização de direitos, querem a manutenção de desigualdades e privilégios no campo.
Os herdeiros da escravidão contrapõem-se à afirmação dos direitos humanos como política pública, estruturada em programas, serviços e benefícios. O conservadorismo se escandaliza com a rebeldia dos injustiçados, mas se cala diante de sua repressão.
* Osvaldo Russo, ex-presidente do Incra, é coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT.
Publicado originalmente no Correio da Cidadania.

FONTE: http://www.mst.org.br/node/8968

Germinal: Marxismo e Educação em Debate

A revista Germinal: Marxismo e Educação em Debate acaba de publicar seu último número Vol. 2, No 1 (2010). Confira no link abaixo:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/germinal
A revista GERMINAL: Marxismo e Educação em Debate é uma publicação quadrimestral conjunta do Programa de Pós-graduação em Educação Física com os Grupos Marxismo, História, Tempo Livre e Educação (MHTLE/UEL), História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR/UNICAMP) e Linha de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esportes e Lazer (LEPEL/UFBA). Publica trabalhos inéditos visando a difusão e debate da problemática educacional à luz do marxismo.
Nesta edição, o texto "O historiador perante a história oficial", de Anita Leocadia Prestes, e uma entrevista com João Pedro Stédile, intitulada "Crise e Revolução: o movimento dos trabalhadores do campo".

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Na fronteira de uma nova escola

Livro aborda experiência das Escolas Itinerantes do MST
Como deve ser a escola que atende aos interesses e ideais da classe trabalhadora do campo e da cidade? Essa é a principal questão colocada no livro "Escola Itinerante - na fronteira de uma nova escola", de Isabela Camini, publicada pela editora Expressão Popular.
As Escolas Itinerantes acompanham os acampamentos do MST, e não têm localidade fixa. São consideradas espaços de conhecimento, criação, socialização com base em valores democráticos, e já foram legalmente aprovadas e reconhecidas pelos Conselhos Estaduais de Educação no Rio Grande do Sul (onde sofre atualmente com uma grande perseguição política), Santa Catarina, Paraná, Goiás, Alagoas, Pernambuco e Piauí.
O processo de elaboração do livro envolveu a coleta de dados e a devida reflexão, que se efetivou sob o contexto histórico dos últimos 12 anos - período em que se concretizaram as atividades pedagógicas das Escolas Itinerantes nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná.
É a partir da preocupação sobre a atual forma da escola (um produto histórico que, apesar de disputada em seus objetivos e conteúdos pela classe trabalhadora, atende fundamentalmente aos interesses das classes dominantes) que a autora passa a discutir a experiência das Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST.
Após situar os compromissos históricos que geraram a atual forma escolar, ela se detém à prática pedagógica desenvolvida nas Escolas Itinerantes, uma reinvenção da escola segundo os interesses das classes trabalhadoras do campo, nos limites das contradições de nossa época histórica. A autora nos mostra como essas escolas vão reconstruindo a prática pedagógica escolar através de sua estreita ligação com o meio e com a realidade vivenciada pelos estudantes.
A auto-organização dos educandos - crianças, jovens e adultos - é um dos princípais temas trabalhados pela autora no livro.
Sobre a autora
Isabela Camini é formada em Pedagogia, pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (RS). Tem especialização em Sociologia da Educação, pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Na UFRGS, realizou mestrado e doutorado em Educação. Há 18 anos, acompanha o processo de educação de filhos de Sem Terra que acompanham o MST. Ela ajudou a construir as Escolas Itinerantes e, por toda essa experiência, resolveu pesquisar, em sua tese, o processo de funcionamento, de educação e de formação dessas escolas.
Para adquirir um exemplar, acesse http://www.expressaopopular.com.br/

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Os pecados do Haiti


por Eduardo Galeano


A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto

Para apagar as pegadas da participação estado-unidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe: – Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico

Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Port-au-Prince, qual é o problema: – Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.

E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilómetro quadrado.

Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista

Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objectivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".

O Haiti fora a pérola da coroa, a colónia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".

Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável

Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade

Nem sequer Simón Bolíver, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete nave e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um génio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pénis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indemnização gigantesca, a modo de perdã por haver cometido o delito da dignidade.

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

18/Janeiro/2010
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Site publica manuscrito de 1752 sobre maçã de Newton


Está agora digitalizado e disponível ao público na internet o manuscrito original onde pode ser encontrada a história do dia em que uma maçã despencou perto de Isaac Newton e mudou a história da ciência.

O autor é William Stukeley, contemporâneo e conhecido de Newton, que escreveu uma biografia do cientista em 1752 (mais de 20 anos após a morte dele). O documento, "Memórias de Sir Isaac Newton", escrito em letra cursiva, pode ser encontrado nos arquivos online da Royal Society de Londres no endereço eletrônico http://royalsociety.org/Turning-the-Pages .Stukeley conta que, em uma tarde de primavera em 1726, foi tomar um chá "embaixo da sombra de algumas macieiras" com Newton, então já perto da morte.

Segundo o biógrafo, o cientista disse então que a noção de gravidade surgiu na sua mente quando ele estava em uma situação parecida, nos anos 1660, quando Newton tinha perto de 20 anos."Ele estava lá em estado contemplativo, e uma maçã caiu. Ele questionou por que a maçã sempre desce perpendicularmente ao chão. Por que não vai para os lados, para cima? Por que sempre em direção ao centro da Terra? Seguramente, a razão é que a Terra a atrai. Deve existir um poder de atração na matéria", escreveu Stukeley no seu manuscrito.


Fonte: Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 2010.

Macaco primitivo aprende conceitos de matemática

Estudo com espécie asiática sugere que habilidade surgiu há 25 milhões de anos
Reso, símio evolutivamente distante de seres humanos, conseguiu reter noção de "mais" e "menos" em um experimento na Alemanha

A compreensão de princípios básicos de matemática não é exclusividade de humanos e seus "parentes" evolutivos mais próximos, como o chimpanzé. Cientistas alemães descobriram que o macaco reso, espécie asiática que divergiu do homem há 25 milhões de anos, é capaz de reter conceitos simples, como "mais" e "menos"."Os resultados dos macacos, de certa forma, lembram o estágio inicial das capacidades cognitivas em crianças pequenas", disse à Folha Andreas Nieder, neurocientista da Universidade de Tübingen que liderou a pesquisa. Embora a desenvoltura dos macacos com números já fosse conhecida, os resultados do estudo -publicado hoje no periódico científico "PNAS"- abordam a questão por um ângulo diferente. E em primatas evolutivamente distantes dos humanos.


Pesquisas anteriores na Universidade de Kyoto, no Japão, já haviam medido o desempenho cognitivo de macacos, baseando-se principalmente na capacidade de memorização. Nesse testes, alguns chimpanzés chegaram a ter resultados melhores do que estudantes universitários. Dessa vez, porém, os cientistas quiseram analisar até onde os macacos seriam capazes de "aprender" de fato, e não apenas memorizar resultados das operações.No experimento alemão, os macacos tinham de distinguir figuras com "mais" objetos das figuras com "menos" objetos. Ao acertar, recebiam uma recompensa como estímulo.


Para garantir que os macacos não estariam simplesmente decorando as figuras, os pesquisadores mudavam constantemente sua representação gráfica. A forma, o tamanho e até o espaçamento entre os objetos estava sempre variando.


"A mera compreensão da magnitude numérica não era suficiente. Eles tinham de entender princípios matemáticos básicos e não simbólicos para atingir o objetivo", diz Nieder.


Deu trabalho. Durante quase um ano, sua equipe se dedicou a ensinar o conceito de "maior" e "menor" aos resos. As regras das operações foram apresentadas centenas de vezes em telas no laboratório, até que eles as aprendessem.Nos testes, quanto maior a diferença entre as partes, melhores eram os resultados dos macacos. Ou seja, para eles é bem mais fácil, por exemplo, reconhecer que "seis é maior que dois" do que acertar que "seis é maior que cinco".


Mapeamento cerebral


Após essa etapa, os cientistas se dedicaram a mapear áreas do cérebro relacionadas a essas operações. Eles escanearam o córtex pré-frontal -região abaixo da testa- dos macacos e mostraram que neurônios ali ajudam a processar conceitos matemáticos abstratos. Segundo os cientistas, o resultado é um passo importante para entender como humanos chegaram à interpretação de símbolos numéricos e aos sistemas matemáticos formalizados.


"Operações matemáticas simbólicas podem cooptar ou "reciclar" os circuitos pré-frontais para enriquecer e aumentar nossas capacidades matemáticas simbólicas", afirma Nieder, sugerindo a realização de testes comparativos entre humanos e macacos.


Fonte: Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 2010.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O macaco não soube esconder o rabo

PNDH-3: O macaco não soube esconder o rabo

Por Fábio Konder Comparato*


Há algo surpreendente (para dizer o mínimo), com todo esse estardalhaço a respeito do III Programa Nacional de Direitos Humanos, que o governo Lula acaba de apresentar. Quase todos os pontos acerbamente criticados por militares, latifundiários e donos de empresas de comunicação, já constavam dos dois programas anteriores, elaborados e aprovados pelos sucessivos governos de Fernando Henrique Cardoso.
E mais: nos dois programas precedentes, vários desses pontos polêmicos continham propostas mais fortes e abrangentes do que as constantes do atual programa. Ora, os programas de Direitos Humanos aprovados pelo então presidente Fernando Henrique, em 1996 e 2002, passaram praticamente despercebidos na imprensa, no rádio e na televisão.
Como explicar, então, toda a bulha suscitada pelo programa do governo Lula, com conflitos públicos entre ministros e acusações de desestabilização da ordem constitucional vigente, para desembocar no vergonhoso acordo negociado entre o presidente e a oposição?
Não é preciso ter o olfato aguçado, para sentir em tudo isso o fedor eleitoral. Afinal, já entramos, neste ano da graça de 2010, no único período ativo da classe política. Mas façamos as comparações acima enunciadas.
Conflitos no campo e reforma agrária
O programa Lula não contém nenhuma proposta de mudança legislativa e, menos ainda, constitucional, a esse respeito. Limita-se a falar em fortalecimento da reforma agrária, e em atualização dos índices de utilização da terra e de eficiência na exploração. Tais índices foram fixados em 1975, e até hoje, apesar dos sucessivos protestos dos movimentos de reforma agrária, continuam os mesmos. São eles que comprovam o fato de uma propriedade rural ser improdutiva, requisito constitucional para a sua expropriação. Ora, os grandes empresários rurais – perdão! os "agricultores", como diz o ministro Stephanes – não cessam de alardear o fato de que a agricultura capitalista aumentou brutalmente a produtividade das terras.
O primeiro programa do governo Fernando Henrique, em 1996, continha a proposta de um projeto de lei, que tornasse obrigatória a presença no local do juiz ou do representante do Ministério Público, quando do cumprimento de mandados judiciais de manutenção ou reintegração de posse de terras, que implicassem a expulsão coletiva dos seus ocupantes. Ninguém ignora que, no cumprimento desses mandados judiciais, a ação da Polícia Militar costuma provocar mortes e lesões corporais graves.
No mesmo programa de 1996, lê-se a seguinte proposta: "Apoiar proposições legislativas que objetivem dinamizar os processos de expropriação para fins de reforma agrária, assegurando-se, para prevenir violências, mais cautela na concessão de liminares".
Em 2002, sempre no governo Fernando Henrique, o II Programa de Direitos Humanos sugere apoiar "a aprovação de projeto de lei que propõe que a concessão de medida liminar de reintegração de posse seja condicionada à comprovação da função social da propriedade, tornando obrigatória a intervenção do Ministério Público em todas as fases processuais de litígios envolvendo a posse da terra urbana e rural".
Pergunta-se: onde estava então a União Democrática Ruralista (não se perca pelo nome), que não foi às ruas denunciar a subversão comunista contida nessas proposições?
Meios de comunicação de massa
Nessa matéria, a "audaciosa" proposta do programa Lula, que suscitou a indignação dos donos de jornais, rádios e televisões, foi a regulamentação do art. 221 da Constituição, o qual até hoje, transcorridos 21 anos de sua promulgação, permanece letra morta.
E o que propuseram os programas de Fernando Henrique sobre o assunto? A mesma coisa, mas com um importante acréscimo: "Garantir a imparcialidade, o contraditório e direito de resposta na veiculação de informações, de modo a assegurar a todos os cidadãos o direito de informar e ser informado".
Hoje, em razão de lamentável decisão do Supremo Tribunal Federal, não existe mais lei de imprensa no Brasil. Que eu saiba, somos o único país do mundo com esse vácuo legislativo.
Ora, sem regulamentação por lei do direito de resposta nos meios de comunicação de massa, o cidadão fica inteiramente submetido ao arbítrio deles.
Revogação da lei de anistia?
O ministro da Defesa, acolitado pelos chefes das três armas militares, rasgou as vestes e pôs cinza na cabeça, ao ler a seguinte proposta do atual programa de Direitos Humanos: "Criar Grupo de Trabalho para acompanhar, discutir e articular, com o Congresso Nacional, iniciativas de legislação propondo: revogação de leis remanescentes do período 1964-1985, que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos ou tenham dado sustentação a graves violações."
"Aí está", esbravejou o ministro, "querem revogar a lei de anistia!"
Pelo visto, os assessores do ministro imaginam que quem é suposto conhecedor de estratégia militar é também entendido em estratégia política. Erro funesto.
Ao imaginar que a citada proposta do III Programa de Direitos Humanos tem em mira a lei de anistia de 1979, a corporação militar tirou a máscara. Ela reconheceu que esse diploma legal viola os direitos humanos, e que essa violação só pode consistir no fato de a indigitada lei haver anistiado os agentes públicos, militares e policiais, que mataram, estupraram e torturaram opositores ao nefasto regime político de 1964 a 1985.
Tranquilizem-se, porém, o ministro e os chefes militares. O que o Conselho Federal da OAB propôs no Supremo Tribunal, por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 153, não foi a revogação da lei de anistia. Aliás, em um Estado de Direito o Poder Judiciário não tem poderes para revogar leis. Objeto daquela ação é a declaração judicial de que a Lei nº 6.683, de 1979, não anistiou os autores de crimes de sangue e de violência contra opositores políticos, durante o regime militar.
É só isso. Mas isso, uma vez admitido, será a condenação definitiva da "ditabranda", tão louvada por um jornal de São Paulo.
A Comissão de Verdade
É realmente inacreditável que essa proposta do III Programa de Direitos Humanos tenha provocado tanto escarcéu, pois nesse ponto pode-se dizer que a montanha pariu um camundongo.
A criação de uma comissão de alto nível, com a participação da sociedade civil, destinada a apurar as atrocidades cometidas durante duas décadas neste país, sob a responsabilidade final dos dirigentes militares, foi discutida durante anos em congressos, seminários e mesas redondas, em todo o território nacional.
A Secretaria Nacional de Direitos Humanos, afinal, fixou-se na sugestão de criar tal comissão por decreto presidencial. Mas o presidente da República, como era esperado, voltou atrás na última hora e preferiu enviar o assunto às calendas gregas; isto é, ao Congresso Nacional.
Não se esqueça que estamos em ano eleitoral, e que um eventual projeto de lei, nesse sentido, jamais será votado até o encerramento da vigente legislatura, em dezembro de 2010.
Como se vê, não é preciso ter muita habilidade para capturar o ratinho, que saiu cambaleante do ventre da montanha.
Finalmente, voltando de férias, o presidente da República decidiu negociar um acordo com os críticos do III Programa de Direitos Humanos. O Programa já não é por ele aprovado, mas simplesmente "tornado público". Além disso, o presidente recomendou que os pontos polêmicos, notadamente a Comissão de Verdade, sejam abrandados.
Como se vê, de ambos os lados o macaco não soube esconder o rabo.
As classes dominantes demonstraram que sua maior arma política é a dominação empresarial dos meios de comunicação de massa. Uma democracia autêntica só pode existir quando as diferentes camadas do povo têm liberdade de se comunicar entre si. Entre nós, porém, os canais públicos de comunicação foram apropriados pela classe empresarial, em seu próprio benefício, deixando o povo completamente à margem.
O presidente da República, por sua vez, seguindo seus hábitos consolidados, resolveu abafar as disputas e negociar um acordo. Esqueceu-se, porém, que nenhum acordo político decente pode ser feito à custa da dignidade da pessoa humana.


*Publicado originalmente na Caros Amigos

O verdadeiro "Tempos Modernos"

Por Emir Sader

A expressão "Tempos Modernos" foi consagrada como um dos clássicos do cinema de todos os tempos. Dirigido e interpretado por Charles Chaplin, em 1936, compôs, com "O Garoto" e "O Grande Ditador", uma trilogia genial em que o cinema retrata os grandes problemas da época de forma sensível, dramática e politicamente comprometida.

O tema central do filme, que o notabilizou, é a alienação. Questão central na critica ao capitalismo, a alienação começa no processo produtivo, em que o trabalhador usa sua força de trabalho sem ter consciência do que está produzindo, sem ser consultado sobre o que sua capacidade de trabalho vai produzir, sobre a quem deve ser destinada sua produção, a que preço, etc.

Nas palavras do principal teórico da alienação, Marx: “Eles fazem, mas não sabem”. Isto é, os trabalhadores produzem toda a riqueza na sociedade capitalista, mas não tem consciência disso, são alienados.

Carlitos é um operário padrão da industrialização maciça do capitalismo, que produziu aquelas imensas fábricas de dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores, anônimos diante da complexa e assustadora maquinaria, que comanda o processo produtivo e os trabalhadores, ao invés de ser comandados por eles.

É o ponto de chegada de uma imensa transformação histórica produzida pelo capitalismo e sua extraordinária capacidade de desenvolver as forças produtivas – reconhecida por Marx já no Manifesto Comunista. Essa longa trajetória, que vai do artesão a esse operário que Carlitos representa, nas grandes cadeias de montagem, está descrita em um dos mais belos textos de Marx – "Da manufatura à grande indústria”, no primeiro volume do Capital.

No início, o capitalista contrata os artesãos, que fazem, cada um com seu estilo individual, suas mercadorias – sapatos, louças ou roupas. O capitalista aluga sua força de trabalho, os junta no que se chamava na época de manufaturas, no sentido de locais onde os trabalhadores produziam com suas próprias mãos suas mercadorias.

Aos poucos o capitalista se dá conta que uns tem mais propensão para produzir uma fase da mercadoria final, outros, outra e começa a introduzir a divisão técnica do trabalho, a especialização, em que vai se perdendo o estilo de cada um, para diluir-se no anonimato da mercadoria final, produzida por um trabalhador coletivo. O caráter artesanal da produção vai se diluindo também pouco a pouco.

O capitalista precisa ganhar escala na sua produção, porque é nela que ele ganha, barateando o custo das mercadorias produzindo e competindo em melhores condições, assim como rebatendo o que Marx chama de tendência decrescente da taxa de lucro, porque ele ganha na exploração do valor não retribuído ao trabalhador – a famosa mais valia -, mas como ele investe, proporcionalmente, cada vez mais em instalações, matérias primas, maquinaria, etc., tende a ganhar menos em cada mercadoria produzida. Trata de recuperar isso, ganhando na massa de mercadorias produzidas. Assim o capitalista está condenado a produzir cada vez mais, não porque queira atender as necessidades das pessoas, mas porque precisa multiplicar a acumulação de capital, ganhar mais e triunfar na competição. Aqui está um dos mecanismos que condena o capitalismo a crises cíclicas.

Até que se chega à grande indústria, onde trabalhará Carlitos. O centro da produção se desloca definitivamente do trabalhador individual e da seu instrumento artesanal de trabalho para as maquinas, articuladas nessas imensas cadeias de produção, que comandam os trabalhadores, ao invés de ser comandadas por eles. Chega-se assim ao momento de máxima alienação, em que o trabalhador é uma peça ínfima de um gigantesco processo de produção, que cada vez esconde mais diante dos seus olhos, que é ele o produtor das riquezas, que tudo depende do seu trabalho, que é dele que vem o valor a mais que acumula o capitalismo e o capitalista.

Carlitos é prisioneiro do ritmo da cadeia de produção que circula diante dele, no ritmo que ditam as máquinas, ao qual tem que se adaptar o operário. Produzem-se aí as cenas mais inesquecíveis, impagáveis e tristes, ao mesmo tempo, em que ele tenta mudar o ritmo da máquina, não consegue e corre atrás das mercadorias que passam velozmente diante dele, para cumprir a mesma função durante toda sua jornada de trabalho, todos os dias da semana, o mês inteiro: apertas as porcas de um pedaço de metal que circula rapidamente, um atrás do outro, de que ele não tem a menor idéia a que mercadoria final ele pertence.

Condicionado por esse movimento mecânico, desqualificado como mão de obra – que permitiu ao capitalismo incorporar à produção mulheres e crianças, pela pouca qualificação que passou a demandar a massificação da produção – de apertar botões, Carlitos sai da jornada de trabalho – que chegou a ser, no capitalismo, de 14 e de 16 horas diárias -, meio zonzo. Quando cruza com uma mulher, na rua, e vê nos botões do casaco dela objetos que lhe recordam as porcas a que está condenado a apertar milhares de vezes ao dia, condicionado, pavlovianamente, por aquele objeto, ele corre atrás dela para cumprir a função que lhe é atribuída e que o deixa obcecado. Toda sua vida está marcada por aquele repetitivo movimento, que comanda sua vida, demonstrando como ele vive para trabalhar e não trabalha para viver.

Ele anda pela cidade, vê nas vitrines talvez as mercadorias finais que de que ele produziu uma pequena peça, diariamente, transformada em mercadoria final, exibida no “mercado” para a compra, em que se materializa o momento final da alienação, em que ele não reconhece o que ele mesmo produziu. Em que provavelmente não ganhará o suficiente para comprá-la, mesmo sem consciência que é produto do seu próprio trabalho.

Alienar, no sentido marxista, vem da expressão jurídica, por exemplo de alienar um bem, passar a outro o que é nosso. Nesse caso, o trabalhador entrega a riqueza produzida pelo seu próprio trabalho ao capitalista, que se apropria dela, remunerando o trabalhador não pelo que ele entrega, mas que necessita para sobreviver como trabalhador, para ter forças para voltar no dia seguinte para apertar, alienadamente, as mesmas porcas da mercadoria em que ele não se reconhece e que não pode comprar.

É um mecanismo fundamental para compreender que o capitalismo não é apenas um sistema de produção de riquezas, mas inerentemente um sistema de exploração dos trabalhadores, o que faz com que estes, que produzem toda a riqueza existente na sociedade capitalista, apenas sobrevivam, enquanto os capitalistas, que apenas administram o processo de exploração, enriqueçam.

Esse o tema do "Tempos Modernos", obra prima do cinema, de Charles Chaplin. A TV contemporânea, máquina de alienação, que não respeita nada, usa o nome "Tempos Modernos" para mais uma novela global - o máximo de alienação, que esconde ao invés de revelar, os mecanismos essenciais da nossa sociedade.

"Arrecadação humanitária virou negócio"

A arrecadação humanitária virou um negócio em que os doadores competem por espaço na mídia, diz o especialista em assistência humanitária e desenvolvimento Paolo de Renzio, pesquisador de governança econômica global no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford.

FOLHA - Como é o funil que converte fundos em ações?
PAOLO RENZIO - O problema é que há vários funis: a ONU e suas agências, os governos dos países, as ONGs, cada um agindo separadamente. A arrecadação humanitária virou um "business", um negócio em que cada um quer se mostrar em ação.

FOLHA - Uma vitrine?
RENZIO - Exato. Como há muita atenção da mídia em curto período, todos querem aparecer doando.

FOLHA - O que muda na arrecadação após um grande desastre em relação à ajuda para o desenvolvimento?
RENZIO - Publicidade, urgência, retorno imediato. Um problema pode ser o cansaço da opinião publica em relação aos desastres. Outro é que, quando o mídia vai embora, todo o mundo esquece. O terceiro problema é a fragmentação e a falta de coordenação na arrecadação e a escassa transparência e prestação de contas.

FOLHA - E o planejamento?
RENZIO - Há necessidade de resposta imediata e há questões de coordenação. É preciso preparação prévia. A pressão em gastar os fundos com rapidez pode levar a ineficiências. Há doadores que fixam prazos de seis meses. Avaliar a eficácia das ações também muda, com indicadores de curto prazo no caso de desastres e de médio-longo prazo para ajuda ao desenvolvimento. Seria importante ligar os dois.

FOLHA - Há estimativa de quanto da arrecadação se converte em ajuda a flagelados?
RENZIO - Difícil. Tenho visto números que variam de 5% a 50% dos fundos.

FOLHA - Qual o maior obstáculo ao bom uso dos fundos?
RENZIO - Falta de coordenação; falta de consideração da ligação com a fase de reconstrução; uso exclusivo de materiais importados. Por exemplo, não se pode fazer abrigos temporários e se esquecer que será preciso reconstruir as moradias quando o foco da mídia mudar e as doações sumirem.

FOLHA - No Haiti, onde a governança é quase nula, qual o caminho para aplicar a verba?
RENZIO - O Haiti é um caso especial, pois já considerava a infraestrutura do governo fraca e ela foi destruída, o epicentro foi na capital. É diferente do que houve na Indonésia ou no Peru. Por isso, canais paralelos são obrigatórios. O problema é coordenar.

FOLHA - A ONU diz que a arrecadação é transparente. Mas não monitora a aplicação.
RENZIO - Isso é um problema mais geral do sistema da ajuda internacional. Sabe-se quanto se quer gastar, menos sobre o que foi gasto e quase nada sobre como foi gasto.

Fonte: Folha de São Paulo, 18/01/2010.

"Governo haitiano é predador"

A classe governante do Haiti ignora a população e vive só para extrair dinheiro do país, disse à Folha por telefone o jornalista e escritor americano Mark Danner, especialista em questões haitianas.

FOLHA - Por que o presidente René Préval até agora não discursou à nação nem visitou campos de desabrigados?
MARK DANNER - Os governos haitianos nunca foram norteados pelo desenvolvimento nacional. Eles funcionam apenas como mecanismos de extração pelos quais a elite suga dinheiro do país. A classe governante é predadora.
FOLHA - Como assim?
DANNER - Quando era uma rica colônia, o Haiti funcionava com base em grandes latifúndios onde trabalhavam os escravos. Não é por acaso que a distribuição de terra foi um dos pilares da revolução [1804]. Após a independência, o Haiti se tornou uma nação de pequenos plantios e, com isso, a riqueza fugiu do alcance das elites governantes. Para compensar a perda, essas elites passaram a cobrar impostos altíssimos da classe agrícola. O Estado acabou virando a maior fonte de riqueza do Haiti, o que explica em grande parte a instabilidade. Os governos desde então só querem saber de extrair dinheiro do país. E depois que os solos se esgotaram e que o produção agrícola desmoronou, a fonte dessa extração migrou de vez da agricultura para a ajuda externa. Os americanos dizem ter mecanismos para garantir que o dinheiro chegue à população, mas o governo é sustentado pela ajuda internacional. E mesmo quando algum auxílio chega à população, o governo sai ganhando, pois fica isento de certos gastos.
FOLHA - Isso é reversível?
DANNER - Os americanos dirão que, para revitalizar o Haiti, será preciso ir além da simples reconstrução física do país. Não duvido que haverá esforços nessa direção, mas há sinais de que alguns erros do passado continuarão.Ouvi no rádio, depois do terremoto, um funcionário do governo americano dizendo que uma boa maneira de fornecer ajuda sustentável ao Haiti é dar trigo para os moinhos que o país tem. A ideia seria, segundo o funcionário, incentivar os haitianos a participar do processo.O problema é que esses moinhos foram construídos na época [do ditador François] Duvalier [1957-1971] com a ideia de aproveitar as sementes de trigo doadas pelos EUA. Mas quem saía beneficiado eram os americanos, que conseguiam escoar o excesso de produção. E Duvalier roubava sementes de todos os moinhos. Além disso, a importação de sementes contribuiu para destruir as plantações de arroz. O Haiti não precisa de pão, precisa de arroz.Parece que Washington não tem noção do que aconteceu. Americanos têm qualidades, mas a memória não faz parte delas.

Fonte: Folha de São Paulo, 18/01/2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Nota pública em defesa do PNDH-3

14 de janeiro de 2010
NOTA PÚBLICA
III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) é avanço na luta por direitos humanos
EM DEFESA DA DEMOCRACIA, DOS DIREITOS HUMANOS E DA VERDADE
As entidades e militantes dos Direitos Humanos e da Democracia de São Paulo-SP juntam-se ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), rede que reúne cerca de 400 organizações de direitos humanos de todo o Brasil, para manifestar publicamente seu REPÚDIO às muitas inverdades e posições contrárias ao III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), e seu APOIO INTEGRAL a este Programa lançado pelo Governo Federal no dia 21 de dezembro de 2009.
Como o MNDH, entendemos que o PNDH 3, aprovado durante a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (2008), é um importante passo no sentido de o Estado brasileiro assumir a bandeira dos Direitos Humanos em sua universalidade, interdependência e indivisibilidade como política pública; expressa avanços na efetivação dos compromissos constitucionais e internacionais com direitos humanos; e resultou de amplo debate na sociedade e no Governo.
Por isto, nenhuma instância do Governo Federal pode alegar ter conhecido esse Programa somente depois do ato do seu lançamento público no dia 21 de dezembro e, menos ainda, afirmar que o assinou sem haver lido, sob pena de mentir no primeiro caso e, no segundo, de acrescentar à mentira um atestado de irresponsabilidade.
As reações contra o PNDH 3 estão cheias de conhecidas motivações conservadoras, além de outras que, pela sua própria natureza, são inconfessáveis em público pelos seus defensores. Estas resistências, claramente explicitadas ou não ao PNDH 3, provam que vários setores da sociedade brasileira ainda se recusam a tomar os direitos humanos como compromissos efetivos tanto do Estado, quanto da sociedade e de cada pessoa. É falso o antagonismo que se tenta propor ao dizer que o Programa atenta contra direitos fundamentais, visto que o que propõe tem guarida constitucional, além de assentar seus alicerces no que é básico para uma democracia, e que quer a vida como um valor social e político para todas as pessoas, até porque, a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais de nossa Constituição e a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária é o objetivo de nossa Carta Política.
Há setores que estranham que o Programa seja tão abrangente, trate de temas tão diversos. Ignoram que, desde há muito, pelo menos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, direitos humanos são muito mais do que direitos civis e políticos. Vários Tratados, Pactos e Convenções internacionais articulam o que é hoje conhecido como o Direito Internacional dos Direitos Humanos, que protege direitos de várias dimensões: civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, de solidariedade, dos povos, entre outras. Desconhecem também que o Brasil, por ter ratificado a maior parte destes instrumentos, é obrigado a cumpri-los, inclusive por força constitucional, e que está sob avaliação dos organismos internacionais da ONU e da OEA que, por reiteradas vezes, através de seus órgãos especializados, emitem recomendações para o Estado brasileiro - entre as quais, as mais recentes são de maio de 2009 e foram emitidas pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. Aliás, não é novidade esta ampliação, visto que o II Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 2, de 2002) já previa inclusive vários dos temas que agora são reeditados, e a primeira versão do PNDH (1996) fora criticada e revisada exatamente por não contemplar a amplitude e complexidade que o tema dos direitos humanos exige. Por isso, além de conhecimento, um pouco de memória histórica é necessária a quem pretende informar de forma consistente a sociedade.
Em várias das manifestações e inclusive das abordagens publicadas, há claro desconhecimento (além dos que apenas fingem desconhecer) do que significa falar de direitos humanos. Talvez seja por isso que, entre as recomendações dos organismos internacionais está a necessidade de o Brasil investir em programas de educação em direitos humanos, para que o conhecimento sobre eles seja ampliado pelos vários agentes sociais. Um dos temas que é abordado no PNDH 3, e que poderia merecer mais atenção dos críticos e demais cidadãos.
O PNDH 3 resulta de amplo debate na sociedade brasileira e no Governo. Fatos atestam isso! Durante o ano de 2008, foram realizadas 27 conferências estaduais que constituíram amplo processo coletivo e democrático, coroado pela realização da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em dezembro daquele ano. Durante 2009, um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) procurou traduzir as propostas aprovadas pela Conferência no texto do PNDH 3. O MNDH e suas entidades filiadas, além de outras centenas de organizações, participaram ativamente de todo o processo. Há outros seis meses, desde julho do ano passado, o texto preliminar está disponível na internet para consulta e opinião. Internamente no Governo, o fato de ter sido assinado pela maioria dos Ministérios – inclusive o Ministério da Agricultura – é expressão inequívoca da amplitude do debate e da participação coletiva que presidiu sua construção. É claro que, salvas as consultas, o texto publicado expressa a posição que foi pactuada pelo Governo. Nem tudo o que está no PNDH 3 é o que as exigências mais avançadas da agenda popular de luta por direitos humanos esperam. Contém, sim, propostas polêmicas e, em alguns casos, não bem formuladas. Todavia, considerando que é um documento programático, ou seja, que expressa a vontade de realizar ações em várias dimensões, tem força de orientação da atuação nos limites constitucionais e da lei, mesmo quando propõe a necessidade de revisão ou de alterações de algumas legislações. A título de esclarecimento, é prerrogativa da sociedade e do poder público propor ações e modificações, tanto de ordem programática quanto legal. Por isso, não deveria ser estranho que contenha propostas de modificação de algumas legislações. Assim que, alegar desconhecimento do texto ou mesmo que não foi discutido, é uma postura que ignora ou finge ignorar o processo realizado. É diferente dizer que se tem divergências em relação a um ou outro ponto do texto, de se dizer que o texto não foi discutido, ou que não esteve disponível para conhecimento público.
Juntamente o ao MNDH, ainda que explicitando alguns outros detalhes que envolvem a integralidade do PNDH 3, nós, organizações, movimentos e militantes de São Paulo, entendemos que as reações veiculadas pela grande mídia comercial, com origem, em sua maioria, nos mesmos setores conservadores de sempre, devem ser tomadas como expressão de que o Programa tocou em temas fundamentais e substantivos, que fazem com que caia a máscara anti-democrática destes setores. Estas posições põem em evidência para toda a sociedade as posturas refratárias aos direitos humanos, ainda lamentavelmente tão disseminadas, e que se manifestam no patrimonialismo – que quer o Estado exclusivamente a serviço de interesses dos setores privados; no apego à propriedade privada – sem que seja cumprida a exigência constitucional de que ela cumpra sua função social; no revanchismo de setores civis e militares – que insistem em ocultar a verdade sobre o período da ditadura militar e em inviabilizar a memória como bem público e direito individual e coletivo; na permanência da tortura – mesmo que condenada pela lei; na impunidade – que livra “colarinhos brancos” e condena “ladrões de margarina”; no patriarcalismo – que violenta crianças e adolescentes, e serve de alicerce para o machismo – que mantém a violência contra a mulher e sua submissão a uma ordem que lhes subtrai o direito de decisão sobre seu próprio corpo (como o direito ao aborto), lhes impõe salários sempre menores que os dos homens, ou a situações de violência em sua própria casa; no racismo – que discrimina negros, indígenas, ciganos e outros grupos sociais; nas discriminações contra outras orientações sexuais que não sejam apenas a heterossexualidade (considerada o único padrão de “normalidade” em termos sexuais) – estigmatizando a homossexualidade (masculina ou feminina), a bissexualidade, os travestis ou transexuais, e todas as demais manifestações de homoafetividade – o que impede o reconhecimento dos casamentos, ligações e constituição de famílias fora das “normas” (atualizadas ou não) do velho patriarcado supostamente sempre heterossexual, monogâmico e monândrico; na falta de abertura para a liberdade e diversidade religiosa – que impede o cumprimento do preceito constitucional da laicidade do Estado; no elitismo – que se traduz na persistência da desigualdade em nosso País como uma das piores do mundo e, enfim, na criminalização da juventude e da pobreza, e na desmoralização e criminalização de movimentos sociais e de defensores de direitos humanos.
Como o MNDH, repudiamos também a tentativa de partidarização e eleitoralização do PNDH 3.
O Programa pretende ser uma política pública (e pelo público foi gerado) de Estado, e não de candidato; não pertence a um partido, mas à sociedade brasileira e, portanto, não cabe torná-lo instrumento de posicionamentos maniqueistas. Não faz qualquer sentido pretender que o PNDH 3 tenha pretensões eleitorais ou mesmo que pretenda orientar o próximo Governo. Quem dera que direitos humanos tivessem chegado a tamanha importância política e fossem capazes de, efetivamente, ser o centro dos compromissos de qualquer candidato e de qualquer Governo. Mas compromisso para valer, e não apenas um amontoado de frases demagogicamente esgrimidas nos palanques eleitorais.
Assim, nós – de São Paulo, do mesmo modo que o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), reiteramos a manifestação, publicada em nota no último 31/12/2009, na qual se afirma que cobramos “uma posição do Governo brasileiro, que seja coerente com os compromissos constitucionais e com os compromissos internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos. O momento é decisivo para que o País avance em direção de uma institucionalidade democrática mais profunda, que reconheça e torne os direitos humanos, de fato, conteúdo substantivo da vida cotidiana de cada um/a dos/as brasileiros e brasileiras”. Manifestamos nosso APOIO INTEGRAL ao PNDH 3, pois entendemos que o debate democrático é sempre o melhor remédio para que a sociedade possa produzir posicionamentos que sejam sempre mais coerentes e consistentes com os direitos humanos. Ao mesmo tempo, REJEITAMOS posições e atitudes oportunistas que, desde seu descompromisso histórico com os direitos humanos, tentam inviabilizar avanços concretos na agenda, que. quer a realização dos direitos humanos na vida de todas e de cada uma das brasileiras e dos brasileiros.
Juntamente com o MNDH, também manifestamos nosso apoio integral ao ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e entendemos que sua permanência à frente da SEDH neste momento só contribui para reforçar o entendimento de que o PNDH 3 veio para valer. Entendemos ainda que, se alguém tem que sair do Governo, são aqueles ministros – entre os quais o da Defesa, senhor Jobim, e o da Agricultura, senhor Stephanes Agricultura) – ou quaisquer outros prepostos que, de forma oportunista e anti-democrática, vêm contribuindo para gerar as reações negativas e conservadoras ao que está proposto no PNDH 3.
Em suma, como organizações da sociedade civil, o MNDH e nós, que vivemos e militamos em São Paulo, estamos atentos e envidaremos todos os esforços para que as conquistas democráticas avancem sem qualquer passo atrás.
São Paulo, 14 de janeiro de 2010.
Movimentos, Organizações e Militantes pelos Direitos Humanos de São Paulo
LISTA DE ENTIDADES QUE SUBSCREVEM ESTA NOTA PÚBLICA
AÇÃO SOLIDÁRIA MADRE CRISTINA
AETD - ASSOCIAÇÃO EDUCATIVA TECER DIREITOS
ABGLBT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
AJD - ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA
ANAPI – ASSOCIAÇÃO DOS ANISTIADOS POLÍTICOS APOSENTADOS PENSIONISTAS E IDOSOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSOCIAÇÃO DE FAVELAS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
ASSOCIAÇÃO DE MULHERES DA ZONA LESTE
ASSOCIAÇÃO ESPÍRITA LUZ E VERDADE
ASSOCIAÇÃO UMBANDISTA E ESPIRITUALISTA DO ESTADO DE SP
ATELIÊ DE MULHER
CASA DA VIDA, DO AMOR E DA JUSTIÇA
CENTRO ACADÊMICO “22 DE AGOSTO' – DIREITO PUC-SP
CENARAB – CENTRO NACIONAL DE AFRICANIDADE E RESISTÊNCIA AFRO BRASILEIRA
CCML - CENTRO CULTURAL MANOEL LISBOA
CIM – CENTRO DE INFORMAÇÃO DA MULHERCINEMULHERCOLETIVO DE FEMINISTAS LÉSBICAS
COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS.
CONGRESSO NACIONAL AFRO BRASILEIRO
CSD-DH - CENTRO SANTO DIAS
CUT – CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES
FRENTE NACIONAL PELO FIM DA CRIMINALIZAÇÃO DA MULHER E PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO
FÓRUM DOS EX-PRESOS E PERSEGUIDOS POLÍTICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO
FLO - FRIENDS OF LIFE ORGANIZATION
GTNM-SP GRUPO TORTURA NUNCA MAIS – SÃO PAULO
ICIB - INSTITUTO CULTURAL ISRAELITA BRASILEIRO - SÃO PAULO/SP
ILÊ ASÉ ORISÁ OSUN DEWI
ILÊ ASE OJU OMI IYA OGUNTE – SP
ILÊ IYALASE IYALODE OSUN APARA OROMILADE – PRAIA GRANDE
INSTITUTO LUIZ GAMA
INSTITUTO OROMILADE - INSTITUTO DE PESQUISAS COMUNITÁRIAS, AÇÕES SOLIDÁRIAS E ESTUDOS DE PROBLEMAS ÉTICOS E SOCIAIS
INTERCAMBIO INFORMAÇÕES ESTUDOS E PESQUISA
INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
LBL - LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS
LS-21 LIGA SOCIALISTA 21
MÃES DE MAIO
MAL-AMADAS CIA DE TEATRO FEMINISTA
MMM - MARCHA MUNDIAL DE MULHERES
MNP.RUA – MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
MST - MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
MOVIMENTO BRASIL AFIRMATIVO
NEV/USP-CEPID - NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULONÚCLEO DE MEMÓRIA POLÍTICA
NÚCLEO CABOCLO FLECHA DOURADA
NÚCLEO PENA BRANCA E PAI XANGÔ
NÚCLEO UMBANDISTA CASA DA FÉ
NÚCLEO DE UMBANDA SAGRADA DIVINA LUZ DO ORIENTE
NÚCLEO DE ORAÇÃO UNIÃO E FÉ
NÚCLEO CAMINHOS DA VIDA
NÚCLEO DE UMBANDA MAMÃE OXUM
NÚCLEO SAGRADA FLECHA DOURADA
NÚCLEO YEMANJÁ E SÃO BENEDITO
NÚCLEO OFICINA DA VIDA
NÚCLEO CASA DE OXUM
NÚCLEO GENTIL DA GUINÉ
NÚCLEO OTOCUNARÉ
OBSERVATÓRIO CLÍNICA
OBSERVATÓRIO-SP – OBSERVATÓRIO DAS VIOLÊNCIA POLICIAIS-SP
OUSAS – ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
PRIMADO DO BRASIL - ORGANIZAÇÃO FEDERATIVA DE UMBANDA E CANDOMBLÉ DO BRASIL
PROJETO MEMÓRIA DA OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA
PROMOTORES LEGAIS E POPULARESREDE FEMINISTA DE SAÚDE, DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODUTIVOS
SECRETARIA MUNICIPAL DE MULHERES DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO
SINDICATO DOS QUÍMICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO
SOF - SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA
TEMPLO DE UMBANDA ANJO DIVINO SALVADOR
TEMPLO DE UMBANDA PAI JOAQUIM
TEMPLO FORÇA DIVINA
TENDA DE CARIDADE PAI OXALÁ
TENDA DE UMBANDA CAMINHOS DE OXALÁ
TENDA DE UMBANDA CABOCLO PEDRA VERDE
TUPÃ OCA DO CABOCLO ARRANCA TOCO
UBES - UNIÃO BRASILEIRA DE ESTUDANTES SECUNDARISTAS
UMSP – UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO
UNE – UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES
UJR - UNIÃO DA JUVENTUDE REBELIÃO
UPES – UNIÃO PAULISTA DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Biblioteca Digital da União Européia

A UE (União Européia) lançou o site http://www.bookshop.europa.eu/ onde oferece mais de 100 mil publicações oficiais, que datam desde 1952, para download gratuito. A página é um serviço online que dá acesso a publicações de instituições da UE, agências e outras organizações.
Mais de 12 milhões de páginas foram digitalizadas para que a biblioteca digital européia pudesse começar a funcionar. Para alguns títulos, além da versão digital gratuita, o site vende a obra em papel. A previsão é que pelo menos mil novas publicações sejam oferecidas por ano.
Para ter acesso à biblioteca digital européia, é necessário preencher a ficha de cadastro disponível na página. Depois, na área de busca, é necessário selecionar a opção "Biblioteca digital" (Digital Library) para ter acesso ao conteúdo digitalizado.

Carta de Anita Prestes a "O Globo"


À Redação de “O Globo” - RJ, 13/01/2010


Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (p.4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações” e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, devo esclarecer o seguinte:
Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.
A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.
Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.
Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes


A seguir, a matéria que motivou Anita Prestes escrever a carta acima.


Comissão aprovará novas indenizações (O Globo, 13/01/2010)
Filhos de Jango e Brizola estão entre os que aguardam o benefício
De Evandro Éboli:
Em meio à polêmica sobre punição para militares que atuaram na repressão, a Comissão de Anistia aprovará hoje indenizações em dinheiro para filhos de João Goulart e Leonel Brizola, entre outros políticos. Dezesseis filhos e netos de 11 antigos opositores do regime militar reivindicam a indenização por terem vivido na clandestinidade, terem sido presos com os pais e até expulsos do país.
A indenização máxima prevista na lei é de R$ 100 mil por pessoa, valor pleiteado pela maioria. Como não trabalhavam no período e ainda eram estudantes, não tiveram suas carreiras prejudicadas pela ditadura.
Não será a primeira indenização para descendentes desses políticos. Os militantes tiveram as condições de anistiados post mortem aprovadas em anos anteriores, e os parentes já receberam verbas da Comissão de Anistia. O caso de Luiz Carlos Prestes foi aprovado em maio de 2005 com a promoção ao posto de coronel.
A viúva, Maria do Carmo Ribeiro, e as filhas do casal passaram a receber pensão no valor equivalente aos soldos general, na época R$ 7,5 mil. A comissão julga hoje o pedido de Luiz Carlos Ribeiro Prestes, filho do ex-ativista comunista, que, quando criança, viveu no exílio na então União Soviética.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Política e religião


Política e religião

Por Emir Sader


Uma das mais importantes conquistas democráticas no mundo contemporâneo é a separação entre religião e política. Não é que não tenham nada a ver, mas as relações políticas, sociais, cívicas, não podem ser orientadas pelas opções religiosas. Os Estados democráticos são Estados laicos.

Todos devemos ser iguais diante das leis, sem influência de nossas opções individuais – religiosas, sexuais, de diferenças étnicas, etc. Somos diversos nas nossas opções de vida, mas devemos ser iguais nos nossos direitos como cidadãos.

Os Estados religiosos – sejam islâmicos, sionistas ou outros – fazem das diferenças religiosas elementos de discriminação política. Xiitas e sunitas têm direitos distintos, conforme a tendência dominante em países islâmicos. Judeus e árabes são pessoas com direitos totalmente distintos em Israel. Para dar apenas alguns dos exemplos mais conhecidos.

Um Estado democrático, republicano, é um Estado laico e não religioso, nem étnico. Que não estabelece diferenças nos direitos pelas opções privadas das pessoas. Ao contrário, garante os direitos às opções privadas das pessoas. Nestas deve haver a maior liberdade, com o limite de que não deve prejudicar a liberdade dos outros de fazerem suas opções individuais e coletivas.

Por razões de sua religião, pessoas podem optar por não fazer aborto, por não se divorciar, por não ter relações sexuais senão para reprodução, por não se casar com pessoas do seu mesmo sexo. São opções individuais, que devem ser respeitadas, por mais que achemos equivocadas e as combatamos na luta de idéias. Mas nenhuma religião pode querer impor suas concepções aos outros – sejam de outras religiões ou humanistas.

A educação pública deve ser laica, respeitando as diferenças étnicas, religiosas, sexuais, de todos. Os que querem ter educação religiosa, devem tê-la em escolas religiosas, conforme o seu credo. Os recursos públicos devem ser destinados para as escolas públicas.

Da mesma forma a saúde pública deve atender a todos, conforme suas opções individuais, sem prejudicar os direitos dos outros.

A Teologia da Libertação é um importante meio de despertar consciência social nos religiosos, como alternativa à visão tradicional, que favorece a resignação (esta vida como “vale de lágrimas”, o sofrimento como via de salvação). Mas não pode tentar impor visões religiosas a toda a sociedade que, democrática, não opta por nenhuma religião. Os religiosos devem orientar seus fieis, conforme suas crenças, mas não devem tentar impor aos outros suas crenças.

Religião e política são coisas diferentes. A opção religiosa ou humanista é uma opção individual, da mesma forma que as identidades sexuais, as origens étnicas ou outras dessa ordem.

Misturar religião com política, ter Estados religiosos – Irã, Israel, Vaticano, como exemplos – desemboca em visões ditatoriais, até mesmo totalitárias. Na democracia, os direitos individuais e coletivos devem ser garantidos para todos, igualmente. Ninguém deve ter mas direitos ou ser discriminado, por suas opções individuais ou coletivas, desde que não prejudique os direitos dos outros.

Que possamos ser diversos, desde que não prejudiquemos aos outros. Iguais, nos direitos e nas possibilidades de ser diferentes. Diferentes sim, desiguais, não.


Rejeição da direita ao Programa Nacional dos Direitos Humanos

PNDH-3: Kátia Abreu rejeita os direitos humanos
13 de janeiro de 2010
Do Blog do Miro
A senadora demo Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), não gostou nem um pouco do Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado sob a coordenação do ministro Paulo Vannuchi após intensa discussão na sociedade. Para ela, é “uma plataforma socialista. Uma parte deste governo tem tendência bastante radical, de extrema esquerda”. Numa leitura das mais maldosas, ela garante que o documento estimula “a invasão de terras” e sugere ainda que “o agronegócio não têm preocupação e compromisso com os direitos humanos”.
Mesmo que o documento afirmasse isto, ele não estaria cometendo nenhum absurdo. A realidade comprova que parte significativa dos tradicionais latifundiários, hoje travestidos de “modernos” barões do agronegócio, não tem mesmo qualquer compromisso com os direitos humanos. Basta observar o número de mortes no campo e o enorme contingente de trabalhadores escravizados. O discurso raivoso da demo Kátia Abreu, que recentemente foi acusada pela revista CartaCapital de surrupiar terras de pequenos agricultores, é puro esperneio de quem tem culpa no cartório.
Conflitos, expulsões e assassinatos
O campo brasileiro continua sendo um dos espaços mais reacionários e atrasados da sociedade. Segundo balanço parcial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 25 lavradores foram mortos entre janeiro a novembro de 2009. No mesmo período, ocorreram 731 conflitos rurais e 1.612 famílias foram expulsas da terra. Também houve aumento das tentativas de assassinatos, que pulou de 36, em 2008, para 52 no ano passado, e dos casos de torturas, que passou de três para 20. “Os dados mostram que os conflitos no campo teimam em persistir, bem como a violência”, critica a CPT.
O Pará é o campeão de mortes. Segundo o teólogo José Batista Gonçalves, “mais de 800 pessoas foram assassinadas no estado nos últimos 40 anos. Somente sete mandantes foram levados a júri popular e seis foram condenados, mas nenhum cumpre pena até hoje”. Ou seja: na prática, não existe “direito humano” no campo. Os grandes fazendeiros possuem poder econômico, influência política e controlam o Judiciário. “Levar um mandante ao banco de réus, condená-lo e mantê-lo preso é uma tarefa difícil, não só no Pará, mas também em outros estados”, garante José Batista.
“Lista suja” do trabalho escravo
A selvageria visa garantir os privilégios dos grandes proprietários rurais, inclusive de poderosas multinacionais. Com base nela, muitos lavradores são expulsos da terra e outros são explorados, vivendo em condições de trabalho escravo. Como aponta Henrique Cortez, “mais de um século após a Lei Áurea, continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país”. Até hoje, o parlamento não aprovou PEC-438, que permite a expropriação para fins de reforma agrária das propriedades com trabalho escravo.
Cortez reconhece que governo Lula apertou o cerco aos escravocratas. A publicação da “lista suja” do trabalho escravo, com a divulgação dos nomes dos fazendeiros, inibiu alguns deles. Já a ação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho descobriu os cativeiros. Nos primeiros sete meses de 2009, foram libertados 1.492 trabalhadores rurais escravizados ou tratados de forma degradante. Pernambuco ocupou o primeiro lugar no ranking com 362 pessoas libertadas. Tocantins, estado da senadora demo Kátia Abreu, ficou em segundo com 296 resgatados. É isto que incomoda a presidenta da CNA, que rejeita qualquer programa de direitos humanos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Inaugurado Museu da Memória para documentar e lembrar a ditadura de Augusto Pinochet

A presidente do Chile, Michelle Bachelet, inaugurou ontem um museu para documentar e lembrar uma das piores ditaduras da América Latina: a que governou o seu país de 1973 a 1990. O museu, no centro de Santiago, exibe objetos pessoais e fotos das vítimas, além de relatos de sobreviventes. Cerca de 28 mil pessoas foram torturadas durante a ditadura chilena, inclusive a atual presidente do país, Michelle Bachelet.
Segundo as conclusões de uma comissão suprapartidária que investigou operíodo ditatorial, o regime de exceção deixou 3.200 mortos; 1.200desaparecidos; e quase 30 mil presos e vítimas de tortura.Cerca de 800 militares foram levados à Justiça por violações dos direitos humanos,sendo que quase 300 já foram condenados.


Há mais de um ano, partidários de Pinochet inauguraram o seu próprio museu em homenagem ao ditador, que morreu em 2006 sem ser julgado pelos abusos aos direitos humanos ocorridos em seu regime.


Mas o chamado Museu da Memória também criou uma polêmica importante a seis dias da eleição presidencial que pode colocar a direita de volta no poder. A oposição acusa o governo de tentar usar a memória da ditadura para criar uma "fato político" e reverter a vantagem que o candidato Sebastián Piñera tem sobre o governista Eduardo Frei.


"Esperamos que este museu nos ajude como sociedade a entender o que nos aconteceu e que possamos nos comprometer com o respeito aos direitos humanos," disse María Luisa Sepúlveda, chefe da Comissão Presidencial dos Direitos Humanos. "É um processo que a sociedade chilena não considera encerrado".
FONTE: Valor Econômico, 12/01/2010.

Nova agressão do governo dos Estados Unidos a Cuba

O governo norte-americano incluiu Cuba na sua lista de países patrocinadores do terrorismo. Contudo, o governo dos Estados Unidos nada fala dos muitos atentados perpetrados contra Cuba apoiados pelas administrações dessa nação, assim como a permanência impune em território norte-americano de velhos e conhecidos terroristas. Nenhuma palavra é dita sobre a tradição humanitária e antiterrorista de Cuba.
Nos últimos 50 anos, Cuba tem sido o país mais agredido pelo terrorismo nascido, precisamente, em território norte-americano, que já custou a vida de 3.478 cubanos e inapacitou outros 2.099.
Como declarou o Ministro das Relações Exteriores de Cuba, a nova manobra do geverno dos Estados Unidos é injusta, arbitrária e imoral.
Em solidariedade ao povo cubano, declaro meu repúdio à tramóia da nação mais poderosa do mundo e o apoio à exigência de que Cuba seja excluída da lista de Estados patrocinadores do terrorismo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

José Peba, presente!!!

Adeus ao comunista José Peba

Bernardete Wrublevski Aued (*)

José Peba Pereira dos Santos nasceu em São João do Cariri, Paraíba, em 21 de janeiro de 1917 e o seu coração de militante comunista deixou de bater no último dia do ano de 2009, na cidade de Campina Grande, Paraíba. De profissão sapateiro, foi dirigente sindical, militante do Partido Comunista Brasileiro. Diferentemente dos comunistas de grandes cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, cujo anonimato resulta em certas garantias de vida, José Peba torna-se comunista num contexto onde os dirigentes políticos estavam pouco ou nada habituados com a convivência de sindicato, greves e liderança de trabalhador. Nesta situação, José fez política pelo avesso e, muitas vezes escapou por pouco de perder a vida. Veio deste período o apelido Peba, uma metáfora ao tatu Peba, um animal hábil cavador nas entranhas da terra. José escava as entranhas do poder constituído, questionando-o dentro do trabalho e fora dele.
José Peba viveu da atividade de sapateiro assalariado combinada com a atividade política. Por aderir ao comunismo, e por isso pagou um preço. Inúmeros desaparecimentos temporários motivados pela militância, a fuga da polícia e as prisões deixaram marcas indeléveis e um rastro de fome e dor. A dor que causou a seus familiares não tem origem nos gestos ditos impensados de José, mas decorre da sociedade em que vive. É, assim, uma dor social. Certa vez, perguntei a José se viveria tudo outra vez, se pudesse. Respondeu que tinha plena consciência da dor causada aos outros, mas não tinha alternativa. Era viver e sangrar ou não viver. Explicou-me que viver é como fazer sapato: “para fazê-lo é preciso uma fôrma para moldar o couro do sapato, que pressupõe o corte, a prensa, a colagem e a costura.”
O sapateiro José trabalhou desde a mais tenra infância, muito embora não tivesse, na época, estatura física de trabalhador. As evidências de trabalho remontam aos seis anos, quando foi ajudante do seu próprio pai em diversas tarefas rurais. O menino José pouco frequentou a escola, somente o fez durante os primeiros anos do primário. A evocação sobre a lembrança do tempo de escola e da primeira professora, Albertina Amorim, foi recordação não do tempo em que estudava, mas do tempo em que carregava a cal para construir a escola. Nesses traços, ele não foi nada original; também em quase nada se diferenciou de muitas crianças brasileiras de sua época, assim como também das atuais. Em 1933, após a incapacitação temporária de seu pai, por doença, José passou a sustentar, quase sozinho, os 10 irmãos. Trabalhou duro, como ele próprio diz: “aos dezesseis anos, trabalhava tanto que já estava até cansado de trabalhar. Tudo o que consegui foi escapar da fome com muito sacrifício”. Em seguida e de forma indissociada desempenha a profissão de sapateiro, inconcebível sem a política. Em termos cronológicos, este período dura aproximadamente de 1940 até 1964, sendo interrompido abruptamente pelo golpe civil-militar. É também o tempo de irreverência e de descoberta. Migra para a cidade de Campina Grande. Ousado, inquieto, atrevido e, às vezes, até abusado, José emerge contra lideranças tradicionais, tanto no sindicato como no partido político. Na geração dos pais e irmãos de José evidenciou-se a presença do poder em condições muito peculiares. Tanto o pai de José, como, principalmente, sua tia Honorina, “tinham a política no sangue” e atuaram do lado do cangaço, ou melhor, daquilo que lembrava como cangaço. Tia Honorina protegeu uma pessoa – identificada como “Zé do Totô” –, que entrou para o cangaço por ter “feito justiça” com suas próprias mãos. Com isso, envolveu-se nas lutas da época, legando a José a “política no sangue”.
Em Campina Grande, José passa a ter outra vivência de poder político, uma vez conhece quadros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, a seguir, torna-se membro, de 1937 a 1963. Iniciado nessa forma de poder, procura dar vida orgânica ao partido a que pertenceu, vinculando-se a uma célula de fábrica. Lutador incansável José sonha alto com uma sociedade comunista.
O momento do golpe civil-militar, em 1964, é perpassado por medo, clandestinidade, prisões, perseguição e tortura. José vive momentos duros em todos os sentidos: perde a sua forma de sobreviver como militante profissional e o suporte resultante dos laços partidários do Partidão. De fato, ele já estava afastado do PCB antes do golpe, mas depois, este partido é particularmente esfacelado e a sua infra-estrutura é desmontada. Em 1964, José Peba estava com 47 anos. Isso quer dizer que ele pertence à última geração de sindicalistas que se forjam nos anos de desenvolvimentismo industrializante, especialmente na fase radical do governo de João Goulart, quando os comunistas, dizendo-se no poder, tudo faziam para ampliar a participação popular pela via das Reformas de Base. Ilusórias ou não, as aspirações daquele momento deram substância crítica e subversiva à vida de muitos trabalhadores. José Peba é um deles. Em todo local em que trabalhava, procurava dar vida orgânica ao PCB, vinculando-se a uma célula. A clandestinidade, a repressão, nada disso apaga a sua chama de operário da construção da sociedade socialista.
Nos anos sessenta, devido a divergências internas, foi afastado do PCB, mas como ele fazia questão de assegurar muitos anos depois, seu coração continuava comunista. Dizia mais ainda, que não deveria ter enfrentado sozinho a direção do Partido. Ao invés de acertar sozinho, disse que seria mais interessante errar juntamente com o coletivo.
Nos anos 1970 inicia-se um processo de distensão política que resulta em anistia política e a retomada de eleições. José Peba que tinha se calado, praticamente, desde 1964 ressurge como fênix, das cinzas, juntamente com muitos outros líderes comunistas. Reencontra-se com Luis Carlos Prestes e Gregório Bezerra, dois comunistas de "carteirinha" que estavam no exterior havia muito tempo. Eles se abraçam e José Peba abraça novamente a causa comunista. No entanto, os tempos eram outros: a questão era ser comunista sem estar no PCB.
Neste ínterim, ocorreu a sua candidatura a vereador do município de Campina Grande apoiado por diversas forças comunistas e de oposição. Foi eleito com 1.713 votos para o mandato 1983 -1988.
Há, portanto grandes traços constitutivos de seu retrato: lutador indomável, sapateiro militante, e por fim pesquisador. O lutador incansável, combatente sensível defendeu a vida e a humanidade. O sapateiro militante é destemido batalhador de sua profissão que jamais descola sapato de política e assim se faz pesquisador entusiasta da vida. O pesquisador José Peba surge dentro da militância rompendo a barreira de uma escolarização precocemente interrompida. Como se tivesse uma jóia rara guardou alguns cadernos de cursos organizados pelo PCB, desde o início dos anos 1950. Olga Benario, filha de Peba me disse, em 1998, que um dia sua filha havia pedido atenção do avô e ele lhe respondeu: "não vê que não posso falar com você, pois estou estudando?" José Peba se fez pesquisador aos 83 anos. A compreensão da necessidade do estudo e da pesquisa se reforça na maturidade de sua vida, quando transforma a mesa da cozinha em mesa de estudos, forjando, com têmpera de aço, sua performance de sapateiro que discute com entusiasmo análise de conjuntura.
José Peba viveu da condição de ser sapateiro e dela aposentou-se. Ao final da vida, já quase cego, a seu lado ninguém ficava sem prosa. Quem disse que para olhar o mundo são necessários olhos?
José Peba entra no cenário de Campina Grande, amplia-o para o Brasil e para o mundo e desvela o que não quer (e não vai) calar: o sapateiro militante José lutou muito e tudo fez para que a bandeira da foice e do martelo tremulasse no chão que pisava.
José Peba Pereira do Santos? Presente!
(*) Professora da UFSC